Lc 13, 1 – 9
3º Domingo da Quaresma – Ano C
Em uma sequência de cinco semanas
estamos no meio do caminho. A terceira semana da Quaresma completará a metade
do percurso da viagem de Jesus a Jerusalém, nos capítulos de nove a dezenove do
evangelho de S. Lucas. Se tomarmos esses textos como a catequese de preparação
para Si e para os discípulos, veremos que cada aula é uma etapa da vida cristã,
que precisa ser bem vivida e assumida. Esta de hoje ascende ainda mais as duas
primeiras.
Depois de vencer as tentações e a
escalada da montanha da espiritualidade, ninguém pense que a primeira seja a
segunda. Ser tentado e não cair não é, necessariamente, uma escalada
espiritual, ainda que o diabo tenha levado a lugares altos. As tentações podem
ser vencidas por outros valores que não sejam espirituais, como os morais,
profissionais, índole pessoal ou mesmo a diversidade de gostos e saberes. Mas,
a lição de hoje, se vista como uma etapa que exige as anteriores, ganha um sentido
ainda maior que não pecar e do que rezar, a saber, não se considerar, por isso,
melhor do que os outros.
1 Vieram algumas pessoas trazendo notícias a
Jesus a respeito dos galileus que Pilatos tinha matado, misturando seu sangue
com o dos sacrifícios que ofereciam. 2 Jesus lhes respondeu: “Vós pensais que
esses galileus eram mais pecadores do que todos os outros galileus, por terem
sofrido tal coisa? 3 Eu vos digo que não. Mas, se vós não vos converterdes,
ireis morrer todos do mesmo modo.”
A questão não é não pecar ou
pertencer a essa ou aquela região, família ou tradição religiosa, mas
converter-se. A conversão é o grande tema da religiosidade que valida qualquer
testemunho pessoal e espiritualidade. Não somos abençoados porque nada de mal
nos ocorre. Se fosse assim as maldades e desgraças que assolaram a vida de Jesus
atestariam que ele era grande pecador. Ele já começa a preparar os seus
seguidores a abandonarem essa visão preconceituosa da religião dos prazeres,
onde se busca satisfações e bem estar, que faz do religioso uma pessoa blindada
de desgraças.
Chama-se teologia da retribuição,
essa mentalidade difundida desde o primeiro Testamento, mas comum mesmo entre
os descrentes, a ideia de que tudo tem que dar certo e estar tranquilo, sem
problemas, para que nos sintamos em paz e testifique que agradamos a Deus. Essa
teoria da passividade, em ser digno de receber méritos, não condiz com a
prática dAquele que carregou sobre si as nossas dores e fez-se pecado para
aliviar a culpa de Seus semelhantes. Se graça é não aparentar maldição, que foi
fazer Jesus no alto da cruz?
4 “E aqueles dezoito que morreram, quando a
torre de Siloé caiu sobre eles? Pensais que eram mais culpados do que todos os
outros moradores de Jerusalém? 5 Eu vos digo que não. Mas, se vós não vos
converterdes, ireis morrer todos do mesmo modo”.
A injustiça política de Israel tocou
a religião de Jesus. Talvez nem fosse o ensinamento oficial dos anciãos. No
entanto, era uma mentalidade corrente cujas autoridades religiosas não se
preocuparam em reorientar. Há diversas ideias soltas na fé que não condizem com
a própria doutrina. Maus ensinamentos dados a esmo, por quem, talvez, nunca leu
o seu livro sagrado inteiro e, portanto, também não entendem direito, e repassam
como verdade. Assim como a fofoca e a mentira, a falsa doutrina também se
avoluma entre os fieis. Tais enganos se cristalizam na pastoral, na catequese,
na família e na sociedade como uma erva daninha ramificada. Carecemos de
semeadores e pescadores tanto quanto de guias. Não raro os guias fazem vista grossa
e todos caem no mesmo abismo.
6 E Jesus contou esta parábola: “Certo homem
tinha uma figueira plantada na sua vinha. Foi até ela procurar figos e não
encontrou. 7 Então disse ao vinhateiro: ‘Já faz três anos que venho procurando
figos e não encontro. Corta-a! porque está ela inutilizando a terra?
Esta é uma das figuras comparativas
à nação. O povo conhecia esta alegoria de Israel também como árvore frutífera. Todavia,
esta figueira não dá figos desde que foi plantada. A reação do dono poderia
parecer radical ao leitor que vê de fora. Apesar disso, acredito que também o
leitor, grosso modo, cobre o que espera dos outros, desista do que lhe
atrapalha e troque de opções por resultados melhores. Afinal, quem insistiria
no que não presta?
8 Ele, porém, respondeu: “Senhor, deixa a
figueira ainda este ano. Vou cavar em volta dela e colocar adubo. 9 Pode ser
que venha a dar fruto. Se não der, então tu a cortarás’ ”.
Eis o papel das igrejas e das
religiões enquanto instituição: insistir na conversão da mentalidade; cavar,
adubar e esperar. Dar fruto é uma decisão ou natureza da figueira. O papel do
vinhateiro é dar as condições para que a planta germine e frutifique, ainda que
seja uma figueira inútil. Sem essa cooperação do dono do terreno, dos
vinhateiros e arrendatários não seria possível a nenhuma planta seguir suas
determinações ou o prazo da colheita, senão o próprio da sua natureza selvagem,
oportuno do tempo e das estações. Se quisermos orientar alguém é necessário que
pastores arrebanhem, pescadores se atirem ao mar e semeadores rasguem a terra; do
contrário não culpem o rebanho, nem os peixes, nem as sementes.
Há de se saber também que é próprio da
figueira dar figos; eis a contrariedade do vinhateiro, pois era uma vinha com
figueira no meio. Aquele fruteiro estava ali em favor da esperança de que agradasse
o dono. Nem mesmo na natureza as coisas são despropositadas. Por isso este senhor
vai acreditar de novo; para que não lhe recaia a decisão na pressa dos resultados,
no engano das aparências, na fome do momento, nem no orgulho do poder. Assim poderia
perder a melhor ou a única figueira de seu terreno, ou ainda, como diria Henfil,
ignorar a intenção da semente. Afinal, quem é que sabe ao certo quanto tempo se
deva esperar por frutos?
Ainda me pergunto de quem é mesmo a responsabilidade
de julgar e sentenciar ao corte radical figueiras que não dão o fruto esperado;
e se não é, justamente o contrário, o sentido da religião, religar as coisas e
as pessoas, conectá-las, unir as pontas rompidas, como na pintura A Criação de
Adão, de Michelangelo, na Capela Sistina. Apesar de não se saber ao certo se
ali a mão de Deus e a de Adão se aproximam ou se afastam.
Desejo a você uma vida misericordiosa,
na qual se dê a chance às ‘figueiras inúteis’ de darem fruto no seu tempo. Boa
semana e reze por mim!
Glória ao Pai e ao Filho e ao Espírito Santo...
28.02.2016
Pe.
Adeilton Santana Nogueira