BONS
PELO AMOR DE DEUS
MARCOS 10, 17 – 30
De fato a palavra de Jesus está
intimamente ligada às prescrições morais. Após assistirmos a Ele ampliando e
esclarecendo a lei dos adúlteros, que vale para todos, veremos nessa sequência
a continuidade das preocupações morais foram objeto da pregação de Pedro em
Roma e de seu pupilo, o evangelista S. Marcos, que o acompanhou desde tenra
idade, e, após a morte do apóstolo escreveu o que lembrava da catequese
petrina.
17 Quando Jesus saiu a caminhar, veio alguém
correndo, ajoelhou-se diante dele e perguntou:
“Bom mestre, que devo fazer para
ganhar a vida eterna?”
O discurso da bondade e do bem,
naquele tempo, estava muito ligado aos ‘bem nascidos’, ao nome de família, aos
bens materiais, até mesmo à estética física da boa aparência. O belo, o bom e o
bem se confundiam desde as ideias helênicas, e em Roma não era diferente. Por
isso Marcos traz para Jesus resolver algo que a filosofia de então não é
suficiente. A bondade não é uma ideia, mas uma atitude, a exemplo da
misericórdia que jamais se definirá em letras, mas em gestos concretos.
A atitude deste ávido por respostas
poderia ser a de qualquer um de nós. Desde que não lhe deram nome, idade ou
raça, pode ser eu ou você. A dúvida é universal: como posso me salvar? A cena
lembra muito o retorno do filho pródigo, quando se encontra com o pai
misericordioso, em Lucas 15, 20. Como teriam sido esses momentos?
18 Jesus disse: “Por que me chamas de bom?
Só Deus é bom, e mais ninguém.
19 Tu conheces os mandamentos: não matarás; não
cometerás adultério; não roubarás; não levantarás falso testemunho; não
prejudicarás ninguém; honra teu pai e tua mãe!”
Ainda sobre a ‘bondade’ religiosa e
dos romanos helenizados há uma questão mister de se resolver antes. A bondade,
assim como a verdade, são personalidades. A verdade, Jesus se identificará (Cf,
Jo 14, 6), mas a bondade Ele definirá com o próprio Deus. De sorte que a
conquista dessas personalidades será uma identificação com as Pessoas Divinas.
Na religião de Jesus, não há como ser bom sem Deus. A bondade é uma ação divina,
repleta na criação, e quem assim procede, contempla a bondade criada e também a
reafirma, identifica-se com Deus, pois age como Ele.
O cumprimento dos mandamentos, nesta
lista elencada por Jesus, resume a prática da bondade na vontade de Deus, os mandamentos,
em relação ao próximo. Esta é uma ligação que une inclusive a fé. Atitudes e o
bem delas é maior que o cumprimento frio de normas legais, por isso a fé sem
obras é morta (Cf, Tg 2, 26) e Jesus pede que se não crê nEle que creia ao
menos em suas obras (Cf. Jo 10, 38). Assim se conhece a árvore pelos seus
frutos (Cf. Lc 6, 44). De modo que não é uma questão simples, puramente
futurista ou egoísta de salvação pessoal, mas de ser reconhecido e se
reconhecer, de identidade e identificação profunda com o que se acredita.
20 Ele respondeu: “Mestre, tudo isso tenho
observado desde a minha juventude.”
21 Jesus olhou para ele com amor e disse:
“Só uma coisa te falta: vai, vende tudo o que tens e dá aos pobres, e terás um
tesouro no céu. Depois, vem e segue-me!”
Um dilema. Uma realidade extrema na
religiosidade universal. Somos um planeta de fé. Maioria esmagadora da
população mundial tem fé em Deus. Mas quando o assunto é perder, vender sem
lucro, doar, dar a quem não trabalha, depois da ‘evolução do pensamento”, do
imperialismo, absolutismo, mercantilismo, iluminismo, liberalismo, socialismo,
industrialização e tecnologia, chega a ser ‘ridículo’, melhor, loucura (Cf. 1
Cor 1, 18; 25) falar de tesouro ‘no céu’ e não aqui na terra, já e agora. Ainda
mais, não raro, descobrimos o luxo e o lazer dos ‘religiosos’.
22 Mas quando ele ouviu isso, ficou abatido
e foi embora cheio de tristeza, porque era muito rico.
23 Jesus então olhou ao
redor e disse aos discípulos: “Como é difícil para os ricos entrar no reino de
Deus!”
24 Os discípulos se admiravam com essas palavras, mas ele disse de novo:
“Meus filhos, como é difícil entrar no reino de Deus!
25 É mais fácil um camelo
passar pelo buraco de uma agulha do que um rico entrar no reino de Deus!”
26
Eles ficaram muito espantados ao ouvirem isso e perguntavam uns aos outros:
“Então quem pode ser salvo?”
27 Jesus olhou para eles e disse: “Para os homens
isso é impossível, mas não para Deus. Para Deus tudo é possível.”
Só Deus mesmo! No entanto, isto não
é uma passividade teológica, mas uma irresponsabilidade pastoral e uma
leviandade evangélica. Contentar-se e conformar-se com a riqueza de algumas
igrejas e de seus ministros é, no mínimo cumplicidade. Nestes tempos de CPIs e
sindicâncias, onde as contas públicas são investigadas, nossos olhos deveriam
estar mais atentos para onde vai o nosso dízimo. Se Jesus aponta as contas
pessoais, imagina o que diria das contas comuns.
A Palavra chama Judas de ladrão
porque ele tirava dinheiro da bolsa comum para si (Cf. Jo 12, 6). A usura da
riqueza não está apenas nos que possuem grandes somas, mas também em pobres
almas miseráveis que mentem e se escondem, sorrateiramente se apropriando das
moedas da coleta. O camelo é aquela corda que atraca uma embarcação na margem e
a segura. O servo do dinheiro é uma pessoa insegura. Suas garantias não estão
em sua identidade ou sua fé, mas nos seus bens. Sem julgá-lo diria que se
tornou um alienado, uma pessoa fora de si, um incoerente, um hipócrita. Sem
querer perder seus bens, perdeu-se de si mesmo. Embora muitos desses não se
entristeçam, entristecem muitos de nós.
28 Pedro então começou a dizer-lhe: “Eis que
nós deixamos tudo e te seguimos”.
29 Respondeu Jesus: “Em verdade vos digo,
quem tiver deixado casa, irmãos, irmãs, mãe, pai, filhos, campos, por causa de
mim e do evangelho,
30 receberá cem vezes mais agora, durante esta vida – casa,
irmãos, irmãs, mães, filhos e campos, com perseguições -, e, no mundo futuro, a
vida eterna”.
O discipulado de Jesus tem uma lição
fundamental: Deus é grande demais para caber em um coração já preenchido. Mas o
que ele oferece em troca? Precisamos desocupar corpo e mente para que Ele nos
habite e reconfigure nossos ideais. Não é fácil pensar como Deus ou pensar em
Deus antes de agir; perguntar-se se Ele agiria assim. O seguimento de Jesus não
é uma ilusão, nem os pensamentos de Deus são os nossos (Cf. Is 55, 8). Esses
bens não são materiais, esse parentesco não é de sangue, nem esta perseguição é
culposa. A vida na graça de Deus nos permite viver em Cristo (Cf. Fil 1, 21);
possuir os bens como se não tivesse (Cf. 1 Cor 7, 30 e 1 Pd 4, 10) e, apesar de
filhos de Adão, vincular-se às pessoas pelo quanto elas amam e cumprem a
vontade de Deus (Cf. Mt 12, 50).
Todo este ideal de vida, desafiador
mesmo para pessoas de espiritualidade provada, só terá êxito em Deus. não há
virtude, ao menos cristã, que não se origine ou se remeta a Deus. Queres ser
bom? Espelha-te! Não pensa que conseguirás sozinho. Tenha uma boa semana e em
tudo se remeta a Deus, para quem nada é impossível (Cf. Lc 1, 37).
Glória ao Pai e ao Filho e ao Espírito Santo...
Tobias Barreto – SE, 11.10.2015
Pe. Adeilton Santana Nogueira