domingo, 27 de setembro de 2015

DE COPO SEMPRE CHEIO

MARCOS 9, 38-43.45.47-48

38 João disse a Jesus: “Mestre, vimos um homem expulsar demônios em teu nome. Mas nós o proibimos, porque ele não nos segue”.

Há aqui dois tipos de cristãos, duas grandes situações que merecem uma atenção especial: as pessoas que controlam a fluidez da graça e aqueles que, embora não permaneçam no grupo, continuam exalando o agradável odor de Cristo, e em todo lugar a fragrância do seu conhecimento. (Cf. 2 Cor 2, 13 – 14)

Talvez este seja um dos maiores fenômenos religiosos de todos os tempos, a saber: a proliferação de segmentos cristãos fora do discipulado direto dos apóstolos. Por que será que ocorrem tantas dissensões nas instituições religiosas? Mesmo os não cristãos se ramificam enquanto se proliferam. Se não fossem os evangélicos no mundo, onde estariam esses crentes?

O Boletim Internacional de Pesquisa Missionária fez um estudo comparativo entre 1900, os dias atuais e uma projeção para 2050. Em 1900 havia 267 milhões de católicos no mundo. Hoje possui 1,2 bilhões e em 2050 talvez chegue a 1,6 bilhões. Já o islamismo desbancou o catolicismo se tornando a maior comunidade religiosa do mundo crescendo de 571 milhões em 1970 para 1,7 bilhões de pessoas, nos dias atuais. No entanto, são os cristãos pentecostais o maior fenômeno de decrescimento religioso no mundo. Saltaram de 981 mil em 1900 para 643.661 mil hoje, e são projetados de serem mais de um bilhão em 2050. Isto se deve ao fato de que as denominações cristãs cresceram de 1.600 em 1900 para 45 mil hoje, e chegarão a 70 mil em 2050. Segundo esses dados do Boletim, o cristianismo ainda é a maior religião do mundo, mas apenas se somarmos todas as denominações cristãs.

39 Jesus disse:
“Não o proibais, pois ninguém faz milagres em meu nome para depois falar mal de mim.

Eu sou do tempo em que ainda disputávamos espaço religioso na sociedade. Cresci evangélico, mas de um templo proselitista. Também cresci como católico e encontrei proselitismo, mesmo entre os movimentos de pastoral. Ouvia que este ou aquele grupo é melhor, é mais espiritual, é mais coerente. Outros diziam: “gosto mais da missa daquele padre” ou ainda pior: “sou mais fulano!” Isto quando não se ouvia alguém desmerecer o trabalho de seu predecessor.

40 Quem não é contra nós é a nosso favor.

Pessoas que se ufanam dos trabalhos pastorais se esquecem do conselho de Jesus de que “a sua mão esquerda não saiba o que faz a direita”. (Mt 6, 3b) Ou que se deve tirar a trave do próprio olho antes de querer enxergar o cisco no olho do irmão. (Cf. Mt 7, 5) Talvez não conheça a advertência de Paulo sobre todo tipo de inveja e discórdia que ainda campeia entre nós. A este respeito, ele indaga: “Pois quando alguém alega: ‘Eu sou de Paulo’, e outro ‘Eu sou de Apolo’, não estais agindo absolutamente seguindo os padrões dos homens? Quem é, portanto, Apolo? E quem é Paulo? Servos por intermédio dos quais viestes a crer, e isto conforme o ministério que o Senhor concedeu a cada um”. (1 Cor 3, 3 – 4) O mérito da evangelização está para além de quem evangeliza.

41 Em verdade eu vos digo, quem vos der a beber um copo de água, porque sois de Cristo, não ficará sem receber a sua recompensa.

No evangelho de domingo passado já havia uma disputa entre quem seria o maior dos discípulos. Mas se é recompensa que querem, eis aí. Ela é universal e não está atrelada a outra realidade a não ser ‘pertencer a Cristo’; não depende da própria capacidade de retribuição, mas da generosidade do Mestre. Isto vai além dos templos e ultrapassa a letra dos cânones do direito. É de direito divino distribuir a graça, pois o espírito sopra onde ele quer. (Cf. Jo 3, 8) Como diria o saudoso Pe. Antonio Melo: “a Graça é de graça”.

42 E, se alguém escandalizar um destes pequeninos que creem, melhor seria que fosse jogado no mar com uma pedra de moinho amarrada ao pescoço.

As crianças, os estrangeiros, os nus, os enfermos, os presos (Cf. Mt 25, 40) são os “mais pequeninos”, os crédulos e os temerários, o povo mais simples que tanto se menospreza. As pessoas de menos oportunidades na vida, que transferem suas esperanças aos embaixadores de Cristo (2 Cor 5, 20) e esperam uma palavra de vida e verdade.

Que mal terrível é o escândalo! Dentro ou fora da Igreja. Jesus alerta: “É inevitável que fatos ocorram que levem o povo a tropeçar na fé, mas ai da pessoa por meio de quem vêm os escândalos!” (Lc 17, 1) Há pessoas, inclusive, que fazem questão de deflagrá-los. Querem ver “o circo pegar fogo”, custe o que custar, mesmo que para isto forjem um argumento advocaticiamente construído, a fim de tirar de cena quem não faz parte do cartel e proteger o próprio grupo, como fez João, infelizmente: “nós o proibimos, porque ele não nos segue”.

43 Se tua mão te leva a pecar, corta-a! É melhor entrar na vida sem uma das mãos do que, tendo as duas, ir para o inferno, para o fogo que nunca se apaga. 45 Se teu pé te leva a pecar, corta-o! É melhor entrar na vida sem um dos pés do que, tendo os dois, ser jogado no inferno. 47 Se teu olho te leva a pecar, arranca-o! é melhor entrar no reino de Deus com um olho só do que, tendo os dois, ser jogado no inferno, 48 onde o verme deles não morre e o fogo não se apaga”.

Mão, pés e olhos, a síntese de quem somos e do que fazemos, para onde vamos e o que conhecemos. Os olhos são a janela da alma, a mão o instrumento da caridade (Cf. Mt 6, 3) e os pés a missão. Corta tudo! Ter a coragem de mutilar a caridade a si mesmo, a presença mal situada e a concupiscência dos olhos é uma coragem e martírio que se ferir, cortar membros, não alcançaria.

Deus abençoe a sua semana! Desejo que você refaça as suas malas, afinal não pretendemos viajar para o inferno, nem saciar a fome de um verme imortal.

Glória ao Pai e ao Filho e ao Espírito Santo...

Tobias Barreto – SE, 27.09.2015

sábado, 26 de setembro de 2015

PRIMEIROS E ÚLTIMOS

MARCOS 9, 30 – 37

30 Jesus e seus discípulos atravessavam a Galileia. Ele não queria que ninguém soubesse disso, 31 pois estava ensinando a seus discípulos. E dizia-lhes: “O Filho do Homem vai ser entregue nas mãos dos homens, e eles o matarão. Mas, três dias após sua morte, ele ressuscitará”.

Eu sempre me pergunto por que tudo na vida tem que ser tão cruento! Se olharmos em volta fácil se vê que nada escapa das intempéries da vida e, não raro, as rachaduras se tornam visíveis. Ainda me pergunto: há algo neste mundo que não apresente as marcas da corrupção, da dor e do sofrimento? Poderíamos até chegar a uma afirmação como a de Jesus: “é necessário que o Filho do homem padeça muitas coisas”. (Lc. 9,22) O tema do sofrimento em Jesus está intimamente ligado à Sua identidade e à dos Seus discípulos.

A palavra ‘Cristo’ é de origem grega (khristós). A maioria só conhece o seu significado de ‘ungido’ herdado de ‘Messias’ que de origem hebraica (Masiah). Mas ‘Cristo’ tem uma raiz comum nas palavras crisma, cristal, crisol, que demonstram a sua evolução semântica entre ‘óleo’ e ‘pureza’, unção e purificação. Aquilo que nos toca, com o qual fomos ungidos, isto mesmo nos unta, liga para separar, e nesta separação nos purifica, solta o que antes estava preso, liberta.

O crisol, também chamado de cadinho, é o recipiente em que se apurava e purificava a prata no fogo. Se você já viu um ourives trabalhando já deve ter visto também este prato que purifica até o ouro, ou melhor, o outro e a nós mesmos, “pois é pelo fogo que se experimentam o ouro e a prata, e os homens agradáveis a Deus, pelo cadinho da humilhação.” (Eclo 2, 5) A experiência popular é sábia em dizer que sempre há uma lição boa naquilo de ruim que nos acontece.

32 Os discípulos, porém, não compreendiam estas palavras e tinham medo de perguntar.

O medo dos discípulos, provavelmente, era em ter o mesmo destino de dor, sofrimento e rejeição do seu Mestre. A esta altura Jesus já tinha dito que “se alguém quiser salvar a sua vida vai perdê-la.” (Mt 16, 25) Salvar perdendo parece uma contradição. Mas quem, ainda hoje, entende o sofrimento como vitória; o fracasso como sucesso, e chegar a sentir prazer nas fraquezas, nas injúrias, nas necessidades, nas perseguições, nas angústias por amor de Cristo. “Porque quando sou fraco é que sou forte”. (2Cor 12, 10) Ou ainda entenderia a dor como consolo, alivio e até alegria, por completar na própria carne o que falta às tribulações de Cristo? (Cf. Col 1, 24).

Até para os Apóstolos ‘salvar perdendo’ será uma evolução de pensamento e de espiritualidade; muitos vão correr e O deixarão sozinho. Cada um padecerá a sua porção. Longe de ser vingança, isto é parte da solidariedade em Cristo, de que falam os teólogos, em razão da nossa cumplicidade com Adão.

Diferente do que a maioria pensa, Jesus nos ajuda a perceber que as pessoas mais fortes entre nós são justamente as que mais sofrem. E que sofrer não é sinal de maldição ou de abandono da parte de Deus. Sofre quem foi abandonado pelos seus mais próximos, como Jó e o judeu do bom samaritano. Meu Deus, como nos enganamos com o sofrimento e com quem sofre!

33 Eles chegaram a Cafarnaum. Estando em casa, Jesus perguntou-lhes:
“O que discutíeis pelo caminho?”

Aqui encontramos um problema: a ciência de Jesus. O que mesmo Ele conhecia de Si e dos outros? Mas há outra situação: Por que perguntou uma coisa que já sabia? Quando assim fazem os nossos pais não é para ouvir de nós mesmos uma declaração sincera? “Eles, porém, ficaram calados, pois pelo caminho tinham discutido quem era o maior”.

Não vamos julgar ninguém aqui, nem aí na consciência, pois “quem não tiver pecados que atire a primeira pedra!” (Jo 8, 7) Agora, livre de preconceitos, reflitamos. Jesus está falando de ser entregue e sofrer, enquanto os discípulos disputam honrarias. Não pretendo falar muito disso. Apesar de ser algo sobre o qual se ouve por aí, ainda hoje, nas igrejas entre nós clérigos ou entre os leigos mais próximos, é vergonhoso para qualquer pessoa quanto mais para um grupo. Seria um partido de política eclesial ou uma facção ideológica que negocia apoio e sigilo em troca de status. Que vergonha!

35 Jesus sentou-se, chamou os doze e lhes disse:
“Se alguém quiser ser o primeiro, que seja o último de todos e aquele que serve a todos!”

Ah! Eis uma regra de ouro! Uma máxima para ser fixada nos salões paroquiais e relido em reuniões de lideranças, ainda mais gravada nos corações, sobretudo dos ‘doze’ e de tantos quantos atuem em seu lugar. Assim como no sofrimento, autoridade tem sido confundida com luxo e prazer. A satisfação não está no bem do outro, mas no próprio bem.

Quantas autoridades vergonhosas por não se identificarem com a máxima de Jesus. Feitores que esmiúçam o trabalho facultado a outrem, haurindo seu mérito e espoliando seus ganhos. Creio que também lhes poderíamos aplicar a observação de Jesus aos escribas e fariseus: “Observai e fazei tudo o que eles dizem, mas não façam como eles, pois dizem e não fazem. Atam fardos pesados e esmagadores e com eles sobrecarregam os ombros dos homens, mas não querem movê-los sequer com o dedo.” (Mt 23, 3 – 4) Há muito o que se converter.

36 Em seguida, pegou uma criança, colocou-a no meio deles e, abraçando-a, disse: 37 “Quem acolher em meu nome uma destas crianças, é a mim que estará acolhendo. E quem me acolher, está acolhendo, não a mim, mas àquele que me enviou”.

A criança é um exemplo de espiritualidade em si mesma e uma opção frequente de Jesus. Sua inocência e desprendimento, sua fragilidade aparente e potencialidades infinitas são ícones da pessoa espiritual. Jesus disse: “Deixai vir a mim as criancinhas, não as proibais, porque o Reino dos céus é para aqueles que se lhes assemelham.” (Mt 19, 14) E pensar que em muitas cabeças quando um religioso abraça uma criança há segundas intenções!

Com pesar, constatamos o quanto distam as intenções de Jesus de algumas autoridades, religiosas ou não, e prestadores de serviço. Com vergonha, às vezes nos percebemos contribuindo com situações em que somos cúmplices. Em lágrimas vemos crianças, espirituais ou não, feridas por quem lhes tem alguma autoridade. Quando foi que esquecemos a frase que diz “tudo o que fizerdes a um destes meus irmãos mais pequeninos, foi a mim que o fizestes”? (Cf. Mt 25, 40)

Sugiro juntarmos assim: Se alguém quiser ser o primeiro, que seja o último de todos e aquele que serve a todos, pois tudo o que fizerdes a um destes meus irmãos mais pequeninos, foi a mim que o fizestes? Daí se vê o quanto precisamos de pessoas fortes o bastante a ponto de não temer a dor da cruz, e humildes o bastante a ponto de obedecer Jesus até a morte. (Cf. Fil 2, 8). Utopia? Não! Evangelho.

Desejo uma abençoada semana e que a sua vida seja um exemplo de fé.

Glória ao Pai e ao Filho e ao Espírito Santo...

Barra dos Coqueiros – SE, 20.09.2015

Pe. Adeilton Santana Nogueira

domingo, 13 de setembro de 2015

QUEM SOU EU?

Mc 8, 27 – 35

Esta é uma das perguntas mais enigmáticas que alguém pode fazer a si mesmo ou a outrem. ‘Quem sou eu’ é uma identidade que nem mesmo a própria pessoa poderia afirmar ao certo. O ‘si mesmo’ é uma realidade em construção, onde a experiência e a essência de quem é exigirá uma honestidade crucial e pessoal. Ademais, fazer esta pergunta a alguém traz outras reflexões.

Não raro nos preocupamos com o que as pessoas pensam de nós. Alguns ainda transferem o conceito da própria vida ao que os outros dizem. Damos tanto valor à opinião alheia que quase chegamos a nos identificar com ela. Obviamente a pergunta de Jesus não se trata de uma pesquisa de opinião pública. Seu interesse não está na Sua boa imagem ou reputação, pois já não era boa! Então, o que mesmo Ele quer saber da publicidade de sua pessoa?

27 Jesus partiu com os discípulos para os povoados de Cesareia de Filipe. No caminho perguntou aos discípulos: “Quem dizem os homens que eu sou?”

Qual a necessidade em primeiro fazer os seus discípulos relatarem o que escutam dos outros? Qual importância tem uma opinião precipitada e pouco realista sobre Sua pessoa? Por que querer saber o que dizem a Seu respeito se sabe que não falam do que conhecem, mas do que imaginam. São os anseios e fantasias do povo que transferem sobre Jesus que vão se confrontar e depurar com quem realmente Ele é. Esta descoberta será muito tardia para a grande parte dos seus discípulos.

28 Eles responderam: “Alguns dizem que tu és João Batista; outros, que és Elias; outros, ainda, que és um dos profetas”.

De certo modo o povo não estava errado em arriscar essas opiniões a respeito de Jesus. Diversas profecias antigas apontavam para algo parecido. Eles estavam reproduzindo aquilo que lhes fora ensinado pela própria religião, de que antes do Messias viria um precursor, alguém que Lhe prepararia o caminho. Ainda hoje os judeus, na Páscoa, reservam a cadeira do profeta Elias esperando que ele volte para anunciar a chegada do Messias.

Quantos de nós, fiéis batizados, apenas reproduzimos a catequese que recebemos? Apesar disso, frequentemente nos deparamos sem saber, ao certo, expressar o que cremos, mesmo tendo recebido por tradição de longas datas. Muitos de nós não sabem dizer o por quê de sua fé. Acham, inclusive, que isto é ter crença firme, sem se darem conta de sua pouca fundamentação. Não se demoram e traem seus conceitos e, confusos, aderem a outros mais novos e mais convincentes. Não estão prontos para dar razões de sua fé nem a si mesmos, nem aos dúbios e tíbios que lhes pedem explicações.

29 Então Ele perguntou: “E vós, quem dizeis que eu sou?” Pedro respondeu: “Tu és o Messias”.

Uma pessoa, comunidade ou igreja, que não seja capaz de afirmar, sem sombra de dúvida, o básico de sua fé, pode ter certeza de uma coisa: será traída pela própria crença. Não por ela mesma, mas por sua inconsistência que se dilui diante das intempéries da vida. Não apenas os seus questionamentos, mas a rigidez das situações às quais somos acometidos cotidianamente e que nos vão enfraquecendo. Como diz o ditado: “Água mole em pedra dura, tanto bate até que fura!” Chegará um momento em que não aguentaremos mais suportar tanta dor, e as perguntas se lançarão ferozmente a Deus, sobre sua identidade, sobre a sua existência.

Estas perguntas de Jesus, e suas respostas, são uma catequese muito bem planejada. ‘O que dizem e o que tu dizes de mim’ são a trajetória da fé e sua adesão. A prova de uma descoberta tão pessoal quanto capaz de descrever, por conta própria, um conceito que não pode ser ‘dos outros’, mas uma descoberta tão evidente a ponto de ser expressa. Entendi, sei, conheço, experimento e agora posso transmitir, ensinar, contar das coisas que aprendi com Ele. Uma lição que se não for repassada não foi bem compreendida, logo será esquecida, não suportará os dilemas da razão. A nova pergunta que se impõe é: você seria capaz de responder à indagação de Jesus? Então diga: Quem é Jesus para você?

30 Jesus proibiu-lhes severamente de falar a alguém a seu respeito. 31 Em seguida, começou a ensiná-los, dizendo que o filho do homem devia sofrer muito, ser rejeitado pelos anciãos, pelos sumos sacerdotes e doutores da lei; devia ser morto e ressuscitar de três dias.

Sobre este silêncio messiânico já falamos na meditação anterior. Portanto, continuemos, pois, parece-me que desta resposta ‘quem é Jesus para mim’ dependerá toda a trajetória da fé do crente. Veja esse programa de sofrimento, rejeição e morte. Quem faz um projeto desses para a sua vida? Quem se dispõe em seguir alguém numa armadilha dessas? Hoje em dia alguns pregadores inflamados até criticam o Apóstolo Pedro por seus medos e falsa proteção a Jesus, mas só por Jesus o repreendeu. Será que esses ‘evangelizadores’ já deram a cara a bater ou se sacrificaram por seus seguidores? Sei e conheço muitos autênticos ‘Cristos’, mas também conheço falsos profetas que não estão dispostos a perder nenhuma de suas vantagens. Novos burgueses, mais identificados com os anciãos, sacerdotes e doutores da lei daquele tempo.

32 Ele dizia isto abertamente. Então Pedro tomou Jesus à parte e começou a repreendê-lo. 33 Jesus voltou-se, olhou para os discípulos e repreendeu a Pedro, dizendo: “Vai para longe de mim, Satanás! Tu não pensas como Deus e sim como os homens”.

Algumas pessoas já me comentaram sobre alguma possível severidade nas palavras e aparente juízo moral em algumas afirmações nestas meditações. Ora, caro leitor, outro dia tentei esclarecer. Caso me ache duro, releia as palavras de Jesus acima. Nem de longe chego aos Seus pés; ainda que nEle me espelho! Entendo que não estamos acostumados ou nos privaram dessa face de Cristo, em que Ele é mais contundente. Não vemos Jesus ser condescendente com nenhum de seus seguidores, nem com a própria mãe. As suas palavras, mesmo que nos pareçam duras, jamais se revestiriam de maldade, assim como pretendem também as minhas.

Quando Jesus chama Herodes de raposa, Pedro de Satanás, apresenta outras ‘Suas mães e irmãos’ ou se refere a Maria por mulher, Ele não está sendo intolerante, como se faltasse paciência ao cordeiro imolado. Entretanto, Ele está apontando para outras realidades em todos esses casos. Ele não está xingando ou desprezando. Ele está cavando fundo a raiz dos sentidos em cada uma dessas expressões: A natureza ardilosa e selvagem do líder de seu povo; o princípio mais vil que ameaça a Igreja, o próprio diabo; a identidade de todo discípulo semelhante à de Sua mãe, servil e obediente; a recapitulação de Eva em Maria na restauração das bodas de Caná, onde a água vira vinho que mais tarde se vai tornar sangue.


34 Então chamou a multidão com os seus discípulos e disse: “Se alguém me quer seguir, renuncie a si mesmo, tome a sua cruz e me siga. 35 Pois quem quiser salvar a sua vida vai perdê-la; mas quem perder a sua vida por causa de mim e do evangelho vai salvá-la”.

Ter em si os pensamentos de Deus! Que altura, que largura, que profundidade! Mas não foi isto que Jesus fez: renunciar à sua condição divida e tomar a cruz, dar a vida livremente com poder de tomá-la de volta? Agora me lembro que, em maio de 2014, quando visitava a igreja Matriz de minha terra natal, encontrei uma amiga em longa oração diante de Jesus crucificado. Cumprimentei-a e logo ela me pediu para sentar ao seu lado. De imediato, perguntou-me: “Padre, como acreditar que são inocentes os que foram rejeitados pelos próprios irmãos de caminhada?” Pedi que olhasse novamente para Jesus crucificado e lhe repeti a pergunta. Depois de alguns minutos de silêncio ela me fitou sem palavras.

Deus abençoe a sua semana! Tenha um encontro pessoal com Jesus! E que você possa transmitir o quanto Ele é real em sua vida.

Glória ao Pai e ao Filho e ao Espírito Santo...
Tobias Barreto – SE, 12.09.2015

segunda-feira, 7 de setembro de 2015

ABRA-SE

Mc 7, 31 - 37

O evangelho de hoje continua o capítulo sete de São Marcos, porém salta a passagem da mulher sírio-fenícia. Não é de hoje que aquele povo sofre rejeições. Recentemente, os sírios vêm chamando a atenção política e humanitária do mundo. Ninguém pode ficar de fora dessa causa. Sem deixar uma coisa e outra, como sempre, pretendo algumas meditações e espero que sirvam de alguma maneira ao prezado leitor.

A morte do menino Aylan Kurdi, de três anos, criança síria encontrada morta na praia da Turquia, aos três deste, facilmente seria assunto da pregação deste domingo, se o evangelho fosse o de Marcos 7, 24 - 30, da mãe nascida na Fenícia da Síria, tendo a sua filha possuída pelo demônio. Pagã, e tratada como cachorro (Cf Mc 7, 27), ela é atendida por um extremo ato de fé e de coragem, em lutar pelas migalhas que as crianças deixam cair de suas mesas (Cf. Mc 7, 28).

31 Jesus saiu de novo da região de Tiro, passou por Sidônia e continuou até o mar da Galiléia, atravessando a região da Decápole.

Quem quiser que ache que estas perícopes não estão ligadas. Elas ocorrem na mesma região, entre Tiro e Sidônia. A região da Decápole compreendia o conjunto de dez cidades do alto comércio, entre o rio Jordão e o mar Mediterrâneo, portanto, de grande fluxo de estrangeiros, diversidade social e religiosa, ou seja, Jesus está no olho do formigueiro. Em seu vai e vem se percebe a Sua capacidade de inserir-Se, mas antes, de atrair pessoas a Si, impar, ainda hoje.

32 Levaram então a Jesus um homem surdo e que falava com dificuldades, e pediram que Jesus pusesse a mão sobre ele.

Aquela mãe foi ao encontro de Jesus (Cf. Mc 7, 25), este surdo, por sua vez, foi conduzido até Ele. Isso é o caminho da catequese: ora alguém O procura ora alguém O apresenta. Talvez ele não fosse pagão e por isto o trouxeram. Ela, estrangeira e pecadora, que se vire! Lembremos ainda da hemorrágica que se espreita por debaixo da multidão, espoliada e envergonhada pelo tipo de impureza (Mc 5, 31), e da prostituta, trazida a Jesus, para um julgamento que encerra com uma das mais humanitárias sentenças já proferidas: “aquele que não tiver pecados que atire a primeira pedra” (Jo 8, 7), dada pelo juiz de todos nós.

Desde que iniciei na missão de pregar o evangelho, nas comunidades do interior de minha terra natal, Tobias Barreto – SE, e isto já completa vinte e cinco anos, que anúncio esta surdez como algo também espiritual. Mas foi na Teologia onde aprendi, de fato, tratar-se de não ouvir o que o Mestre tem a dizer. Todavia, uma freira me despertou para outra dimensão das curas de Jesus, que explicarei a seguir, no próximo verso.

Antes, porém, vale trazer em mente o simbolismo da imposição das mãos. Tanto espiritual quanto socialmente falando, quando alguém põe a sua mão sobre o outro está se aproximando e indicando que um e outro têm ligação. Há uma comunhão e intimidade que troca favores. Jesus extrai dores e doa bênçãos. Nós Lhe entregamos nossa fraqueza e, em troca, recebemos fortaleza.

33 Jesus se afastou com o homem para longe da multidão; em seguida pôs os dedos no ouvido do homem, cuspiu e com a sua saliva tocou a língua dele.

Note que, apesar de o terem trazido, Jesus o afasta deles. O mestre sabe, que em relação ao seu povo, o surdo era rejeitado. Esses companheiros não eram seus intérpretes. Uma das atitudes que denuncia alguém que serve, que ele não quer mais continuar servindo, é, justamente, quando dizem querer libertar o deficiente de sua fragilidade; quando, na verdade, escondem algum cansaço em continuar essa tarefa de dependência mútua. Salvo, claro, aqueles que têm uma vida tão dedicada. A lição da freira me pareceu uma verdade firme, que jamais esqueci, e pretendo repassá-la.

Aquela aula mais parecia uma psicologia pastoral. Ainda é viva em minha memória. O texto em estudo era este mesmo de São Marcos. A Irmã falou da necessidade de Jesus separar o surdo da comunidade para curá-lo. Disse ela que a permanência na comunidade não o curaria, pois a rejeição ensurdecia e calava a todos cada vez mais. Os seus compatriotas não o ajudavam a entender o que se passava à sua volta, não lhe interpretavam os sinais, nem deixavam que se expressasse ou opinasse. O surdo era apenas um rotulado de “mudo”, como tantos outros ainda hoje, que “não sabem o que dizem”, quando nós é que não entendemos as suas palavras.

Não creio que exageramos em afirmar a necessidade de, às vezes, sair do grupo que participamos para enxergar melhor o que ocorre ali dentro, quais tipos de cegueiras, surdez e mudez nos sentenciam; quais tapumes ideológicos, sociais e políticos, a cachorrada, melhor dizendo, que nos intimidava e, oprimidos, preferíamos ‘não ver’, ‘nada ouvir’, ‘menos falar’. Se a cura é social, esta também seria uma possível interpretação desse evangelho.

34 Depois olhou para o céu, suspirou e disse: “Efatá!”, que quer dizer: “Abra-se!”

Então esta seria a maior dificuldade de todos os tempos, posturas e pessoas: ‘abrir-se’. O novo, o vindouro e o próximo. Dos reis magos (Mt 12, 1 – 12), passando pelo semelhante do samaritano (Lc 10, 30 – 37), até Dimas, o bom ladrão (Lc 23, 39 – 43), não fosse esse Efatá prolongado, suspirado ao céu, clamado intimamente e proferido em alto e bom som. Sem ele, nem surdos nem audientes, jamais nos abriríamos à grandeza, à profundidade, à amplitude dessa ressonante ordem divina, em tom de proclamação afirmativa, positiva e impositiva. Por que ousaria ainda algo ou alguém permanecer fechado após o Senhor mandar abrir-se? A palavra de hoje é Abra-se, para o novo, para o outro, para a Vida.

35 Imediatamente os ouvidos do homem se abriram, sua língua se soltou e ele começou a falar sem dificuldade.

Deixemos que os silenciados falem. Ouçamos o que têm a dizer os que não damos ouvidos. Chego até a pensar que quem muito fala, quem muito se pronuncia tem muito, mas muito pouco a dizer. Pensam que dizem muito porque se acham necessários. Falaria menos quem deixa que os outros também falem. Uma comunidade onde poucos falam, onde poucos podem falar, talvez seja uma comunidade de mudos e de surdos, logicamente. Alguns falam demais para que outros não falem mesmo. São maus interpretes, já que traduzem apenas os próprios interesses. Alegra saber que eloquência não é acúmulo de palavras, e quem muito fala, muito do que diz se perde.

A tirania, governo do medo e do terror, também é o governo de um só, onde só vale o que ele diz. O tirano governa para surdos-mudos. A sua ideologia mascara uma ‘preocupação’ com o estado de direito: o seu. Agora vejamos quão diabólico é algo semelhante a isto numa religião. Daí pode-se entender por que logo depois do exorcismo da filha da mulher sírio-fenícia vem a cura do surdo na comunidade.

Sem participação, sem acolhida de estranhos, sem escuta dos membros, uma organização não pode se considerar comunidade, uma religião poderá agradar a Deus (Cf. Tg 1, 27) e a humanidade não se reconciliará consigo mesma. Entre as máximas de “o homem nasce bom e a sociedade o corrompe” (Rousseau) e “o homem é lobo do próprio homem” (Hobbes), estaríamos entre duas ondas sufocantes sem distinguir qual delas nos atingirá primeiro. Mas, graças a Deus, há outras ondas empurrando a humanidade: as que nos empurram para a margem. Queira Deus, antes do afogamento da humanidade própria de cada um, quem sabe, vem uma onda mais forte que diz: “Tudo aquilo, portanto, que quereis que os homens vos façam, fazei-o vós a eles, pois esta é a Lei e os Profetas.” (Mt 7, 12) Ou se preferir na forma negativa: “Não faças a ninguém aquilo que não queres que te façam”, como disse Tobias (4, 15).

36 Jesus recomendou com insistência que não contassem nada a ninguém. No entanto, quanto mais ele recomendava, mais eles pregavam.

O silêncio de Jesus é mais messiânico que profético. Isto os teólogos ainda discutem. Fato é que não noticiar prodígios em grande multidão é praticamente impossível. Sobretudo na região em que Ele Se encontrava, palco de interesses políticos antigos, dada a posição geográfica favorável ao comércio. Comércio e informação caminham juntos há muito tempo. O silêncio messiânico diz respeito a sua ‘Hora’ que ainda não chegou. Quando o Filho do Homem for levantado, aí sim, Ele atrairá todos a Si. (Jo 12, 32) Nesta recomendação de Jesus não se trata de silenciar o Seu ato profético, isto seria pura covardia. Calar por medo não é próprio de Jesus. Seu silêncio tem uma data. Mas a eloquência de suas ações não O deixa no anonimato.

37 Estavam muito impressionados e diziam: “Jesus faz bem todas as coisas. Faz os surdos ouvirem e os mudos falarem”.

O Seu sucesso pastoral evoca o sucesso da criação que Ele restaura na bondade (Cf. At 10, 38). Suas ações vão remontando em seus curtos dias os mil anos de Deus (2Pd 3, 8). Cada gesto seu é recriador, é histórico-dialético, recapitula a vida do seu povo, evoca o passado, reconfigura-se no presente e transforma o futuro numa continuidade descontínua, no “já, mas não ainda” da Teologia, em que ‘já’ experimentamos nEle as realidades futuras, ‘mas não ainda’ definitivamente, pois o céu apenas se vislumbra, apenas se antecipa em Seu emigrante terreno mais notável, estrangeiro como todos nós (Cf. 1ª Pd 1, 10 – 12).

Sim, Ele fez bem todas as coisas! (Mc 7, 37) Temo que muito desse bem não seja tão bem entendido ainda ou tão bem anunciado, de modo que surdos ouçam, mudos possam falar e cegos enxerguem o que tantos parecem esconder. Não fechemos as portas que Jesus deixou abertas!

Tenhamos todos uma semana de maior abertura de mente e coração para o bem de todos e da humanidade!

Glória ao Pai e ao Filho e ao Espírito Santo
06 de setembro de 2015

Pe. Adeilton Santana Nogueira
http://diariosergipano.com.br/site/2015/09/15/abra-se