segunda-feira, 27 de julho de 2015

MENOS É MAIS


João 6, 1-15

Caro leitor, estamos exatamente no meio do Ano Litúrgico, dividido em 34 semanas. As outras culturas com um calendário próprio, definido a partir dos grandes acontecimentos de sua história, como o chinês, o árabe, o hebraico e outros. Embora o cristianismo já tenha a sua diferença na cronologia ocidental, a Igreja possui outra contagem do tempo onde tenta reviver, em diversas sequências, a história de Jesus, e, com isso, inseri-la na vida do fiel que participa de suas celebrações.

No centro do Ano Litúrgico B, de São Marcos, encontramos o capítulo sexto de São João, iniciado nesta semana, mas que seguirá até ao fim dessa narrativa complexa e conflituosa em torno da ceia de Jesus. É que o autor desse evangelho reuniu a catequese sobre a eucaristia, como alimento, nesta cena da multiplicação dos pães e não na última ceia, como os demais evangelistas. Sabemos que em São João, na última ceia, a dimensão do serviço é mais evidente, pelo Lava-pés e pelo testamento sacerdotal. Não descure o leitor apressado de que ambas as leituras se complementam.

Creio que de início valha uma autodenúncia. Tenho formação teológica, mas minha especialização é em psicologia e formação sacerdotal, portanto não sou mestre em Bíblia ou um exegeta. Minhas reflexões são meditações pessoais e inquietações religiosas que, auxiliadas pelas preocupações pastorais e orientações espirituais entre os irmãos, não deixa enclausurar as ideias ou mesmo temê-las. Igualmente, sempre gostei de ler, de meditar as Escrituras e preparar as minhas homilias. Diria até que, de domingo a domingo, não consigo deixar de fazê-lo.

Este é um momento de retiro semanal onde me sinto agraciado na presença dAquele que me fala ao coração e me questiona. Escrever estas reflexões tem sido para mim como que uma pregação do púlpito do meu computador aos corredores da internet. Assim posso ir além daqueles que conheço e falar a quem ainda não me conhece. Assim, além do povo, tenho um público e o evangelho continua sendo proclamado, como disse um padre amigo meu. Ainda mais, outros irmãos têm se inspirado e publicado, do mesmo modo, as suas reflexões.

Também o povo que seguia Jesus foi além. Seguiu o mestre até onde Ele podia ser encontrado. Jesus já lhe tinha dado muito, mas ainda não era o suficiente. Eles já O conheciam, mas queriam saber mais. Experienciar a presença de Jesus e a sabedoria de Suas palavras, se autenticamente, provocará uma nova busca. Se há sabor agradável haverá repetição do deguste. Se o conselho é verdadeiro, ainda que machuque e afaste, haverá gratidão.

1. Depois disso, atravessou Jesus o lago da Galiléia (que é o de Tiberíades.) 2. Seguia-o uma grande multidão, porque via os milagres que fazia em beneficio dos enfermos. 3. Jesus subiu a um monte e ali se sentou com seus discípulos. 4. Aproximava-se a Páscoa, festa dos judeus.

A primeira leitura desse domingo, 17º do Tempo Comum, traz uma cena deveras semelhante a esta de Jesus, no evangelho, mas permitam-me os estudiosos da Bíblia por esta reflexão, ainda que superficial. Vejo um povo atravessando o mar a pé enxuto, seguindo um Homem que avança mar adentro para o outro lado; vejo esse Homem subir um monte e de lá se preocupar com um povo enfraquecido pela longa viagem; vejo-O lhes dar de comer. A Páscoa judaica se aproximava, mas o desvio daquele povo os levou a outra passagem. O que vejo é uma analogia com o Êxodo. É a partir desta proximidade que discorrerei sobre a minha meditação.

Bem fácil este artigo se chamaria ‘economia apostólica’, ou seja, as leis da administração doméstica dos Apóstolos. Quando fiz Teologia, lembro bem que a todo ensinamento novo de Jesus os professores intitulavam de ‘escola’: escola de Maria, escola de Filipe, escola de André. Como se cada um tivesse um modo particular de transmitir os mesmos ensinamentos do Mestre. Desta vez, sugiro uma palavra mais moderna: ‘economia’, economia de Filipe e economia de André, pois temos ensinado em demasia, aprendido com dificuldade, e talvez, praticado com vergonha.

5. Jesus levantou os olhos sobre aquela grande multidão que vinha ter com ele e disse a Filipe: Onde compraremos pão para que todos estes tenham o que comer? 6. Falava assim para o experimentar, pois bem sabia o que havia de fazer. 7. Filipe respondeu-lhe: Duzentos denários de pão não lhes bastam, para que cada um receba um pedaço.


A economia de Filipe está pautada na confiança do estabelecido, daquilo que se tem. Do tipo ‘sempre foi assim’, nada pode mudar. Uma confiança nas leis de mercado atual e no que produzimos. Nada parece poder superar as evidências. Sem otimismo ou empreendedorismo. É a economia do cristão covarde, sem fé, sem confiança no sobrenatural, sem coragem de se lançar. Uma confiança aparente que visa proteger o status quo. Confia apenas em si mesmo e em seus bens, no dízimo e na poupança. Suas leis econômicas são poupar, guardar, economizar, juntar, nada de repartir. Sempre tem uma desculpa para convencer os demais de que precisa de mais. Quem sabe é daqueles que sempre querem mais. Para os seus seguidores mais é sempre menos.

8. Um dos seus discípulos, chamado André, irmão de Simão Pedro, disse-lhe: 9. Está aqui um menino que tem cinco pães de cevada e dois peixes... mas que é isto para tanta gente?

Já as leis econômicas de André ensinam o contrário de Filipe. Acredita na inovação e na insuficiência. É um visionário. Sabe ver expansão onde o mercado se fecha. Cria as suas oportunidades. Usa o que tem. Consegue enxergar na própria comunidade a sua subsistência. Não espera de fora ou das autoridades. Cria as suas expectativas. Não se espelha ou inveja o sonho alheio. Tem luz própria e iniciativa. É humilde e reconhece apenas o que tem. É um sonhador, porém não é sonâmbulo aleatório, empolgado em vantagens e falsas esperanças. Não sonha em demasia alienando os seus seguidores. Eis o que temos, diz André: “um menino”.

Um menino é a promessa do Natal. Que lindo projeto! ‘Temos um começo’, disse André a Jesus. Não sei se André duvidou quando disse: “...mas que é isto para tanta gente?” ou provocava também o seu Mestre. Fato é que todo novo empreendimento exige uma avaliação séria e proporcional, como quando Jesus fala em planejar a construção ou uma guerra. Não somos loucos megalomaníacos, fazer, fazer, construir, construir, não importando de onde venham as ajudas, pois se é para Deus tudo é santificado. Só neste caso, para alguns, os fins justificam os meios. Assim nascem cristãos corruptos.

10. Disse Jesus: Fazei-os assentar. Ora, havia naquele lugar muita relva. Sentaram-se aqueles homens em número de uns cinco mil. 11. Jesus tomou os pães e rendeu graças. Em seguida, distribuiu-os às pessoas que estavam sentadas, e igualmente dos peixes lhes deu quanto queriam. 12. Estando eles saciados, disse aos discípulos: Recolhei os pedaços que sobraram, para que nada se perca. 13. Eles os recolheram e, dos pedaços dos cinco pães de cevada que sobraram, encheram doze cestos.

Quando a comunidade decide participar e a humildade sincera abre as mãos daqueles que têm pouco o deserto verdeja. Quando dispomos de tudo, sem esconder ou mentir, o ‘menos se torna mais’. Quando sete não for mais apenas um número e a perfeição de sua simbologia com os dias da criação for uma convicção então saciaremos a fome, seja ela qual for. Não esconderemos mais o que temos. Não nos esconderemos mais atrás das (más) caras e dos papeis sociais, nem na falta de tempo, nem na desculpa. Sempre me questionei diante do mendigo à porta quando respondemos ‘perdoe!’, bem alto, de dentro de casa, como quem manda embora. Por que perdoe? Talvez a consciência da gravidade em despedir o semelhante sem lhe aliviar o peso das necessidades. Ah, mas também tem a justificativa dos riscos da violência. Assim é a economia de Filipe, sempre cheia de estatísticas.

14. À vista desse milagre de Jesus, aquela gente dizia: Este é verdadeiramente o profeta que há de vir ao mundo. 15. Jesus, percebendo que queriam arrebatá-Lo e fazê-Lo rei, tornou a retirar-se sozinho para o monte.

Esta perícope começa com Jesus descendo do monte e termina com Ele subindo em retorno. Algo tão teatral e plástico, espetaculoso. Uma cena nos moldes daquelas narrativas de Moisés no deserto. Porém, qual de nós sairia da multidão em plena aclamação? Já vi muitos encerramentos de festa de padroeiro e inaugurações como um sensor da comunidade, se estamos ou não dando certo naquele lugar. Parece que para Jesus esse tipo de sucesso social ou mesmo de aceitação como liderança econômica e administrativa não é bem o reconhecimento que Ele espera.

Diria ainda que a aceitação de Sua Pessoa temporal parece comprometer a missão que o Pai lhe confiou. Ele sabe que está de passagem e que mesmo o amor à Sua Pessoa precisa ultrapassar o apego físico. Isto é algo difícil de compreender mesmo nos dias de hoje, quando cremos sem tê-Lo visto e quando alguns buscam justamente isto: ser reconhecido e aclamado, ou mesmo indicado a algum cargo público. Quantas lideranças de comunidade ingressaram no poder público? Quantas obras pastorais se transformaram em associação ou cooperativa? Mas se até as igrejas têm personalidade jurídica e muitos religiosos ingressam na carreira política! Sei que muitos me criticarão por esta observação. De fato é mais fácil negar o que digo do que o que Jesus fez.

Por fim, desejo a todos, cristãos ou não, que exercitemos a economia de comunhão, onde menos se torna mais, quando cada fragmento lembra que é parte de um todo, e que se decidir continuar pedaço jamais (se) completará. Desejo que arrisque; que se questione, que decida. Que creia no impossível e no invisível. Ame a si mesmo tanto que perceba o quanto alguém precisa do seu amor. Desejo também que Deus nos encontre dentro de nós mesmos. Ele está presente em tudo que fez, é o artista que assina a Sua obra, porém o Seu diálogo é íntimo e pessoal, e disto Ele não abre mão. Também o crente não abra mão do seu papel enquanto fiel, pois a Igreja é o seu corpo e quem tiver o seu dom exerça-o para o crescimento de todos.

Glória ao Pai e ao Filho e ao Espírito Santo...

26.07.2015

domingo, 19 de julho de 2015

ZONA DE CONFORTO

Mc 6, 30-34

Em cada missa toda a Igreja Católica proclama o mesmo Evangelho, a não ser que se celebre uma Festa própria do lugar, caso muito particular. Os anos são divididos em A, B e C, segundo os sinóticos Mateus, Marcos e Lucas, ficando João mais para o Tempo Pascal. Estamos no 16º domingo do tempo litúrgico denominado Comum, portanto, da vida pública de Jesus, no ano B, logo, do evangelho segundo São Marcos.

O evangelho desta semana faz parte de uma sequência que já dura três domingos e que continuará no próximo com a multiplicação dos pães, porém lido em São João. Depois de ser rejeitado pelos seus conterrâneos, Jesus envia os doze a pregar a conversão, despojados, sem busca de sucesso ou lamentos, e, na perícope desse artigo, o seu retorno felizes, porém merecidamente cansados.

Uma coisa é certa, todos ali sabiam onde encontrar o seu conforto. Não era um lugar ou algo, mas alguém. Haverá um lugar, tanto que Jesus os chama “para um lugar deserto” e haverá algo também, vejamos depois o evangelho do próximo domingo. Ele os saciará também de pão com fartura. Mas a primeira experiência dos discípulos e a que os atrai e traz de volta é mesmo a pessoa maravilhosa que Jesus é.

30 Os apóstolos reuniram-se com Jesus e contaram tudo o que haviam feito e ensinado. Ele lhes disse:  'Vinde sozinhos para um lugar deserto, e descansai um pouco'.
  
Apesar dos discípulos já realizarem o que Jesus lhes havia ensinado, retornam de volta. Não se ufanam de que sejam miraculosos ou eloquentes por si mesmo, mas retornam à fonte. eles querem aprender mais para fazerem mais. A nomenclatura dos discípulos é curiosa no capítulo sexto de São Marcos. No verso primeiro se lê ‘discípulos’ (14º domingo); já no verso sétimo (15º domingo), do envio dois a dois, lemos ‘os doze’ e, por fim, no verso trigésimo, da reunião de retorno, lemos ‘os apóstolos’. Parece que a missão transforma a pessoa na fé. Faz crescer perante Jesus e perante a comunidade. A missão evolui o cristão.

31b Havia, de fato, tanta gente chegando e saindo que não tinham tempo nem para comer.

Os apóstolos não retornam sozinhos. Trazem com eles tantos novos seguidores que eram comprimidos pela multidão. Apesar de Jesus escutá-los sobre os feitos e prodígios ficava difícil de descansarem e talvez de passar um ensinamento novo. Desta vez a nova lição é o contrário de tudo o que aprenderam. A outra face da moeda e talvez a mais importante; a tônica da fé; a medida da evangelização; a qualidade do que se prega e o nível do pregador, ou seja, descansar em Cristo. Tudo o que fazemos e quem somos precisa encontrar em Jesus o seu repouso. Não há massa que não mereça uma sova ou alvura que não necessite quarar.

A passividade teológica, como dizem os estudiosos, é uma necessidade de fé. Saber esperar, crer em quem dá o crescimento, dar tempo à divina providência. Esperar as suas demoras é outra forma de crer em Deus. Quem acha que tudo depende de si mesmo talvez não tenha a sua força naquele em quem diz crer. Quem se gasta a ponto de não poder servir quem vem depois parece que entendeu mal a lógica de Jesus e corre o risco de perder pessoas, sob a desculpa de que não tem tempo ou de que está cansado.

Na igreja, pode até ser um contratestemunho medir o salário do operário pelo tempo de serviço e o desempenho do seu trabalho pela repercussão dos colegas. Ao menos esta não é a contabilidade de Jesus na parábola dos trabalhadores da vinha (Cf. Mateus 20, 1-16). Ultrapassa a mesquinhez pedir contas temporais de uma pastoral que tem fins celestiais. Acaso é a Igreja apenas uma empresa?  As frases de Jesus: “O operário é digno do seu salário” (Lc 10, 7) e “eu quero dar a este último tanto quanto dei a ti” (Mt 20, 14) não deixam dúvidas de que a remuneração do ministro é digna e equitativa. Isto faz jus ao tipo de serviço que presta: não é temporal, portanto não se mede em horas.

Então foram sozinhos, de barco, de barco, para um lugar deserto e afastado.

O repouso necessário do discípulo é em Jesus. Quem descansa tranquilo nEle tem a certeza de que fez o que devia e o que podia. O que passar disso agora é com Deus. Descansar, porém, é depois da missão, não antes! O grupo dos doze não é um grupo de férias, ou bons vivants. Aqueles que usam do evangelho ou da vida eclesial, seja status ou salários, para o seu uso e fruto ou para uma vida de privilégios e benesses não entendeu a Pessoa implícita neste ‘vinde e descansai’. Jesus está com todo aquele que se fadiga na Sua causa. Uma evangelização que não chegou à fadiga ainda não completou a sua missão. A intensidade da marcha deste capítulo sexto dá uma dica ao pregador. Ser rejeitado e continuar o seu caminho até ao sucesso que vem quando o cansaço chega. O sucesso do missionário é a sua satisfação em ter feito o que Jesus ensinou e o seu prêmio é retirar-se ‘com’ e ‘em’ Jesus.

33 Muitos os viram partir e reconheceram que eram eles.Saindo de todas as cidades, correram a pé, e chegaram lá antes deles. 34 Ao desembarcar, Jesus viu uma numerosa multidão e teve compaixão, porque eram como ovelhas sem pastor.

Quanto ao povo, ao que parece, eles sempre serão ‘como ovelhas sem pastor’. Penso que, nesta terra, jamais saciaremos as ovelhas do Senhor, pelo simples fato de serem dEle. Quando as alimentamos com a Sua palavra, apenas lhes damos mais sabor e desejo pela Sua Palavra. Neste caso a prática foi bem feita e a evangelização bem sucedida. O rebanho descobriu e reconheceu quem e o que os alimenta de fato, por isso seguem a barca e chegam à outra margem. Apressam-se e chegam, não desistem no caminho. Não são cristãos ‘meia boca’, não estão à procura dos apóstolos, mas do mestre de todos: Jesus. Conheço alguns incansáveis ministros, já ouvi muitas citações gravadas na memória dos seus ouvintes, na maioria são anedotas e cacoetes, alguns poucos testemunhos de vida, o que me leva a concluir que se enganam de fato os ministros que pensam em ser lembrados mais do que Jesus. Talvez suas lembranças sejam justamente o que não gostariam que lembrassem.

O descanso a que Jesus convida poderia facilmente ser confundido com a zona de conforto que todos procuramos na vida, o ambiente que construímos ao longo da vida para repousar nossa consciência tranquila, junto às pessoas que nos dão segurança e nos alojam numa comodidade estável, esta segurança e conforto em que todos se aninham e constroem com muito esforço, ou o ritmo de vida que buscam só será alcançado pelo crente definitivamente em Deus. No entanto, se na vida comum a psicologia aconselha a que é necessário desinstalar-se de vez em quando e construir outra zona de conforto, ainda mais aos cristãos, diria,  jamais nos acomodarmos com coisa alguma. Mesmo a paz do evangelho precisa ser inquieta, como canta Pe. Zezinho, pois nada está de fato acabado, ainda não chegamos ao fim. Há um longo caminho a percorrer. Após o descanso urge uma nova caminhada.

No evangelho Jesus reveza com os apóstolos. Descansar em Jesus é algo apenas até que cheguem as ovelhas famintas. Porém não quer dizer que se deva sair logo do retiro. Esta saída de cena carece de muito discernimento e sabedoria de deixar que Cristo fale quando é o tempo de voltar ao público, para que o nosso ativismo não corrompa uma ação que trabalha na alma e não no externo, onde as aparências maquiam as verdades. Em muita gente achando que tudo depende de si, que é insubstituível e se expõe mais que o Santíssimo Sacramento.

34b Começou, pois, a ensinar-lhes muitas coisas.

Urge tomar cuidado com um sucesso pastoral que não dura ao longo dos anos e as conversões que não retornam a Cristo. Há muito êxito momentâneo nas comunidades, há uma diversidade de propostas e planos de ação, apesar de uma experiência bimilenar na campanha evangelizadora, que não está dando certo. Não há por que arriscar ou não conseguir. O erro pode estar no engano de não revezar com Cristo, ou de pôr-se no lugar dEle. Engana-se e engana a comunidade um evangelizador que se anuncia, que prega ‘si mesmo’. Anunciar Jesus é ensinar o rebanho a encontrá-Lo e segui-Lo até a outra margem do lago que os separa. A pessoa evangelizada deve ser capaz dessa travessia, a pé, no ermo das margens, beirando o infinito do mar, porém olhos fixos e à frente, naquele que mirou em seguir.

O bom evangelizador é aquele que sabe sair de cena e deixar que o protagonista seja o Mestre. O bom rebanho é aquele que sabe procurar o pastor. O bom evangelizador é aquele que prega tão bem que seus ouvintes não o seguem, mas à sua palavra e de quem ela fala. Os bons ouvintes são aqueles que vão confirmar se o que ouviram é verdade, ou seja, onde foi que aprenderam aqueles que lhes falam. O bom evangelizador sabe que não se promove, apenas se alegra com a confirmação da sua profecia. O bom rebanho não busca o miraculoso, ou o escandaloso, não são as propagandas que o atraem, mas descobriu quem é essencial na religião e na pregação dos seus ministros: Jesus.

Desejo para esta semana que não tenha medo de sair, de relaxar, de ter a consciência tranquila de que fez o que podia, e de que Jesus toma conta agora. Entregue tudo que fez por Ele nas Suas santas e veneráveis mãos. Peço ainda que reze por mim, pois estarei rezando por ti. Permita-me lembrar, no dia 20 deste, dia da amizade, completo 13 anos de sacerdócio. Escolhi esta data pelo meu amor ao mistério da Santíssima Trindade. Descobri que a amizade é o amor entre irmãos. E que só seremos de fato irmãos universais se pudermos alargar as nossas famílias. Não nos amaremos de verdade nem seremos irmãos de fato se não formos amigos uns dos outros.

A amizade é o amor que gera laços além do sangue e da carne, e que testifica se somos irmãos de um Deus Amor. A amizade é o amor dos irmãos filhos de um Deus Amor. Não é o sangue nem a carne, mas a amizade o que nos faz nos amarmos tanto. Ser irmãos, já o somos desde Adão. Ser amigos, isto é uma conquista e evolução do que somos. Por isso o meu lema sacerdotal: Glória ao Pai e ao Filho e ao Espírito Santo... porque a glória de Deus é o homem que é a sua imagem e semelhança (1Cor 11, 7), e Deus é a Santíssima Trindade: Comunhão de Pessoas.

Que Deus nos livre das inimizades e que você encontre verdadeiros amigos. Ao menos seja um amigo verdadeiro, ainda que isto lhe custe inimizades. Tenha uma semana abençoada!

19.07.2015
Pe. Adeilton Santana Nogueira

domingo, 12 de julho de 2015

ERA PRA SER ASSIM!

Mc 6,7-13
Minha irmã, meu irmão, refletir o evangelho não é uma meditação fácil. Não é um exercício apenas da inteligência. Envolve algumas experiências pessoais e do exercício pastoral. Exige memória e projeção, pois se algumas ideias são fruto do que vivi nas pregações e missões, elas mesmas podem ainda fazer muito bem a quem as lê hoje e ajudá-los em algumas decisões futuras. Faço uma reflexão além do ambão, além do púlpito, mas não sem a Igreja, a qual sirvo. Estas reflexões são como uma obrigação, “ai de mim se não evangelizar!” (1 Cor 9, 16)

A evangelização é um mandato missionário em São Mateus, capítulo 28, portanto uma ordem dada pelo próprio Jesus: “ide e pregai o evangelho a toda criatura, ensinando-as e batizando-as em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo”. (v. 19) Isto, antes das mídias sociais e redes, antes da internet, em que todos têm acesso a quase tudo e pode, inclusive, escolher de que maneira farão a sua evangelização. Nem o Reino nem a Palavra podem ser detidos, aprisionados geográfica, histórica ou temporalmente. Por isso arriscaria em dizer que o anúncio da Boa Nova, quase que se dá sozinho, uma vez que “o Espírito sopra onde quer”. (Cf. Jo 3, 8)

No evangelho deste domingo, 15ª do Tempo Comum, Ano B, Jesus chama os doze, em Marcos, uma acentuada centralidade eclesial que mais tarde será colocada nas mãos de todos os discípulos. Há um particular que gostaria de priorizar no texto em questão: “enviou e logo lhes deu poder sobre os espíritos impuros” (Mc 6, 7). Quero destacar esta ligação primeira. A segunda é a de que o pregador pode se tornar uma testemunha contra os seus ouvintes, e a terceira confirma a primeira, mas acrescenta a cura de numerosos doentes.

Primeiramente, ao que parece, a evangelização está ligada à purificação e à necessidade da expulsão dos espíritos impuros. Será que uma evangelização que não exerce poder sobre demônios está investida da autoridade de Jesus? Será que o anúncio do evangelho convive com práticas impuras, sejam elas físicas ou espirituais, morais ou particulares, pessoais ou sociais? Uma comunidade evangelizada ou um pregador do evangelho pode tolerar tais conivências? Expulsar espíritos impuros é um dos poderes do evangelizador.

Em segundo lugar, podemos afirmar que o pregador do evangelho também recebeu a sabedoria de reconhecer quais espíritos são impuros, quais árvores Deus não plantou (Mt 15, 13) ou de que tipo elas são, através de seus frutos (Lc 6, 44). Se houver diferença ou rejeição aos missionários, Jesus não espera lamento, mas um testemunho contra aqueles que não lhes deram ouvidos. Eis uma linha difícil de entender. Jesus manda os evangelizadores testemunharem contra as pessoas que não lhes deram ouvidos? Quer dizer que um pregador rejeitado pode falar mal daqueles que o renegaram? Ao menos é o que está escrito: “sacudi a poeira dos pés, como testemunho contra eles!” (Mc 6, 11)

Já ouvi as duas partes. Já ouvi pastores falarem de seu rebanho, já ouvi fieis falarem de seus ministros. Note que neste evangelho se trata de testemunha contra aqueles que não recebem nem escutam evangelizadores. Há muita fofoca em igreja, como em quase todo aglomerado de pessoas. Fofoca não é testemunho, é invenção e disse me disse. Testemunhar contra uma comunidade ou pessoas que não recebem um pregador é declarar sua rejeição a quem o enviou. É rejeitar a Jesus e ao próprio Deus, o seu Pai. (Lc 10, 16) É séria e grave a situação de quem se nega a um dos escolhidos de Jesus. Deverá responder diretamente a Ele, pois não são as nossas simpatias que embelezam a Boa Nova, mas a notícia em si. Alguns de nós, de fato, escolhemos o conteúdo pelo rótulo, a letra pela música e o evangelho pelo pregador.

Há um detalhe importante nas escolhas que fazemos de quem queremos ouvir a pregação: ‘é preciso que dele saia poder’; que tenha a força de nos livrar dos demônios e de nos curar as enfermidades. Um pregador assim investido da força do alto será credível. Lembre também o evangelizador, para ser querido, quem é que ele representa e em nome de quem ele se apresenta. Não seja ele tão inconsistente que não se perceba boa nova alguma em seus lábios, ou semelhança, ainda que tênue, com o seu Mestre.

Podemos ainda supor que seja difícil reconhecer Jesus e Sua autoridade naquele que não se deu conta de quem o mandou pregar. É difícil receber ou mesmo dar ouvidos a alguém que fala como demônio e vive como enfermo. Lamentável é que alguns pregam e não vivem. Parece até um desafio quando Jesus diz: “façam o que dizem, mas não façam o que fazem, pois não praticam o que pregam!” (Mt 23, 3) Mas, viver o evangelho será sempre o papel do cristão, por isso, até uma pessoa que não o viva em plenitude não se descompromete de anunciá-lo. Um pai alcoólatra pode dizer ao filho que não beba; uma mãe adúltera pode aconselhar uma filha para que não faça o mesmo. Pecadores podem, com certeza, anunciar as maravilhas do evangelho que gostariam de viver.

A evangelização jamais se apresentará como uma disputa de aparências. Uma competição na comunidade ou burocracia institucional. Todos nós estamos sob as mesmas recomendações deste envio de Jesus; precisamos nos corrigir e exemplar uns aos outros antes de nos apressarmos em rejeitar ou sacudir a poeira dos pés, ou ainda lançar fogo do céu para nos consumir. (Cf. Lc 9, 53-56; Mt 13, 49) A palavra de ordem é pregar mesmo que não nos deem ouvidos.

Os demônios, estes sim, precisam ser expulsos, e as enfermidades curadas. Estas são notas distintivas de uma boa ação evangelizadora, tanto em pessoas quanto em comunidades. Receber a notícia de Jesus e se manter na mesma zona de confortos, comodidades e vícios, seria transformar a evangelização numa prática comercial, onde se vende um produto segundo as benesses, prazeres e vantagens, oportunistas e convenientes. O evangelho é vida, e como tal é uma prática vivencial. Não apenas um estilo de vida, mas a própria existência cristã. Tanto o evangelizador quanto o evangelizado pregam mutuamente com as suas próprias vidas, aprendem e ensinam mutuamente. Isto é conversão. Numa vida assim não há lugar para demônios e não há doente sem cuidados. Era pra ser assim!

Reze por mim e que os demônios se submetam. Que a sua semana seja evangelizadora!
Glória ao Pai e ao Filho e ao Espírito Santo...

12.07.2015
Pe. Adeilton Santana Nogueira


domingo, 5 de julho de 2015

UM JESUS SEM CREDIBILIDADE

Mc 6,1-6

O título desta reflexão beira uma ofensa, não fosse a intenção provocativa e a inegável referência bíblica daqueles que não acreditaram nEle, justamente pelo fato de O conhecerem ou mesmo de já O terem visto. Mas, não foi para isto que veio, para ser conhecido e dar a conhecer a vontade do Pai? Porém, não foi bem aceito (Cf. Jo 1, 11). O que teria falhado nesse programa divino tão perfeito? Em quais das partes houve uma fraqueza nesse projeto: origem, método ou destinatários? Sucesso seria acertar sempre? Erra quem se perde entre os mais próximos? Senão vejamos!

1. Jesus dirigiu-Se à sua terra e os discípulos acompanharam-n’O. 2. Quando chegou o sábado, começou a ensinar na sinagoga. Os numerosos ouvintes estavam admirados e diziam: «De onde Lhe vem tudo isto? Que sabedoria é esta que Lhe foi dada e os prodigiosos milagres feitos por suas mãos?

Até aqui tudo está perfeito. O mestre seguido de seus discípulos ensinando na sinagoga em dia de sábado, diríamos uma autêntica escola rabínica; multidão ouvinte e admirada com a sua sabedoria e milagres que Ele operava. Tudo estava sob controle. O sucesso pastoral que todo missionário deseja. A comunidade que toda liderança passa uma vida e nem sempre conquista. A paróquia que todo sacerdote quer comandar, ordeira e crédula.

A veneração do povo de Jesus durou até quando o reconheceram. Durou pouco. Os questionamentos em torno da familiaridade e as histórias dos amigos, sua profissão, seus feitos do passado, seus parentes, parece que tudo influenciou no conceito que seus concidadãos formaram dele. Não é de se imaginar que fosse algo negativo. Porém teve um efeito negativo de rejeição, perda de interesse e até descrédito.

3. Não é ele o carpinteiro, Filho de Maria, e irmão de Tiago, de José, de Judas e de Simão? E não estão as suas irmãs aqui entre nós?» E ficavam perplexos a seu respeito.

A localidade é um critério de propaganda válido. Tanto na política quando na publicidade são formas válidas de se fazer conhecido, buscando as referências mais próximas e ligações com a comunidade de origem. No entanto, que fenômeno foi esse que, na vida de Jesus e, portanto, no cristianismo, acentua-se de maneira que quase vira regra de fato: “um bom profeta não é aceito nem mesmo entre os de sua terra”?

Não raro se houve dizer que as cenas da rejeição de Jesus entre os seus se repete entre nós. A comunidade jamais saberá reconhecer o valor dos seus profetas. Embora pareça uma afirmação taxativa, ela segue a linha do evangelho de hoje. Não aceitou Jesus, por que me reconheceria? Acaso sou melhor do que Ele? Assim poderíamos consolar um pregador em relação aos seus concidadãos e até mesmo confrades.

Este verso bíblico é muito usado entre os irmãos de outras comunidades evangélicas, como sendo uma prova cabal de que Jesus teve outros irmãos. Eu mesmo pensava assim até me converter ao catolicismo. O que é mais provável, segundo a teologia, é que José teria sido viúvo, de onde decorrem ‘os irmãos de Jesus’. É poético até pensar que Jesus já entrasse no mundo, numa família, sendo unigênito, primogênito e irmão de outros. Ele também saiu deste mundo do mesmo modo, aperfeiçoando tudo que encontrou, inclusive a família, não deixa a sua mãe sozinha (Cf. Jo 19, 26).

4. Jesus disse-lhes: «Um profeta só é desprezado na sua terra, entre os seus parentes e em sua casa». 5. E não podia ali fazer qualquer milagre; apenas curou alguns doentes, impondo-lhes as mãos.

A incredulidade no missionário é uma das maiores chagas nas comunidades de fé. Ela tira o aspecto mais sobrenatural da religião, o de que Deus é quem opera. A incredulidade do missionário é outra chaga tão grande quanto a do povo nele, talvez ainda pior. Ela tira de si mesmo a capacidade de agradar a Deus (Hb 11, 6) antes que aos homens (Cf. At 5, 29; Gl 1, 10). Fracassada não é a missão de alguém que não converte os seus mais próximos. Fracassada é a missão de alguém que acredita mais na opinião da comunidade do que em si mesmo.

6. Estava admirado com a falta de fé daquela gente. E percorria as aldeias dos arredores, ensinando.

Nada, jamais, impediu Jesus de continuar seguindo em frente, nem mesmo a incredulidade dos seus mais próximos, nem mesmo dos parentes, nem dos familiares. Saber para que veio, qual a sua missão e até onde deveria ir, esse foi o mapa mental, o seu projeto de ação bem determinado, o seu programa político, a sua marca midiática. Aliás ele se fez mídia de si mesmo, sua própria plataforma, propaganda e marketing. Ele é a tendência, a moda, o estilo, a forma e o conteúdo, o modo e o método. Ele é o caminho, a Verdade e a Vida (Jo 14, 6).

De suas rejeições decorreram uma maior intensidade missionária. De seus ‘fracassos’ um maior avanço pastoral e eloquência. A cada desistência uma conquista, a cada dor um consolo, a cada tentação uma vitória. O seu silêncio fala tanto quanto as suas palavras; as suas quedas e prostração têm tanta força quanto as suas peregrinações; as suas chagas também doem em nós, mas nos curam. Cale Jesus, freie-O, aprisione-O, ignore-O e muito mais força e graça sairão dEle. Tente impedi-Lo de fazer a vontade do Pai e Deus mesmo falará. Derrube-O e os anjos O sustentarão, pois nenhum mal podemos Lhe fazer.

Apesar de tudo o que foi dito sobre o entusiasmo inabalável de Jesus, note ainda que Ele não deixou de se admirar com a falta de fé das pessoas que O seguiam. Tenho conhecido muita gente de igreja que tem receio de fazê-lo também. Acham que é pecado ou que vai incomodar o irmão se o desmascarar. Não crer no que faz ou não crer em quem faz são os dois lados da mesma ferida aberta. Portanto, a cicatrização depende de sanar ambos os lados. É preciso tocar nas feridas, mas em todas. Admirar-se dos incrédulos foi uma constante em nosso Senhor. Não deixava de fazê-lo nem de dizê-lo. Assim se admira da fé turva dos discípulos na tempestade (Mc 4), de Pedro afundando (Mt 14, 31), porém exalta a da viúva pagã (Mt 15, 27) e a do centurião ao passo que expõe a de seu povo (Mt 8, 10).

Tenha as suas convicções firmes, meu irmão e minha irmã. Lembre que ‘ajuda mais quem atrapalha menos’, e não tema seguir em frente. Como diz um ditado árabe: “os cães ladram e a caravana passa!” Desejo a você uma semana em paz e uma consciência tranquila.

Glória ao Pai e ao Filho e ao Espírito Santo...

05.07.2015
Pe. Adeilton Santana Nogueira
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