sexta-feira, 18 de julho de 2014

SAUDADES

Na minha primeira grande despedida pastoral...

SAUDADES

Deus o sabe,
não vou negar:
gosto daqui sim
e de vocês também,
mas amo a Igreja
e a Deus, amém!
Estou nas mãos do Divino,
não tenho medo!
Posso mergulhar em águas mais profundas,
e irei,
se de fato são mais profundas não sei!
Se ainda não são
nado neste mar,
pesco coração,
ancoro para amar.

Pe. Adeilton, 2009

LAÇOS E RAÍZES

LAÇOS E RAÍZES

D’árvore profundeza escondida;
Nó e firmeza das cordas díspares,
Atração do diviso fragmento,
Apego transado, pedaços amarrados,
Atado, decidido, jamais partido.
Cadeado cujas esquecidas chaves
Por mim não serão lembradas,
Portas escancaradas passageiras.
Fechou-se minha sorte
Em cova cuja morte:
Amizade copas altaneiras,
Volta célere ansiada.
Janela em tênues brisas.
Madrugada orvalhada,
Teu som em mim frisa
Intimidade e apego a despedida exige,
A amizade sempre exclusiva,
As pessoas, porém sempre livre.
Saudades pinceladas
Em mim grandes camadas.
De teu assento a parada;
De meu pouso ninho ligeiro.
O teu olhar matreiro
D’uma piscada sutil
Meu laço de novo se partiu.
Posso partir e vou talvez
Levando tudo o que ficou;
Aqui deixo os meus passos
Mas volto pra conservar meu rastro.
Caminho aberto não se fecha,
Estradas correntes transeuntes,
juntos trilhamos o mesmo fio,
Preso no mesmo lastro,
Guiados pela mesma seta.
Que tu Cristo, nos juntes
Um ao outro ele nos cingiu.
(Adeilton, 17.10.01)

quinta-feira, 17 de julho de 2014

SANGUE

SANGUE

Grande rio de águas caudalosas,
E este para o mar não se dirige.
Invulgares forças são quem o corrige
Nesse pigmento das rubras rosas

Semelhante ao jardim das frondosas
Não o aroma,mas o néctar erige,
O sangue sustém o corpo e o cinge,
Vida que traz essência aquosa.

Ânsia de jorrar tão volumosa
Rega toda a terra onde redige,
Aos invasores a quem não se finge.

Sem espinhos fere vitoriosa.
Não é flor, mas pode ser grandiosa,
Toda vida que o sangue nosso tinge

Adeilton

segunda-feira, 14 de julho de 2014

Arte


ARTE

Qual fluido que vai e vem,

É inspiração que não se retém,

É folha caindo cálida no chão;

D’árvore desprendida ventos levaram.

É pupila dilatada de um artista,

É alma de um místico;

É folha, espírito, vista,

Poema, música, plástica de um mito.

É sangue que jorra e rega,

É cicatriz aberta e magoada,

Ferida dilacerante e minante.

Vísceras vertendo, artérias estourando,

Olhos, ouvido e boca rasgando

Para o grito ensurdecedor.

Cego, fúnebre e lúgubre,

Ébrio e suave;

Cálido e célere na queda;

No repouso, no choro.

Arte é vida, é parto,

Sorriso, lágrima;

Lágrima sorridente,

Sorriso lacrimejante.

13.06.99

A Intimidade


Achei hoje algo que há muito procurava e pensava estar perdido para sempre. Decidi compartilhar para que nunca mais se perca.

Este poema foi escrito diante do Santíssimo Sacramento, numa quinta-feira de adoração. Na verdade ele foi minha adoração, pois cada verso me vinha ao olhar Jesus sacramentado. O último verso foi mesmo no exato momento da bênção da bênção.


A INTIMIDADE


Ser o que não é

Ver o que não parece

Sentir o que não se percebe

Render-se ao mais frágil

Encantar-se com o pálido

Encontrar-se no disforme

O Tudo no nada

Todos em um só

No fragmento o completo

No pedaço todo inteiro

Num só a comunidade

Dos Três em unidade

Da inimizade és o escândalo

Da amizade a utopia

Ó sonho de comunhão

Ó real fraternidade

És da chegada o destino

E da partida o caminho

Na ira és ternura

E no erro a paz

No pecado consolo

Na tribulação refrigério

Para o contrito retorno

És a imagem do invisível

Perfume da manhã

Fino, cálido, sereno

Na vigília orvalho

No nascer exaltado

Não morrer assiado

Do vir anunciado

Entre os homens elevado

Ó abismo de carinho

Dos homens e mulheres

Suas almas o amante

Seus corpos sua carne

Eco dos meus ouvidos

Murmúrio... silêncio

Música, melodia

Letra, Verbo e harmonia

De minha ginga o bailado

Da minha volta a ciranda

Toque que me firma

Mão que me afaga

Ó presença saudosa

Ó ausência presente

Eternidade capturada

Pulso cordial

Dos santos impulso

Ó sangria dos mártires

Dos virgens a castidade

Ó Cristo consagração

Meu crisol

Da terra a partilha

Na água escassa fértil

Para todos o sol

Do cosmos o movimento

Imagem, semelhança e reflexo

Na injustiça compromisso

Da identidade transparência

No mundo participação

Do próximo fez-me seta

De mim não sou meta

Do Santíssimo a adoração

Com Jesus pus-me a caminho

Com a Trindade em dança

Em cruzes tranças

O fio de minha bênção

(Adeilton, 05.10.01)

PODE SE MEDIR O AMOR?

PODE SE MEDIR O AMOR?

Com quanto amor a Virgem em pano meu bom mestre deitou,
E pela última vez lhe divisou?
Com quanto amor cada saliência da gruta não percebeu,
E todas as suas formas sorveu?

Com quanto amor aproximou-se do leito de repouso sombrio,
Daquele divino e humanamente desfigurado corpanzil?
Com quanto amor não lhe tocou a carne pela derradeira vez,
Antes de depositá-lo no sacrário da esperança, assim o fez?

Em quanto amor nos transformaremos no lugar em que o Verbo se calou?
Em quanto amor pode se converter quem silenciou?
Até onde pode alcanças o silêncio eloquente do Cristo sepultado?

Neste lugar sei que quero ser, onde meu Cristo houvera repousado!
Quero refugiar-me naquele que aqui dentro veio sepultar-se.
Quero chorar com os santos esta saudade e com eles este retorno ansiar.

Adeilton, 1999

domingo, 13 de julho de 2014

O INVERNO CHEGOU

O INVERNO CHEGOU

Como a chuva quais lágrimas abundantes
Do eterno céu que chora, chorava o tempo
Junto à minh’alma em pranto.
O vidro da janela, fosco, ver a terra,
Em lama disforme não me permitira.
Ter que pano nela deslizar,
Fui obrigado a suave passar.
Neste gesto questionei-me se agradaria
Ver como é lá fora em tempos gélidos.
Quantas gotas inocentes se juntam!
Impetuosas ocupam o espaço onde brincava
E só, disforme, destrói solitária.
Assim é o inverno que em casa me aprisiona,
Assim é a chuva que lavar não lava
E ferir me fere.
Lembro a meiga brisa
Quando a face minha refrescava
Do sul rompendo os troncos da floresta
Ao meu lado acompanhava.
Gota a gota me tocava
Deslizante carícia,
... eu sorria.
De repente bravio me empurra o vento
Fera indomável do nada saído.
Banha-me a chuva...
Congela-me o frio...
Aprisiona-me o tempo.
Ó natureza, que mal ti fiz?
Teu amigo ser eu sempre quis.

Adeilton, 1995