domingo, 25 de outubro de 2015

IRREAL REALIDADE II


Filosofia ou consciência humana
Do que se ocupa a mente?
O que é conhecer?
Que coisa é o Ser?
Consciente, intencional ou realmente?
Pois são na vida mundana.

Existir independe do Ser?
Pois se penso logo existe.
Existe em meu pensamento.
Me faz parecer todavia,
Existo em meu pensamento.
Mas dou conta todo dia
Que fora de mim insiste
Muita coisa aparecer.

Que além do meu consentimento,
Depois da minha irrealidade,
São loucos pensamentos,
Devaneios de surrealidade,
Quando perco a relidade.
Os sentidos se desprendem
E na loucura das percepções
Conheço o diferente, o disforme e o vazio.
Sem regras sem medidas
Minhas forças e fantasias
Meu pensar é arredio.

Arte em divagação,
Originalidade e sensações,
Sinceridade mais ingênua.
Tênues ecos de libertação,
Beleza, textura e maluquices.
Quero só dizer,
Sem canetas, apenas dedos,
Assim tudo se fez,
Do nada o tudo,
Do caos a luz,
Do âmago o íntimo.

Seja como for
Qual ideia surja
É parte de mim.
Do mundo uma vivência
Nem tudo é experiência
Porque sou humano sim.
Ainda que a vida seja turva,
Seja o que for!

Adeilton S. Nogueira
21.10.2015


IRREAL REALIDADE I


Ser ou existir,
Conhecer ou experimentar,
O real existe em si.
Do sujeito não dependerá

A matéria é o limite
Do consciente ao irreal,
Da inconsciente realidade
E da experiência da irrealidade

Ó consciência!
Lâmina da realidade material.
A dor não se toca, não se vê.
Vê-se a ferida e quem faz sofrer!

Sejam Realidades,
Físicas ou mentais.
Descartes nessas últimas,
Mais claras e evidentes,
Sejam principais
De todo cognoscente
E da existência mais íntima

Tudo que conheça
Habita a consciência
Intencionalmente.
Reais ou que desmereça
Tomam relevância,
Transportadas irrealmente,
Tudo na minha cabeça

Grande problema do conhecimento
Conhecer as realidades,
Com e sem movimento,
Pela imaterialidade,
Pela abstração do pensamento
em irrealidade.

Adeilton S. Nogueira
21.10.2015

SER O QUE PODE SER


Coisas que não são.
Coisas! Que coisas?
Como não são?

Pensamos o que não é?
Sabemos o que não existe?
Percebemos o que não sentimos?

Alguém me diga por favor!
O que não é?

Surreal Ontologia
Arte e filosofia
Esclareça minha amiga
Que coisa pode Ser
A existência e a predicação
As propriedades, as categorias e a classificação?

Que coisa é a entidade
Que existe em modalidade,
Morte, força, espírito,
Vida, povo e nação.

Substância em vários acidentes,
Qualidades da materialidade,
Formas, estruturas e disposição.

O essencial é o que é.
Sua existência na realidade;
Causa que tudo faz.
O efeito sua consequência,
Toda mudança seu antecedente,
Em toda condição sua novidade.
Dínamo e determinação tenaz.
Leis, regras e excelência.
Risco de passividade
Da filosofia, do ser, do ente.

20.10.2015

Adeilton S. Nogueira

CONHECE!


Conhecer é abstrair
Encontrar a alma aprisionada
O elemento essencial
O que me faz pensar só nisso
Não me deixa pensar naquilo
E me dá a certeza deste.

O conhecimento é metafísico
Muito mais além da física
Muito alem do aquém
A matéria é a natureza
Mas a forma sua beleza.
Tudo o que há
Em duas poucas grandezas.

Muitos têm verdades
Todos conhecemos
Verdades que se somam
Verdades que se reproduzem
Que geram verdades
Que se transmitem
Que se multiplicam.

Mas verdades que também dividem
Enquanto se dividem
Verdades que se experimentam
Verdades que não se veem
Verdades que se negam...
Verdades positivas e negativas.

O que de tanto é verdade
Não sei!
Tudo o que sei
É que ela é em si.
Buscá-la é a uma aventura
E o conhecimento o seu guia
Adeilton S. Nogueira
20.10.15

CONHECER


Conhecer também é capturar
Prender ou guardar, apreender
Conhecer é descobrir e admirar
É mirar, aliás,  mirar-se
É empreender-se em busca de
Investigar, comparar, relacionar

Na filosofia é abstrair
Ir além das aparências e das opiniões
Refletir em mais espelhos
Confrontar reflexões
Perguntar-se e perguntar:
Que dizem também?

Conhecer é observar
Ler o mundo em volta
Memorizá-lo em ideias
Fluir em correntezas de pensamentos vãos
Do tudo que é pensamento
Que as ideias já pululam

Ondas de reflexão quebram
Rochas de ignorância.
No quebra-mar da ingenuidade
A espuma das luzes se dissolvem
Enquanto piscam e brilham
Mais ondas se quebram
Mais luzes se apagam
Mais ideias se refletem...

Adeilton S. Nogueira
20.10.15

RAZÕES E MITOS


Números, música,
Matemática e religião.
Crendices, verdade e buscas
Realidades e contemplações
Força, argumentos, opiniões. .
Lógica, palavras, sofismas,
Conceitos e conclusões...

Tales e a natureza
Água em três estados
Cria e se transforma.
Magia do Nilo;
Deus liquefeito,
Tudo está pleno de deuses.
Do Egito a influência,
Na Grécia a esperteza
E cosmos foi formado.

Anaximandro e Anaxímenes de mileto
Discórdias da Jônia, mestre e discípulo,
Apeíron imortal ou o ar vital
Sem origem, sem princípio
Deus também sem final
Ar, sopro até o cosmo nele está
Universo imóvel e eterno, a verdade.
Um verso, o movimento, a realidade.
Sim ou não Eleatas.

Pitágoras da mística,
Profeta dos números
Filhos da mônada matriarcal.
Por Leibnitz modificada
Dos planos nascem os sólidos
E destes os corpos
Em seus quatro elementares.
Dos números surgem os elementos
E volta, dos múltiplos decorre a unidade.
Tudo se mede, o tudo se escreve.
A conta tudo calcula, o ponto vira ponte.

De Heráclito é o fogo
Antagônico a destruir,
Constrói a unidade
A palavra, o logos, o devir
Flui a verdade,
Os contrários harmoniza,
Renova a liberdade,
Acorda e ajuda quem cochila.
Hegel e dialética o segue.

Parmênedes de Eleia
O vir-a-ser não há.
Se pensar já é.
O ser precede o pensar.
É imperecível e não gerado
Descartes e Heidegger
Eis o caminho da razão
O ser precisa ser pensado
Pois ou é ou não é,
Assim também defendeu Zenão,
Na aparência de se movimentar
Tudo está parado.

Adeilton S. Nogueira
09.10.15

MITOS E RAZÕES


Álgebra, geometria e proporções,
Aritmética, cálculos e medições,
Arquitetura em construção,
Natureza, sentidos, projeção.

O que é que somos?
Que são todas as coisas
E que éramos,
Que viremos a ser?
Qual a nossa origem?
E qual a origem dos deuses?
Qual a origem do universo?

Pergunto, perguntas...
Perguntam-me!
Pergunte-se!
Contentamento, explicações,
Dramas e conflitos,
Sagas e fantasias,
Homero e Hesíodo
Comedias, tragédias
Mitos, lendas e canções.

Cosmos, horizonte, cidades,
Pensamentos, reflexões, sociedade;
Caos, política, democracia e soluções.
Acaso, destino, saciedade,
Tudo isso são evoluções?

Vales e sombras
Quimeras e paixões
Água, fogo, vento e explosões...
Céu e astronomia
Amizade e sabedoria.
O que é tudo?

Adeilton S. Nogueira
09.10.15

OS SEUS OLHOS

Sobre o fotógrafo e a fotografia... 
I

Perceber e finalmente enxergar.
Querer e prender... capturar.
Olhar novamente e contemplar...
Construir e possuir...
Criar... recriar... compor... fazer...
Enquadrar e Recortar, preferir, escolher.
Roubar a cena, possuí-la...
Tomar pra si... é minha!

II

Ver e pensar em conflito...
Decidir entre confusão e harmonia
Pintar em luzes e sombras
A fiel magia
Do jogo de manobras
De tudo o que é percebido.

III

Profundidade e movimento
Encantam o visionário.
Muda em caçador o absorvido
Pela panorâmica do detalhamento,
Pelo fenômeno do cenário.

IV

Curador da realidade,
Senhor do tempo e das horas
Controlas o imediato
Pelo momento congelado.
Tens a ampulheta do segundo,
Decide pois, já.
Só tu sabes o instante,
Teu olho treinado é célere.
Qual modista afiada
Não passa sem tesourar.
Costura, tece, reveste.

V

Na lousa de suas aulas,
em sua tarjeta
Tudo se conta,
História é geografia,
A química apalpa a física,
A biologia verte-se em expressões,
Artes em academia.
Aprende, demonstra, documenta.

VI

Senhor do espaço,
Tua perspectiva domina a matemática.
Colhe olhares e vistas.
Oh, viajante desbravador,
Das cenas bandeirante!
Em seu alforje carrega mundos pequenos,
Portais de esperança e de memória
Sonhos, pesadelos, vidas.
Contador de histórias...

VII

Que coisa é esta?
Que coisa faz este arteiro?
Flechas em pequenas festas
Que lança qual arqueiro,
Qual mago das cores
Com o seu arco de íris,
Cuja presa mira certeiro.
Feriu? Não! Tombou.
Caiu em suas mãos.

VIII

Que coisa é esta?
Que reconcilia irmãos:
Reúne mecânica e reflexão
Memória e técnica?
Alegra-te fotógrafo
E dispara teu gatilho!
Não temas mostrar tua presa!
Ostenta o teu troféu!

IX

Deixa-nos ver através de seus olhos!
Qual poeta das sombras e do reflexo,
Do contraste e da luz.
Diz-nos o que é isto...
Seu olhar fita o meu no que admiras.
Se vejo é pelos seus,
Se entendo... foi uma lição.
Denuncia, aconselha,
Acalma e perturba,
Inquieta as brancas nuvens,
Desabafa suas catarses.

X

Num retalho, num flash,
A dúvida esvaneceu
Na foto que me deu.
Só restou a curiosidade,
A admiração e a vontade.
Quero perceber, pensar e decidir,
Recriar, capturar e ensinar.
Quero mostrar e dizer:
Há muito beleza pra se ver!

Adeilton S. Nogueira
09.10.15

UMA SAUDADE IMENSA BATE NO PEITO


Lágrimas que caem, cortam.
Relembram alguém que há muito não vemos.
Chagas profundas e hemorrágicas de cicatrização diabética.

Tempo... nossa consciência, nos força a esquecer
Para ao lembrarmos, o efeito dos curantes ser lento.
Considerações que nos deixam de ter.

Queremos amigos para desabafar
E que não nos opinem impensadamente,
Apenas para darem a entender que se preocupam conosco.
Eles muitas vezes nem atenção nos dão, desviam-na,
Pondo em risco nossa estabilidade, nossa compreensão.

É-nos uma perda alguém que falemos,
E não vemos,
Forçando a nós mesmos imaginarmos...
Quais seriam suas palavras de conforto.

Saudade de amigos,
De um ente querido,
De sugestões sinceras e confiáveis,
De um orelhão que por uma moedinha feche...
Preencha esta abertura... este vago... saudade.
Restando-me, no mundo de hoje (procurar)
(Criar) Uma dupla personalidade
Que ocupe a falta feita por palavras de acalento
... que não chegam.

Dor que o âmago das vísceras de meu ser não mais contém.
Saudade de uma lembrança...
De ser lembrado

Adeilton, 15.09.90

“O ESSENCIAL É INVISÍVEL AOS OLHOS”

Mc 10, 46 – 52

A cada passagem do evangelho somos mergulhados no contexto em que a mensagem e a vida de Jesus se inseriram. Assim podemos experimentar um pouco do que viram, ouviram e sentiram os que O seguiam. De minha parte creio que estou numa terceira viagem com Ele. Já O segui acompanhando os outros, observava sem conhecê-Lo pessoalmente; já O vi de perto e O segui lado a lado. Hoje tento aproximar outros para também vê-Lo ao lado, sem possessividade, exclusivismo ou ufanação. Acho que passei por essas fases!

Continuo a caminhada tentando olhar para os que não acompanham o nosso ritmo:Aqueles que se afastam ou foram afastados, aqueles que dão passos lentos na fé e na moral. Penso que esses precisam ser ajudados. Percebo que, se há muito que ver em Jesus, há muito no que ver também naqueles que não O enxergam. Nem todos não O veem por que não O queiram. Há alguns impedidos pela massa dos próprios discípulos. Imagino uma grande peregrinação em que os últimos também são devotos. Talvez cheguem após os rituais comunitários, mas quem pode negar que não prestaram culto ao seu padroeiro?

Tenho pensado muito nos gestos provocativos de Jesus. Ele tem demonstrado aos discípulos, nesses textos de São Marcos, que no Seu caminho há muita gente à margem de Israel (a religião) e de Roma (o governo) e, portanto, dos discípulos. Não somos atores no palco da sociedade. O ser humano, ainda que desempenhe papeis, é a mesma pessoa interior. Jesus está reconciliando e equilibrando a humanidade dividida, inclusive em si mesma. As pessoas, dentro ou fora das igrejas, no trato com os seus semelhantes, estão sendo elas mesmas. A máscara, símbolo do teatro, quem sabe, esteja mal usada!

O palco da cena se dá em Jericó, uma das cidades mais antigas que se tem conhecimento. Quando estive lá, em novembro de 2008, ouvi dizer que possuía mais de 11.000 anos. Portanto, a cidade mais antiga ainda existente. Segundo a Tradição, foi à sua volta que o diabo levou Jesus para a tentação do poder (Mt 4, 8 – 9). Jesus conhecia bem as suas ruas e mazelas. Jericó desde cedo atraiu e encantou as pessoas, mas o que chama a atenção de Jesus não são as suas riquezas, mas as suas dores.

46 Jesus saiu de Jericó junto com seus discípulos e uma grande multidão.
O filho de Timeu, Bartolomeu, cego e mendigo, estava sentado à beira do caminho.

Este cego tem pai, mas é mendigo. Será que é filho unigênito de pais falecidos, um órfão ou um abandonado? Se o nome do pai é conhecido ele já foi alguém. Centros comerciais e riquezas temporais têm altos e baixos. A dita ‘maldição’ da cegueira vendou mais os olhos dos concidadãos, irmãos na fé, que dos próprios cegos. Se não tirarmos os tampões e travas dos nossos olhos também não enxergaremos quem está à beira da estrada que escolhemos trilhar (Cf. Mt 7, 5).

47 Quando ouviu dizer que Jesus, o nazareno,estava passando, começou a gritar:
“Jesus, filho de David, tem piedade de mim!”
48 Muitos o repreendiam para que se calasse. Mas ele gritava mais ainda:
“Filho de David, tem piedade de mim!”

Gritam as pessoas e grita o cego. Uns gritam com os outros. Mas por que queriam que ele se calasse? Acaso atrapalhava ouvirem Jesus? Ou ecoa em seus ouvidos um clamor rotineiro calado ao longo da construção da cidade? Escravidão, mortes ou impostos, inúmeras são as situações que gritam injustiça, na eloquência do sangue de Abel (Cf. Hb 12, 24). A personalidade forte, livre e esperançosa de Bartimeu não se deixa intimidar e faz escândalo; grita ainda mais alto, porque não grita com as pessoas; clama para ser ouvido por Jesus.

49 Então Jesus parou e disse: “Chamai-o”...

Não sei se foram as mesmas pessoas que o mandavam calar, mas dessa vez os que foram ao cego mudaram o discurso: “Coragem, levanta-te, Jesus te chama!” O bom de tudo isso é que sempre haverá alguém que se importa e que faz a coisa certa. Quem clama por ajuda precisa de quem ajude, ainda que seja ‘apenas’ levando a Jesus. Ignorar quem sofre pode ser uma das piores atitudes de uma pessoa que se diga de religião, vejamos o exemplo do Bom Samaritano (Lc 10, 30 – 37).

50 O cego jogou o manto, deu um pulo e foi até Jesus. 51 Então Jesus lhe perguntou:
“O que queres que eu te faça?” O cego respondeu: “Mestre, que eu veja!”
52 Jesus disse: “Vai, a tua fé te curou”.
No mesmo instante, ele recuperou a vista e seguia Jesus pelo caminho.

Embora esse encontro seja antecedido de um chamado de Jesus, não se trata aqui de uma vocação especial, mas universal. Quem vai a Ele escuta algo como: “do que precisas?”. Em geral, quase toda oração é de petições. Ao que me parece, a novidade aqui está na resposta do cego: “que eu veja!” parecem obvias, pergunta e resposta, mas quantos sabem pedir exatamente o que precisam? Quando não, pedimos e achamos que precisamos de tanta coisa que o essencial realmente fica invisível aos olhos, se me permitem a paráfrase com o que disse a raposa ao pequeno príncipe.

Penso que os longos anos de cegueira ajudaram Bartimeu a enxergar além dos olhos; a ouvir mais e a prestar a atenção no que não via; a ser mais cauteloso com as palavras, porém, com uma língua mais solta e adestrada, mais incisiva e afiada, ao menos desta vez convenceu Jesus. Bartimeu se tornou um homem discreto, invisível, mas presente. Foi capaz de perceber que Jesus estava perto. Sua fraqueza aparente e estranheza da comunidade lhe conferiram capacidades e possibilidades que o habilitaram ao seguimento do Mestre.

De fato, cada um deixa o tudo que possui (Cf. Mc 10, 21). O cego só possuía o manto. Era sua casula; sua pequena casa, sua proteção no frio da noite e sua sombra no sol escaldante do dia. Era sua sobrepeliz, sua outra pele, pois o encobria de cima a baixo e o tornava reconhecível à distância. Era o seu hábito de monge, porque o isolava na clausura do anonimato e da invisibilidade entre os irmãos. Mas essa veste virou fantasia no teatro daquela cidade. O salto que deu deixou sua antiga vida no chão e virou passado. Somente agora ele vê, não precisa mais se esconder.

Desejo a todos uma semana abençoada, de encontro com Jesus e de descoberta do que é mesmo essencial aos que creem.

Glória ao Pai e ao Filho e ao Espírito Santo...

Tobias Barreto – SE, 25.10.2015

Pe. Adeilton Santana Nogueira

domingo, 18 de outubro de 2015

SEJA MELHOR, SEJA MENOR!

Mc 10, 35 – 45

A carreira cristã é tão promissora por si mesma que não precisaria de competições, a não ser aquela da pratica do bem. Vejamos quem faz o melhor ao seu semelhante, sem olhar a quem, sem alardes, sem merchandising, sem que a mão esquerda o saiba (Cf. Mt 6, 3).

Se o bem cristão, que é feito ao semelhante, vênia ao bom samaritano, não é algo do que ostentar-se imagine o bem a si mesmo! Seguir a Cristo para ufanar-se da condição de discípulo, ou das facilidades sociais da fé em comunidade, ou mesmo usar da piedade alheia, da credulidade ingênua de algum fiel, para privilégios e vantagens frente aos menos favorecidos não seria incorrer nesta perícope?

Acredito que aqui também se enquadre uma reflexão sobre as vantagens sociais e políticas na comunidade, as facilitações perante as necessidades pessoais ou institucionais, desde que se busque o mérito do título e a exaltação do ser de Cristo, como se fosse algo do que tirar vantagens. Nós mascaramos demais nossa autoridade religiosa perante a sociedade encurtando caminhos burocráticos, gastando nomes e comprometendo pessoas. O tirânico de tudo isso ainda reside no fato de, posteriormente, ainda assim nos apresentarmos inimputáveis e livres de qualquer demérito. Aqueles que nos fazem favores ainda escutam nossos sermões ‘proféticos’ e ‘imparciais’ sobre corrupção, cumplicidade e obscuridade econômica.

35 Tiago e João, filhos de Zebedeu, foram a Jesus e lhe disseram: “Mestre, queremos que faças por nós o que vamos pedir”. 36 Ele perguntou: “O que quereis que eu vos faça?” 37 Eles responderam: Deixa-nos sentar um à tua direita e outro à tua esquerda, quando estiveres na tua glória!”

Esta situação é deveras curiosa. Não temos como saber a real intenção desses apóstolos. Até aqui Jesus não os critica. Apenas os questionará sobre essa possibilidade. Esse pedido pode estar carregado de um zelo e amor em codividir o peso da responsabilidade em solidariedade ao que veem Ele passar. Por isso a assertiva da resposta: “Vós não sabeis o que pedis. Por acaso podeis beber o cálice que eu vou beber? Podeis ser batizados com o batismo com que eu devo ser batizado?” Jesus questiona se estão de fato dispostos às consequências de um tal pedido.

Em agosto de 2004, quando estive no interior da Basílica de S. João do Latrão, em Roma, tive a sorte de conhecer uma freira brasileira que me mostrou a caixa onde está a túnica de S. João apóstolo. Ela falava dele como mártir, pois tinha sido fervido em azeite, de onde saiu ileso. Porém permaneceria na ilha-prisão de Patmos, na Grécia, onde escreveu o seu evangelho e o Apocalipse. Segundo ela S. João terminara seus dias muito respeitado pelos demais presidiários, inclusive pelos soldados.

Já o seu irmão, Tiago Maior, não teve a mesma sorte. Por volta do o ano 44, sendo o primeiro bispo de Jerusalém, foi perseguido e acusado de ser cristão. Seu acusador se converte diante do seu testemunho, o que o leva à decapitação, sob o governo de Herodes Agripa I, amigo do imperador Calígula.

Estes são relatos de como o cálice de Cristo transborda e é derramado (Mt 26, 28); uma vez batizado nas águas no Jordão, Cristo ainda receberia outro batismo para unir a si aqueles que sem as águas se purificariam no ritual incruento do martírio, em rios de sangue. É por isso que esses apóstolos responderão: “Podemos.” Referindo-se à mesma sorte do seu mestre. E sem demora Jesus lhes confirma tal sorte: “Vós bebereis o cálice que eu devo beber, e sereis batizados com o batismo que eu devo ser batizado.” Notemos, todavia, que isto ainda não diz respeito ao tão almejado lugar.

40 Mas não depende de mim conceder o lugar à minha direita ou à minha esquerda. É para aqueles a quem foi reservado”. 41 Quando os outros dez discípulos ouviram isso, indignaram-se com Tiago e João.

Agora sim vemos de onde, provavelmente, partem as contendas. Os dois apóstolos não estavam, talvez, querendo ser ‘maiores’, porém os demais assim entenderam e já partiram para os rumores, não raros, de quais seriam os maiores e preferidos de Jesus. Cenas como estas não nos deixam nem mesmo na família. Sempre haverá alguém se menosprezando e outrem se vangloriando.

Arriscaria em dizer que os dez também não estão de todo errados. Expressam seus temores e a incoerência da proposta em antecipar o juízo final, em definir as escolhas de Deus, em incluir-se entre os eleitos, escolher-se e negligenciar os demais. O auto empavonamento é uma constante cada vez mais frequente em muitos grupos populares.

Não sei o que ocorre para virar tendência, subir pra cabeça, como dizem, a fama, mesmo entre os de religião. Parece que não leram o batista ao dizer: “É necessário que Cristo cresça e eu diminua.” (Jo 3, 30) Alguns de nós fazemos justamente o contrário: ‘Quanto mais eu aparecer melhor!’ Já vi até tirarem os sinais cristãos para estamparem a própria face. Quem sabe um dia entenderão e se deixarão também crucificar!

42 Jesus chamou os doze e disse: “Vós sabeis que os chefes das nações as oprimem e os grandes as tiranizam. 43 Mas, entre vós, não deve ser assim: quem quiser ser grande, seja vosso servo; 44 e quem quiser ser o primeiro, seja o escravo de todos. 45 Porque o Filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida como resgate para muitos”.

Jesus é mestre em sair de dilemas. Sem acusá-los lhes chama a atenção e orienta. Assim fazem os verdadeiros sábios: em contendas primam pela concórdia. Eis uma solução tão simples ao problema das disputas entre nós: “... entre vós não deve ser assim.” É um conselho deveras tenro e carinhoso. Como dizem os pais: ‘Filho, não faça isso! Não seja assim!’ Em outras palavras, não podemos agir em casa como se fôssemos da rua, desconhecidos e competitivos por espaço e atenção, sedentos e carentes ao extremo de pisarmos uns nos outros.

Opressão e tirania, segundo o evangelho, é uma atitude dos chefes das nações e dos grandes. Claro que não necessariamente apenas dos ‘políticos’, mas de todos quais ponham seus cargos na frente de suas atitudes. Não fica difícil de saber com quem estamos lidando e quais as suas intenções. Basta perceber se serve a todos ou se escolhe a quem serve; ou se tem dificuldades em ceder o lugar a quem vem depois. O desapego de si é a riqueza do evangelho e o apego é a pobreza do cristão.

Faz carreira na religião quem sobe na identificação ao seu mestre, quem usa do seu conhecimento para saber mais do que Ele disse. Faz carreira religiosa quem soma títulos e bens e se distancia cada vez mais dos seus iguais, usando de sua autoridade para facultar o ofício que lhe é próprio. Mandar fazer é uma das características mais comuns em quem não se sente solidário. É mais cômodo esconder-se das obrigações e cobrar de quem não fez. Os tiranos findam tendo um destino semelhante ao dos heróis: uma vida sacrificada. Porém com a tênue diferença entre a vida entregue e a vida negada.

Não sejamos tiranos opressores, lideres ou servos preguiçosos. Façamos carreira em Cristo, pois só nEle vale crescer. Tenha uma excelente semana e seja mais, seja melhor, seja menor, dê a vez!

Glória ao Pai e ao Filho e ao Espírito Santo...

Barra dos Coqueiros – SE, 18.10.2015


domingo, 11 de outubro de 2015

BONS PELO AMOR DE DEUS


BONS PELO AMOR DE DEUS
MARCOS 10, 17 – 30

De fato a palavra de Jesus está intimamente ligada às prescrições morais. Após assistirmos a Ele ampliando e esclarecendo a lei dos adúlteros, que vale para todos, veremos nessa sequência a continuidade das preocupações morais foram objeto da pregação de Pedro em Roma e de seu pupilo, o evangelista S. Marcos, que o acompanhou desde tenra idade, e, após a morte do apóstolo escreveu o que lembrava da catequese petrina.

17 Quando Jesus saiu a caminhar, veio alguém correndo, ajoelhou-se diante dele e perguntou:
“Bom mestre, que devo fazer para ganhar a vida eterna?”

O discurso da bondade e do bem, naquele tempo, estava muito ligado aos ‘bem nascidos’, ao nome de família, aos bens materiais, até mesmo à estética física da boa aparência. O belo, o bom e o bem se confundiam desde as ideias helênicas, e em Roma não era diferente. Por isso Marcos traz para Jesus resolver algo que a filosofia de então não é suficiente. A bondade não é uma ideia, mas uma atitude, a exemplo da misericórdia que jamais se definirá em letras, mas em gestos concretos.

A atitude deste ávido por respostas poderia ser a de qualquer um de nós. Desde que não lhe deram nome, idade ou raça, pode ser eu ou você. A dúvida é universal: como posso me salvar? A cena lembra muito o retorno do filho pródigo, quando se encontra com o pai misericordioso, em Lucas 15, 20. Como teriam sido esses momentos?

18 Jesus disse: “Por que me chamas de bom? Só Deus é bom, e mais ninguém. 
19 Tu conheces os mandamentos: não matarás; não cometerás adultério; não roubarás; não levantarás falso testemunho; não prejudicarás ninguém; honra teu pai e tua mãe!”

Ainda sobre a ‘bondade’ religiosa e dos romanos helenizados há uma questão mister de se resolver antes. A bondade, assim como a verdade, são personalidades. A verdade, Jesus se identificará (Cf, Jo 14, 6), mas a bondade Ele definirá com o próprio Deus. De sorte que a conquista dessas personalidades será uma identificação com as Pessoas Divinas. Na religião de Jesus, não há como ser bom sem Deus. A bondade é uma ação divina, repleta na criação, e quem assim procede, contempla a bondade criada e também a reafirma, identifica-se com Deus, pois age como Ele.

O cumprimento dos mandamentos, nesta lista elencada por Jesus, resume a prática da bondade na vontade de Deus, os mandamentos, em relação ao próximo. Esta é uma ligação que une inclusive a fé. Atitudes e o bem delas é maior que o cumprimento frio de normas legais, por isso a fé sem obras é morta (Cf, Tg 2, 26) e Jesus pede que se não crê nEle que creia ao menos em suas obras (Cf. Jo 10, 38). Assim se conhece a árvore pelos seus frutos (Cf. Lc 6, 44). De modo que não é uma questão simples, puramente futurista ou egoísta de salvação pessoal, mas de ser reconhecido e se reconhecer, de identidade e identificação profunda com o que se acredita.

20 Ele respondeu: “Mestre, tudo isso tenho observado desde a minha juventude.” 
21 Jesus olhou para ele com amor e disse: 
“Só uma coisa te falta: vai, vende tudo o que tens e dá aos pobres, e terás um tesouro no céu. Depois, vem e segue-me!”

Um dilema. Uma realidade extrema na religiosidade universal. Somos um planeta de fé. Maioria esmagadora da população mundial tem fé em Deus. Mas quando o assunto é perder, vender sem lucro, doar, dar a quem não trabalha, depois da ‘evolução do pensamento”, do imperialismo, absolutismo, mercantilismo, iluminismo, liberalismo, socialismo, industrialização e tecnologia, chega a ser ‘ridículo’, melhor, loucura (Cf. 1 Cor 1, 18; 25) falar de tesouro ‘no céu’ e não aqui na terra, já e agora. Ainda mais, não raro, descobrimos o luxo e o lazer dos ‘religiosos’.

22 Mas quando ele ouviu isso, ficou abatido e foi embora cheio de tristeza, porque era muito rico. 
23 Jesus então olhou ao redor e disse aos discípulos: “Como é difícil para os ricos entrar no reino de Deus!” 
24 Os discípulos se admiravam com essas palavras, mas ele disse de novo: “Meus filhos, como é difícil entrar no reino de Deus! 
25 É mais fácil um camelo passar pelo buraco de uma agulha do que um rico entrar no reino de Deus!” 
26 Eles ficaram muito espantados ao ouvirem isso e perguntavam uns aos outros: 
“Então quem pode ser salvo?”
 27 Jesus olhou para eles e disse: “Para os homens isso é impossível, mas não para Deus. Para Deus tudo é possível.”

Só Deus mesmo! No entanto, isto não é uma passividade teológica, mas uma irresponsabilidade pastoral e uma leviandade evangélica. Contentar-se e conformar-se com a riqueza de algumas igrejas e de seus ministros é, no mínimo cumplicidade. Nestes tempos de CPIs e sindicâncias, onde as contas públicas são investigadas, nossos olhos deveriam estar mais atentos para onde vai o nosso dízimo. Se Jesus aponta as contas pessoais, imagina o que diria das contas comuns.

A Palavra chama Judas de ladrão porque ele tirava dinheiro da bolsa comum para si (Cf. Jo 12, 6). A usura da riqueza não está apenas nos que possuem grandes somas, mas também em pobres almas miseráveis que mentem e se escondem, sorrateiramente se apropriando das moedas da coleta. O camelo é aquela corda que atraca uma embarcação na margem e a segura. O servo do dinheiro é uma pessoa insegura. Suas garantias não estão em sua identidade ou sua fé, mas nos seus bens. Sem julgá-lo diria que se tornou um alienado, uma pessoa fora de si, um incoerente, um hipócrita. Sem querer perder seus bens, perdeu-se de si mesmo. Embora muitos desses não se entristeçam, entristecem muitos de nós.

28 Pedro então começou a dizer-lhe: “Eis que nós deixamos tudo e te seguimos”. 
29 Respondeu Jesus: “Em verdade vos digo, quem tiver deixado casa, irmãos, irmãs, mãe, pai, filhos, campos, por causa de mim e do evangelho, 
30 receberá cem vezes mais agora, durante esta vida – casa, irmãos, irmãs, mães, filhos e campos, com perseguições -, e, no mundo futuro, a vida eterna”.

O discipulado de Jesus tem uma lição fundamental: Deus é grande demais para caber em um coração já preenchido. Mas o que ele oferece em troca? Precisamos desocupar corpo e mente para que Ele nos habite e reconfigure nossos ideais. Não é fácil pensar como Deus ou pensar em Deus antes de agir; perguntar-se se Ele agiria assim. O seguimento de Jesus não é uma ilusão, nem os pensamentos de Deus são os nossos (Cf. Is 55, 8). Esses bens não são materiais, esse parentesco não é de sangue, nem esta perseguição é culposa. A vida na graça de Deus nos permite viver em Cristo (Cf. Fil 1, 21); possuir os bens como se não tivesse (Cf. 1 Cor 7, 30 e 1 Pd 4, 10) e, apesar de filhos de Adão, vincular-se às pessoas pelo quanto elas amam e cumprem a vontade de Deus (Cf. Mt 12, 50).

Todo este ideal de vida, desafiador mesmo para pessoas de espiritualidade provada, só terá êxito em Deus. não há virtude, ao menos cristã, que não se origine ou se remeta a Deus. Queres ser bom? Espelha-te! Não pensa que conseguirás sozinho. Tenha uma boa semana e em tudo se remeta a Deus, para quem nada é impossível (Cf. Lc 1, 37).

Glória ao Pai e ao Filho e ao Espírito Santo...

Tobias Barreto – SE, 11.10.2015
Pe. Adeilton Santana Nogueira


sábado, 3 de outubro de 2015

ADÚLTEROS MASCARADOS

MARCOS 10, 2 – 16

2 Alguns fariseus se aproximaram de Jesus. Para pô-lo à prova, perguntaram se era permitido ao homem divorciar-se de sua mulher.

Pessoas falsificadas não aprendem nunca! São tão oscilantes que acabam caindo em suas próprias armadilhas, como veremos a seguir. Alguns demoram arquitetando as suas ciladas, outros as tramam em comum acordo com um grupo de hipócritas que queira justificar suas condutas, seja de religião, como neste caso, ou em tantos outros no cotidiano da nossa vida. Acredito que ninguém esteja livre de se deparar com fariseus que se aproximem apenas para nos por à prova. Como sair dessas arapucas?

3 Jesus perguntou: “O que Moisés vos ordenou?” 4 os fariseus responderam: “Moisés permitiu escrever uma certidão de divórcio e despedi-la”. 5 Jesus então disse: “Foi por causa da dureza do vosso coração que Moisés vos escreveu este mandamento.

Vejamos algumas entrelinhas. Jesus devolve a pergunta porque sabe que eles conhecem a resposta. Eles sabem o que estão fazendo, ou pelo menos, tem condições de se perguntarem em suas próprias regras legalistas. Além de denunciar a ignorância da interpretação de suas próprias ações, Jesus denuncia também a dureza do coração deles. Mas há algo curioso: uma lei divina foi decretada a capricho de corações endurecidos. Ela será revogada!

 6 No entanto, desde o começo da criação, Deus os fez homem e mulher. 7 Por isso, o homem deixará seu pai e sua mãe e os dois serão uma só carne. 8 Assim, já não são dois, mas uma só carne.

Não dá a entender que Jesus retira essa licença mosaica? Há muita Lei, mesmo eclesial, que pode ser revista. Para isto Jesus deixou o “poder das chaves”. Se se pode ligar para o bem e desligar do mal, porque não abrir ainda mais essas portas? O que já vem acontecendo, porém a passos lentos! A primeira atitude ainda é um impulso corretivo e de castigo, como satisfação social, a exemplo daquele julgamento que pesava mais para as mulheres ‘adúlteras’; sentença nem sempre equiparada às penas dos verdadeiros adúlteros no evangelho. Esta é uma prática muito mais comum, pois não é de hoje que se penalizam alguns para se justificar e encobrir a outros.

9 Portanto, o que Deus uniu, o homem não separe!”

Esta é uma das frases mais belas e conhecidas de Jesus sobre a união conjugal. Mas se lhe acrescentássemos a citação de Paulo: “Pois eu tenho a certeza de que nada pode nos separar do amor de Deus: nem a morte, nem a vida; nem os anjos, nem outras autoridades ou poderes celestiais; nem o presente, nem o futuro; nem o mundo lá de cima, nem o mundo lá de baixo. Em todo o Universo não há nada que possa nos separar do amor de Deus, que é nosso por meio de Cristo Jesus, o nosso Senhor.” (Rm 8, 38 – 39) A pergunta é: o que pode mesmo nos separar de Deus? O que Deus realmente uniu e que o homem ou coisa alguma poderá desligar jamais é o Seu amor por nós.

10 Em casa, os discípulos fizeram, novamente, perguntas sobre o mesmo assunto. 11 Jesus respondeu: “Quem se divorciar de sua mulher e casar com outra, cometerá adultério contra a primeira. 12 E se a mulher se divorciar de seu marido e casar com outro, cometerá adultério”.

Vê então por que o desafeto trai a própria essência do amor? Trai o amor, trai Deus. Qualquer traição fere o amor que sentimos por alguém, ainda que alguém não se importe em sofrer por amor; goste a ponto de se perder para não perder. Seja no casal, seja na amizade, a questão não é a defesa de quem foi traído, mas a autenticidade do amor de quem trai. O problema é quando chega até ao adultério, desde quando ele foi sendo possibilitado e entrou na vida de um casal. Quanto desamor em construção!

Veja também o quanto a frieza endurece o coração de uma homem e de uma mulher, a ponto de cristalizar os sentimentos de outrora e caírem como granito em suas cabeças. A doçura do romantismo de namorados não existe mais, senão nas expressões da falsidade e das máscaras em que se revestiram. Há mesmo casos em que a convivência é insuportável e que, para evitar dissabores inda maiores ou piores, a separação de corpos é a opção mais imediata. Em si, isto já é a morte que separa o que Deus uniu.

A declaração da nulidade matrimonial é uma ação eclesial, que se justifica quando se constata pelo próprio casal, e pela igreja que os enlaçou sacramentalmente, que não houve materialidade naquela união, ou seja, nunca deveriam ter se casado, pois não queriam a essência mesma do casamento, a saber: fidelidade, ‘até que a morte os separe’. Não é isto que esperamos, seja de quem for, se alguém decide entrar em nossa vida?

13 Depois disso, traziam crianças para que Jesus as tocasse. Mas os discípulos as repreendiam. 14 Vendo isso, Jesus se aborreceu e disse: “Deixai vir a mim as crianças. Não as proibais, porque o Reino de Deus é dos que são como elas. 15 Em verdade vos digo: quem não receber o Reino de Deus como uma criança, não entrará nele”. 16 Ele abraçava as crianças e as abençoava, impondo-lhes as mãos.

Alguns discípulos não se cansam de ‘proteger’ Jesus das crianças e, dos doentes e do povo em geral. É hilário, portanto trágico, o quanto os mais próximos são tão cegos. Uma vez uma professora de catequese me disse que não se deve olhar demasiado para a luz, pois ela encandeia; ela deve ser projetada sobre a escuridão. É lâmpada para os pés e luz para o caminho. (Cf. Sl 119, 105). A luz que é Jesus, Ele a declara também diante de uma cena de ‘flagrante adultério’, com a mulher pecadora; queriam apedrejá-la quando o adultério era o pecado do homem que se deitara com ela. (Cf. Jo 8, 12) Se quem O segue anda nas trevas talvez não lhe falte luz, mas a esteja usando em sua própria direção, está encandeado, mais preocupado em iluminar-se, flashs e holofotes, ufanando-se em ser ‘discípulo’ de Cristo muito mais do que em aproximar dEle as pessoas a sua volta.

Já disse o maior profeta entre os nascidos de mulher: “É necessário que Cristo cresça e que eu diminua” (Jo 3, 38), quem sabe este também seja um caminho para nos voltarmos ao nosso semelhante, e para os casas reverem as suas promessas matrimoniais, quando disseram em primeira pessoa: “Eu (nome), recebo-te (nome), como meu/minha esposo/esposa e te prometo ser fiel, amar-te e respeitar-te, na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, todos os dias da nossa vida.

São Paulo no ajuda nesta colocação: “Nada façais por contenda ou por vanglória, mas por humildade; cada um considere os outros superiores a si mesmo. Não atente cada um para o que é propriamente seu, mas cada qual também para o que é dos outros. De sorte que haja em vós o mesmo sentimento que houve também em Cristo Jesus…” (Fl 2, 3 – 5) Paulo fala ainda diretamente aos esposos para amarem as suas esposas como Cristo amou a si mesmo e a Igreja, e se entregou por ela (Cf. Ef 5, 25). Amor igual deve sentir a igreja e a esposa pelo seu marido.

Mas são inúmeras as máximas da boa convivência, como as regra de ouro de Jesus: “Não faça aos outros o que não gostaria que fizessem contigo (Tb 4, 15; Cf. Mt 7, 12) e o conselho do evangelista São João: “Filhinhos, não amemos com palavras nem com a língua, mas com ações e em verdade” (1João 3,18). Pois, se considerarmos o outro maior do que nós, sem nos perdermos num aniquilamento doentio e masoquista, estaremos seguindo um conselho evangélico que pode antecipar-se no fel de uma traição fétida cujo odor desfalece a mais bela flor e afasta qualquer um, mesmo quem já amou.

Seja no namoro ou na amizade, seja fiel pelo amor de Deus! E tenha uma semana abençoada!

Glória ao Pai e ao Filho e ao Espírito Santo...

Barra dos Coqueiros – SE, 03.10.2015
Pe. Adeilton Santana Nogueira