domingo, 28 de junho de 2015

USE AS CHAVES!

Mt 16, 13-19
13. Chegando ao território de Cesaréia de Filipe, Jesus perguntou a seus discípulos:
 No dizer do povo, quem é o Filho do Homem?

Entre o evangelho deste domingo e a solenidade dos apóstolos Pedro e Paulo, a temática a ser abordada deixou muitos colegas divididos, creio eu, como estou agora. Ambas se completam, porém trazem reflexões que merecem, cada uma, o seu próprio artigo. Sem hierarquizar alguma ordem de importância tentarei apresentar algumas breves reflexões acerca de ambos.

Na missa que presidi, a primeira questão que me veio foi: por que, na maioria das vezes, ou nos casos mais conhecidos, todos aqueles que se dedicam à Igreja, como a uma esposa amada, tem um destino tão cruel quanto o martírio desses apóstolos e dos demais, a exceção de João que passou ileso do banho de azeite fervente? Não apenas pelo fato de a sorte do discípulo não ser maior que a do seu mestre (Cf. Mt 10, 24), mas aplico também ao objeto de seu amor, pois é grande o mistério do amor de Cristo à sua igreja (Ef 5, 32), ao ponto de Paulo fazer este vínculo: esposos amem suas mulheres como Cristo amou a Igreja (Ef 5, 25). Assim compara discípulo a esposo.

O que vemos na vida comum talvez nos ajude a entender o que ocorre na Igreja, uma vez que são os mesmos atores que desempenham seus papeis em ambos cenários. Qual o sentimento mais comum que tem levado os apaixonados a atitudes tão incruentas de violência? Ou o que levaria alguém a querer e até conseguir afastar um amado de quem ele ama? Acaso o vilão também ama a mesma pessoa? Seria então o ciúme, a venda nos olhos que tem cegado tantos de outrora quanto os de agora, até cometerem atos de assassinato para afastarem os amores da esposa?

Desde antes de Cristo, desde Adão, nas figuras bíblicas da Igreja, o amor à esposa sempre foi pago com um preço alto. Refiro-me no âmbito espiritual, e entenda aqui esposa por aquela figura adornada da única beleza que encantaria o seu esposo divino. Entendam-se estas comparações: esposa com a Nova Jerusalém (Cf. Ap 21, 9s), o povo redimido, portanto a Igreja imaculada e o esposo com o Cristo (Cf. Jo 3, 29). Esta é para mim uma situação intrigante: o modo como tentam separar o esposo da esposa, todas as vezes em que se amam.

Vendo os martírios de Pedro e Paulo, sem ignorar a história primitiva da Igreja, entendo que nem sempre o amor daqueles que desposam a única esposa de Cristo, por antonomásia, a Igreja, a conquistam pacificamente. Assim como “o reino dos céus padece violência e só os violentos entrarão nele” (Mt 11, 12), essa mesma violência alcança a vida do cristão de diversas maneiras.

A violência do cristão não é uma violência comum. O uso cristão da violência é haurir dela sua impetuosidade, veemência, força, ardor, intensidade. Ouso em dizer que precisamos de cristãos violentos, corajosos o suficiente para que sejam capazes de se violentarem pela cruz de Cristo, loucura deste mundo, e que sejam rejeitados pelos ímpios (1Cor 1, 18), não seus cúmplices. O testemunho das primeiras comunidades declara ser uma ‘necessidade’ que “se passe por muita tribulação para entrar no reino de Deus” (At 14, 22).

Igreja e Reino de Deus estão fundamentalmente entrelaçados. A Igreja existe em função do Reino, ela é o seu portal. Não é um fim em si mesma, mas se abre para acolher e preparar todos quantos queiram dele participar. O Reino é celeste e a Igreja terrestre. Ela é sua porta e escada. Nosso Senhor lhe faculta as chaves do céu. A Igreja faz as vezes de uma camareira. Está para destinar os hospedes aos seus aposentos e lhes servir. Mas como esposa faz as vezes do esposo, em quase tudo. Tem a autoridade da propriedade, mas não a sua posse. Está para o zelo, não para o comércio. Tem as chaves, mas não se engana, não é viúva. Não se desfaz de nada do que lhe foi confiado pelo esposo, uma vez que o esposo também não perdera nenhum bem de herança (Jo 18, 9). O segredo das chaves é o mesmo dos dons e dos talentos (Cf. Mt 25, 14-30), o mesmo dos administradores ainda que infiéis (Cf. Lc 16, 1-13), eu arriscaria em dizer que o segredo é ‘usá-las’!
14. Responderam: Uns dizem que é João Batista;
outros, Elias; outros, Jeremias ou um dos profetas.

As chaves são dadas no contexto da profissão de fé de Pedro. Em meio a tantas opiniões vagas e heresias, mentiras sobre quem é Jesus, eis uma afirmação diferente daquela dos demônios antes dos porcos (Mt 8, 28-34), pois não apenas o reconhece como Filho de Deus, mas como o Messias. Esta profissão é feita por um homem fraco na fé, que afunda em meio ao vento e agito do mar (Mt 14, 30), pois deixou de manter os olhos fixos em Jesus; um apóstolo que nega sua própria identidade para se livrar da condenação (Cf. Lc 22, 54-57), que teme enfrentar Jerusalém ao lado do seu Mestre (Cf. Mt 16, 22). Apesar de toda esta fraqueza Pedro faz uma afirmação que revela sua espiritualidade e sua intimidade com o Pai eterno.
15. Disse-lhes Jesus: E vós quem dizeis que eu sou?
16. Simão Pedro respondeu:Tu és o Cristo, o Filho de Deus vivo!
17. Jesus então lhe disse: Feliz és, Simão, filho de Jonas,
porque não foi a carne nem o sangue que te revelou isto, mas meu Pai que está nos céus.

Convicção e chaves. O que você faria se as tivesse? Não sei sua resposta. Mas sei que Jesus entregou duas coisas naquela hora a Pedro: a edificação da sua Igreja e as chaves que ele já tinha no início da obra. A entrega das chaves costuma ser a última coisa de uma edificação. Até o seu término ela está aberta a todos os trabalhadores e em fase de acabamento recebe tapumes. Suas portas e fechaduras costumam ser as últimas coisas.

Que obra diferente é a Igreja de Cristo. Não são as portas em função do edifício, mas o prédio que será construído em função da fechadura. Deverá ser planejada segundo a fechadura para a qual aquelas chaves servem. Não só abre e fecha, mas liga e desliga. E nós sabemos que na teologia católica o desligar ao qual Jesus se refere é desligar do poder do mal personificado em satanás.
18. E eu te declaro:  tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja;
as portas do inferno não prevalecerão contra ela.

As chaves podem desligar o mal. Será que entendi bem? “O que for ligado na terra será ligado no céu e o que for desligado na terra será desligado no céu.” Meu Deus, já vem me indagando, quanta confiança! Sei que ninguém erra em confiar, muito menos Deus. Mas não sei o que ocorre conosco que não temos sabido o que fazer com tanta confiança. Se me permitem continuar eu diria ou apelaria, até gritaria, se preciso fosse: USE AS CHAVES! Abra! Desligue! Pois sei que seria muito melhor que guardá-las como relíquia ou usá-las para fechar ou ligar algo ou alguém ao Mal. Pois se Nosso Senhor as abriu na ascensão, ele não daria as chaves para que trancássemos aquelas portas. Ainda mais, quem arriscaria fechar as portas que Deus abriu?
19. Eu te darei as chaves do Reino dos céus: tudo o que ligares na terra será ligado nos céus,
e tudo o que desligares na terra será desligado nos céus.


Que portas se abram para ti! Tenha uma boa semana e feliz festa de Pedro e Paulo, chaves e espada da Igreja!

Glória ao Pai e ao Filho e ao Espírito Santo...

28.06.2015
Pe. Adeilton Santana Nogueira

http://diariosergipano.com.br/site/2015/07/05/use-as-chaves/

domingo, 21 de junho de 2015

KEEP CALM

Mc 4, 35, 41

Não apenas o vento e o mar, não apenas a natureza, embora siga uma ordem, mesmo que não raro se mostre arredia e violenta, mas até os demônios o obedecem. O ensinamento de Jesus neste quarto capítulo do evangelho de São Marcos não está na tempestade, mas com os seus seguidores, incapazes de entender uma parábola e agora medrosos e incrédulos.

A preocupação de S. Marcos evangelista é ensinar quem é Jesus, segundo os exegetas. Dizer quem é alguém não é tarefa fácil nem para a própria pessoa quando fala de si. São as atitudes, em tese, que definem uma pessoa. Ao menos para quem convive com ela. Sobre si mesma sempre será uma descoberta. Daí porque o mistério de cada um permanecerá uma busca, cujo encontro diminui as incertezas. Se lêssemos este evangelista procurando as afirmações de ‘quem é Jesus’ faríamos uma descoberta surpreendente. Aconselho que o faça.

35.À tarde daquele dia, disse-lhes: Passemos para o outro lado.
36.Deixando o povo, levaram-no consigo na barca, assim como ele estava. Outras embarcações o escoltavam.

Desta vez Jesus decide atravessar o mar com os discípulos. Poderíamos imaginar que ele avistasse o mal tempo ou o pressentisse. Porém, não há registro de temor prévio nos navegantes, que conheciam o mar da Galiléia, razoavelmente pequeno, de 19 km de cumprimento e 13 km de largura. E se ele soubesse o que viria pela frente e mesmo assim quisesse navegar mar bravio adentro? O seu destemor poderia ser desacreditado ou desestimulado? Quando Jesus decidiu subir a Jerusalém vimos Pedro atravessar na sua frente e tentar dissuadi-Lo: “Mestre, que isto não te aconteça!” Porém Jesus repreende a sua possível covardia dizendo: “Saia da minha frente, Satanás!” (Mt 16, 21-23)

37.Nisto surgiu uma grande tormenta e lançava as ondas dentro da barca, de modo que ela já se enchia de água.

Alguém o seguiria sabendo pelo que passaria em alto mar? É de se perguntar, você preferia ficar na calmaria da praia ou subir na barca com Jesus, para enfrentar uma tempestade em alto mar? Não tenha pressa em responder! Reflita bem, pois há algumas atitudes entre os cristãos que não foram aprovadas por Jesus. A exemplo dessas dúvidas e covardias, citadas acima. Embora elas estejam no coração dos discípulos, e até mesmo dos apóstolos, portanto são ‘de’ cristãos, elas não são cristãs. Não há maldade em dizer que isto ocorre desde a Era das primeiras comunidades, e quisesse Deus que tivessem passado com o tempo, pena que isto não acorreu.

40.Ele disse-lhes: Como sois medrosos! Ainda não tendes fé?

O medo mascarado numa confiança que duraria até a próxima tempestade traz de volta o desespero do ‘salve-se quem puder!’Mesmo em pescadores experientes, tanto fora quanto dentro da barca. Não foi somente a fé de que Jesus estava presente, mas foi a fé em si mesmos que faltou em seus seguidores. Eles vão incorrer em outra falta grave, a saber, a hipocrisia. Pescadores que têm medo do mar e de navegar. Não conhecem os ventos e não sabem contornar as ondas. Navegantes descrentes de seu timoneiro e capitão. São tripulantes à deriva, passageiros náufragos em barco desgovernado.

Se não acredita em quem guia a embarcação ou se quem toma o leme não sabe velejar, desça. O seu lugar é na praia enxuta, porque “quem pega no ardo e olha para trás não é digno de mim”, (Lc 9, 62) disse Jesus.  Não dá para guiar uma embarcação em meio a uma tempestade pensando em si mesmo, em seguranças próprias, e gritando ‘salvem-se quem puder!’ esquecendo-se dos demais passageiros. Isto é covardia e medo desesperados, e, no caso em questão, descrentes. Vale lembrar que “sem fé é impossível agradar a Deus”. (Hb 11, 6)

A barca é uma figura da Igreja de Cristo. No entanto, do que vimos acima, podemos intuir que sem fé a igreja seria uma instituição da pior qualidade, cujo objetivo seria apenas a promoção pessoal e o enriquecimento de seus cofres; onde as suas lideranças apresentariam uma marca e venderiam um produto alucinante, que eles não consomem; ideologizando ideias que não convencem, mas manipulam e alienam seus correligionários. Sem fé, envergonharia até as demais instituições, pela falta de coerência entre seus propósitos e práticas, entre seus membros e dirigentes.

38.Jesus achava-se na popa, dormindo sobre um travesseiro. Eles acordaram-no e disseram-lhe: Mestre, não te importa que pereçamos?

Outra indagação que sempre se faz é por que Jesus dormia em meio a tanto desespero. Como pode alguém dormir no agito da barca e das pessoas, em meio à confusão que se formou em torno das inseguranças? É possível que alguém tivesse comentado da sonolência do Mestre, talvez até falado mal! Outros teriam hesitado em despertá-lo. Outros por medo ou confiança, para que pulassem juntos ou para que desse uma alternativa, tomaram uma atitude. Aparentemente a mais correta. Aquela que todos aconselhamos a quem entra numa tormenta: fale com Jesus! Só que neste caso ele não gostou. Não parece mais ter sido a opção correta.

39.E ele, despertando, repreendeu o vento e disse ao mar: Silêncio! Cala-te! E cessou o vento e seguiu-se grande bonança.

Então qual teria sido a alternativa mais coerente naquela hora, barca em alto mar, mar bravio, em meio a uma tempestade agitando barco e pescadores, já que chamar o mestre não era a saída, nem tampouco ficar na tempestade? Lógico! O que você me diz?  Arriscarei uma solução. E não diga que é uma solução fácil ou exclusividade de padres! Digo por experiência própria, inclusive.

Se Jesus é o modelo do homem perfeito e a figura do Deus invisível (Col 1, 15), se nós é que lhe somos cópia, se a vida cristã é ser outro cristo (Cf. At 11, 26), como dizem por aí também afirmamos keep Calm and carry on (inglês= fique calmo e continue em frente). Parece-nos que esta é a postura mais própria e ao mesmo tempo inesperada diante da tribulação que nos prova. No entanto, tentamos resolver à ‘queima roupa’, no ‘quente da hora’, com as ‘própria forças’, para não ‘levar desaforo pra casa’, tudo isso tem cegado até mesmo os cristãos.

41.Eles ficaram penetrados de grande temor e cochichavam entre si: Quem é este, a quem até o vento e o mar obedecem?

Quem tem fé crê em algo além da natureza das coisas, além do momento presente, inclusive além dos seres humanos e seus problemas ou esquemas. Relaxe com Jesus, encoste-se a Ele e espere passar! Só não se transforme também numa tempestade maior do que a que o acomete. Como dizem ‘não faça uma tempestade num copo d’água’. Não precisamos achar que o nosso problema é maior do que ele se apresenta. E se acha que Jesus dorme enquanto você tonteia no balanço das ondas, não pense que ele te abandonou. Creia que é porque essa tempestade é incapaz de te afundar. Ele está contigo! E eu te desejo uma semana abençoada!

Glória ao Pai e ao Filho e ao Espírito Santo...


21.06.2015
Pe. Adeilton Santana Nogueira

http://diariosergipano.com.br/site/2015/07/02/keep-calm/

domingo, 14 de junho de 2015

Um galho da copa do cedro

Mc 4,26-34

Sabe aquele adágio “se quiser uma coisa bem feita faça você mesmo”? Pois é, acho que o profeta Ezequiel já o conhecia. Algumas vezes usa uma forma parecida, como no caso do ‘eu mesmo’, quando quer indicar que Deus vai tomar as rédeas da situação, como veremos a seguir. É um ditado controverso, porém se é Deus quem faz quem desfaz?

Apesar de sempre refletir sobre o evangelho do domingo, desta vez partirei da primeira leitura, ainda que não o deixe de fora. Essa leitura é um excelente paralelo das comparações de Jesus, no evangelho de Marcos, no capítulo quatro, e suas alegorias com o reino de Deus. Em Ezequiel 17, assim diz o Senhor Deus: “Eu mesmo tirarei um galho da copa do cedro, do mais alto dos seus ramos arrancarei um broto, e o plantarei sobre um monte alto e elevado.” (v. 22) A citação lembra outra decisão pessoal de Deus, também em Ezequiel: “Eu mesmo vou pastorear o meu rebanho”. (Ez 34 ,11) As semelhanças aqui não se encontram apenas na decisão de fazer pessoalmente algo que confiara aos seus ministros, mas em se tratar do reino e seus súditos. Já refletimos sobre este último verso no artigo ‘Pastoral e bondade’, agora vejamos o outro verso.

Acima indicamos que se trata das metáforas do reino de Deus; vale então destacar algumas figuras. Notemos que o oráculo diz ‘eu mesmo tirarei um galho da copa do cedro’. Porém, a muda do cedro não se faz de seus ramos ou brotos, mas de seus frutos. O que pode indicar, desta vez, com a intervenção de Deus, que o seu crescimento e vitalidade não dependem do curso natural ou dos conhecimentos técnicos, mas de quem o plantou. Até porque, mesmo que cresça, se não tiver sido o Pai quem a plantou ela será arrancada. (Mt 15, 13) O cedro é uma árvore que pode ultrapassar os 80 metros de altura; de madeira densa e leve, por isso se presta a diversos tipos de trabalhos, arte e cosmética. É uma árvore frondosa e generosa, o que contribui com o seu simbolismo bíblico.

Segundo o profeta, Deus planta cedros em picos de montanha: Eu o plantarei na alta montanha de Israel. Ele estenderá seus galhos e dará fruto; tornar-se-á um cedro magnífico, onde aninharão aves de toda espécie, instaladas à sombra de sua ramagem.” (Ez 17, 23) Quando é Deus quem semeia uma árvore, ela pode chegar a fazer sombra até a uma montanha, mesmo com pouca água e pouco oxigênio. Já na hortaliça da mostarda de Jesus (Mt 4, 31), mesmo a menor delas é semelhante aos mais altos cedros. Assim é o reino de Deus, cresce por dependência direta de quem lhe garante o cultivo e a vitalidade. Portanto, a confiança dos servos deve estar no Agricultor. É Ele o dono de tudo, tudo depende dEle. O nosso ofício também é fazer tudo depender dEle.

Servos e plantas, pastores e rebanho, segundo o profeta Ezequiel, têm uma lição a aprender. “Então todas as árvores dos campos saberão que sou eu, o Senhor, que abate a árvore soberba, e exalta o humilde arbusto, que seca a árvore verde, e faz florescer a árvore seca. Eu, o Senhor, o disse, e o farei.” (Ez 17, 24) O trabalho pastoral, tem um mérito e fadiga que não são nossos, em primeira ordem. Foram tomados de nossas mãos pelo modo desonesto e prepotente como tratamos as coisas de Deus. Foi-nos dado, e pode ser tirado. O que não pode é prejudicar a plantação. Nem erva daninha, nem árvore sem fruto, nem árvore clandestina, nenhuma praga prejudicará a colheita.

O reino de Deus é comparado a situações que têm seu progresso por si mesmas. O nosso Deus vai além das estratégias mais comuns. Qual o líder que abateria o subalterno altaneiro ou exaltaria o servo mirrado, trocaria uma árvore verdosa e preferiria uma seca? Na mesma linha poderíamos perguntar quem confiaria a bolsa a um ladrão (Jo 12, 6) ou a sucessão a um covarde? (Cf. Mt 26, 73-75) É preciso ver além das aparências. Quem conhece os corações tão bem que seja capaz de enxergar as intenções ao fundo? Não raro nos enganamos uns com os outros, e uns aos outros. Eis um dilema crucial na vida pastoral que tem prejudicado em muito o crescimento da comunidade. Que coisa traiçoeira é achar que todo crescimento vem de Deus, que todo sucesso é vitória e que todo fruto é espiritual. Que grande engano é achar que árvores rebaixadas não serão elevadas ou árvores secas jamais brotarão. Que desgraça é acomodar-se nas aparências!

O reino de Deus é um governo surpreendente. Reino se refere a Estado e governo, e ao seu povo. Não nos enganemos irmãos, que o reino dos céus seja apenas as realidades últimas e novíssimas da vida espiritual. A teologia tem uma expressão muito feliz para esta tensão na vida cristã: ‘já, mas não ainda’. Fato é que ele já começou e rezamos para que “seja assim na terra como no céu” (Cf. Mt 6, 9-13). Porém muito cuidado, pois, se o mesmo vale para os outros destinos, estamos definindo na terra a vida após a morte, ou seja, o modo como vivemos aqui define como viveremos lá.


Sem esperança; sem a quietude da passividade mística em aguardar as demoras de Deus; sem oração profunda e continuada, prolongada; sem vida espiritual; “sem fé é impossível agradar a Deus” (Hb 11 6), visto que andamos por fé e não pelo que vemos (2 Cor 5, 7). O súdito do reino de Deus é uma pessoa servil e ordeira que pisa este chão, mas sua pátria e bandeira, seu coração, estão nas alturas a todo o momento (Cf. Col 3, 2). O seu pouso e ninho são altos, na solidão da vida de oração. “E só lhes falava por meio de parábolas, mas, quando estava sozinho com os discípulos, explicava tudo.” (Mt 4, 34) Quando estivermos a sós com Ele poderemos entender como, em sua divina providência, tem governado a nossa vida e continuará dando o crescimento de tudo aquilo que semeou. Tenha uma boa semana, e confie na divina providência!

Glória ao Pai e ao Filho e ao Espírito Santo...
14.06.2015
Pe. Adeilton Santana Nogueira

domingo, 7 de junho de 2015

JESUS FARIA ASSIM?

Marcos 3, 20 – 35

Imagino as pessoas procurando Jesus. Elas gostavam de ouvi-lo, Ele não era tradicionalista, suas palavras não eram comuns às dos Mestres da Lei. Ele falava com autoridade, desde os doze anos que ensinava aos anciãos no Templo, porém suas palavras não eram institucionais. Há uma novidade no conteúdo e na forma de dizê-lo. Jesus era uma pessoa pública, as pessoas gostavam de segui-lo. Mas publicidade e multidão não são o que procuram as instituições? Por que muitos discursos religiosos não são procurados com a mesma sede e admiração com que observamos nos evangelhos?

Jesus estava entre muitas pessoas no evangelho em questão, acabara de pregar na praia, comprimido pela multidão, e libertar um possesso na sinagoga de Cafarnaum. Essas coisas chamam a atenção. Autoridade na palavra e convencimento num discurso não institucional, poder de milagres num tempo de frieza espiritual e religião tolerante às autoridades e espoliações do império. Surge um dissidente, um ninguém, nem sacerdote era, sua família não descendia de Levi. Por que então pregava? Também não era fariseu ou intérprete da Lei? Qual era o seu partido? Era Zelota? Não! Saduceu! Ele não tinha partido, nem religioso nem político, porque seu coração não era partido. Ele mesmo se repartiria em alimento verbo e alimento carne. Sabia muito bem o que podia dar às pessoas que lhes fizesse uma humanidade melhor pela sua humildade.

O método de todo grupo ameaçado é desacreditar as pessoas que lhes ameaçam a zona de conforto, o status quo, a posição privilegiada em que se encontram e de onde tiram o seu sustento. Os mestres da lei que tinham vindo de Jerusalém, estavam dizendo que era por Belzebu e que pelo príncipe dos demônios é que Jesus expulsava os demônios (Mc 3, 22). Os mestres da Lei! De Jerusalém! De onde pode vir o descrédito senão do próprio grupo a pertence? Ou do grupo que se sente ameaçado.

A resposta de Jesus é magistral. Não se defende, explica, pergunta. “Pode Satanás expulsar Satanás?” (v. 23) e segue com a máxima que mais parece um decreto de sentença. Uma sabedoria e uma denúncia ao mesmo tempo. É como um aviso, inclusive, pois, “se um reino se divide contra si mesmo, ele não poderá manter-se.” (v. 24) Meus irmãos e minhas irmãs, mas o que foi dizer Ele? Meu Deus! Se ou quando, não importa, fato é que a divisão de dentro trará a destruição inevitável à tona. Agora, diga-me, qual instituição ou grupo de pessoas, família, partido ou religião, que se conhece nesta terra, não apresenta sinais de  divisão? Seja sincero e pense, há alguma?

Em maior ou menor grau se constata cada vez mais sinais de esfacelamento e desunião, mesmo nos grandes nomes. Os interesses pessoais sobressaem aos do próprio juramento. E os sinais do esfacelamento se mostram inclusive na força dos sacramentos. Não fosse o ex opera operato, a validade de ter sido celebrado legitimamente, o ex opera operantis, a forma e a pessoa que celebrou, não se sustentariam mais. Em muitos casos nem uma coisa nem outro se mantém. Quantos fieis batizados existem confusos, batendo de porta em porta, ainda procurando uma casa de Deus; quantas Confirmações crismais esquecidas e não assumidas; quantos matrimônios desfeitos ‘não anulados’, recelebrados, recém casados e bígamos; quantos fieis precisam crer mais que seus ministros! Quanta confusão nas doutrinas e nos interesses, mesmo entre irmãos, dos leigos aos ordenados, é destruição! Graças a Deus que supplet ecclesia! (a Igreja supre na graça)

Parafraseando Jesus até uma família dividida será destruída. Que força avassaladora é esta, a divisão, a discórdia, a calúnia? Que boca maldita a daquele que blasfema pragueja, maldiz! Tem o poder de Satã, destruir. Diabo de gente! Peço perdão! Não xinguei. É que diabo vem do grego dia+ballein, literalmente ‘lançar entre’, criar atritos ou acusar. Por isso o acusador é o anjo decaído e o Defensor é Jesus e o Espírito Santo. ‘Sem chance!’ como dizem por aí na gíria. Não a chances para quem acusa inocentes. Outros paralelos giram em torno de símbolo, o que une, e Goel, do hebraico, o defensor da família. São imagens que merecem outro artigo.

No contexto acima vemos o quanto provoca Jesus tais afirmações caluniosas sobre a sua pessoa e intenções por que está do lado do povo e não das instituições corrompidas de sua época. Vê-se também por que é pecado contra o Espírito Santo atribuir uma autoria malograda. Transferir a origem da ação, mudar a sequência dos fatos, criar enredos, acusar pessoas, fere antes de mais à verdade. Jesus é a verdade (Jo 14, 6), logo toda mentira ou calúnia atinge a sua natureza divina. É imperdoável e se destruirá por si mesma, não subsistirá nem se sustentará a mentira.

Este é outro contexto no qual Jesus apresentará outra máxima sentencial. A estreia de sua mãe no evangelho de são Marcos é uma afirmação exemplar. Jesus acaba de falar do risco da família divida e das pessoas que se valem de mentiras para valorar sua prática e posições religiosas. Eis que entra em cena aquela que soube amar um marido que nunca a desposou e a quem foi fiel como mulher, sendo esposa de Deus, melhor, sendo cumpridora exímia da vontade do Pai. Está em sua boca, nos evangelhos, a frase: “Eis aqui a serva do Senhor, faça-se em mim segundo a sua vontade.” (Lc 1,38) Mas dessa vez a ouvimos de Jesus.

Quando apresentam a Jesus a sua mãe e parentes ele se volta às pessoas que, dúbias e tíbias, envenenavam-se das incertezas sobre Ele, lançadas pelas autoridades religiosas, ainda que o admirassem. Creio que, naquele dilema de credibilidade e na presença de sua mãe, Ele relembrou a história que ela, com certeza, contara desde sua infância, de como o anjo Gabriel a tinha encontrado e falado sobre sua maternidade divina e de como ela tinha acreditado e se entregado, rendendo-se à vontade de Deus, como a única saída e fortaleza para enfrentar todas as dificuldades que viriam para uma mulher judia, grávida sem marido, sem casamento, sem idade, sem sustento, totalmente confiante em Deus e não na própria família, nome ou reputação, tradições ou dogmas de sua religião, que de maneira alguma confirmariam ser ela a eleita, a preferida, entre todas escolhida. Quem a visse jamais diria que estava certa. Apenas ela, neste mundo, sabia quem era: toda de Deus.

E sentença final vem como fruto de um processo de julgamento público que vale para identificar a todos os que se dizem na verdade e de verdade. “Aquele que faz a vontade de Deus, esse é meu irmão, minha irmã e minha mãe.” (v. 35) Não são cargos ou diplomas, carimbos ou vestes, carros ou casas, salários ou espólios. A identidade cristã é uma identidade de dentro para fora. Há uma pergunta que sempre me ajudou nesta constatação e na decisão pela vontade divina: JESUS FARIA ASSIM? Espero que também ajude o leitor a descobrir quando algo ou alguém está ou não cumprindo a vontade de Deus. Tenha uma boa meditação!

Glória ao Pai e ao Filho e ao Espírito Santo...