Mt 16, 13-19
13. Chegando ao território de Cesaréia de Filipe, Jesus perguntou
a seus discípulos:
No dizer do povo, quem
é o Filho do Homem?
Entre o evangelho
deste domingo e a solenidade dos apóstolos Pedro e Paulo, a temática a ser
abordada deixou muitos colegas divididos, creio eu, como estou agora. Ambas se
completam, porém trazem reflexões que merecem, cada uma, o seu próprio artigo.
Sem hierarquizar alguma ordem de importância tentarei apresentar algumas breves
reflexões acerca de ambos.
Na missa que presidi,
a primeira questão que me veio foi: por que, na maioria das vezes, ou nos casos
mais conhecidos, todos aqueles que se dedicam à Igreja, como a uma esposa
amada, tem um destino tão cruel quanto o martírio desses apóstolos e dos
demais, a exceção de João que passou ileso do banho de azeite fervente? Não
apenas pelo fato de a sorte do discípulo não ser maior que a do seu mestre (Cf.
Mt 10, 24), mas aplico também ao objeto de seu amor, pois é grande o mistério do
amor de Cristo à sua igreja (Ef 5, 32), ao ponto de Paulo fazer este vínculo:
esposos amem suas mulheres como Cristo amou a Igreja (Ef 5, 25). Assim compara
discípulo a esposo.
O que vemos na vida
comum talvez nos ajude a entender o que ocorre na Igreja, uma vez que são os
mesmos atores que desempenham seus papeis em ambos cenários. Qual o sentimento
mais comum que tem levado os apaixonados a atitudes tão incruentas de
violência? Ou o que levaria alguém a querer e até conseguir afastar um amado de
quem ele ama? Acaso o vilão também ama a mesma pessoa? Seria então o ciúme, a
venda nos olhos que tem cegado tantos de outrora quanto os de agora, até
cometerem atos de assassinato para afastarem os amores da esposa?
Desde antes de Cristo,
desde Adão, nas figuras bíblicas da Igreja, o amor à esposa sempre foi pago com
um preço alto. Refiro-me no âmbito espiritual, e entenda aqui esposa por aquela
figura adornada da única beleza que encantaria o seu esposo divino. Entendam-se
estas comparações: esposa com a Nova Jerusalém (Cf. Ap 21, 9s), o povo
redimido, portanto a Igreja imaculada e o esposo com o Cristo (Cf. Jo 3, 29). Esta
é para mim uma situação intrigante: o modo como tentam separar o esposo da
esposa, todas as vezes em que se amam.
Vendo os martírios de
Pedro e Paulo, sem ignorar a história primitiva da Igreja, entendo que nem
sempre o amor daqueles que desposam a única esposa de Cristo, por antonomásia,
a Igreja, a conquistam pacificamente. Assim como “o reino dos céus padece
violência e só os violentos entrarão nele” (Mt 11, 12), essa mesma violência
alcança a vida do cristão de diversas maneiras.
A violência do cristão
não é uma violência comum. O uso cristão da violência é haurir dela sua
impetuosidade, veemência, força, ardor, intensidade. Ouso em dizer que
precisamos de cristãos violentos, corajosos o suficiente para que sejam capazes
de se violentarem pela cruz de Cristo, loucura deste mundo, e que sejam
rejeitados pelos ímpios (1Cor 1, 18), não seus cúmplices. O testemunho das
primeiras comunidades declara ser uma ‘necessidade’ que “se passe por muita tribulação
para entrar no reino de Deus” (At 14, 22).
Igreja e Reino de Deus
estão fundamentalmente entrelaçados. A Igreja existe em função do Reino, ela é
o seu portal. Não é um fim em si mesma, mas se abre para acolher e preparar
todos quantos queiram dele participar. O Reino é celeste e a Igreja terrestre.
Ela é sua porta e escada. Nosso Senhor lhe faculta as chaves do céu. A Igreja
faz as vezes de uma camareira. Está para destinar os hospedes aos seus
aposentos e lhes servir. Mas como esposa faz as vezes do esposo, em quase tudo.
Tem a autoridade da propriedade, mas não a sua posse. Está para o zelo, não
para o comércio. Tem as chaves, mas não se engana, não é viúva. Não se desfaz
de nada do que lhe foi confiado pelo esposo, uma vez que o esposo também não
perdera nenhum bem de herança (Jo 18, 9). O segredo das chaves é o mesmo dos
dons e dos talentos (Cf. Mt 25, 14-30), o mesmo dos administradores ainda que
infiéis (Cf. Lc 16, 1-13), eu arriscaria em dizer que o segredo é ‘usá-las’!
14.
Responderam: Uns dizem que é João Batista;
outros, Elias; outros,
Jeremias ou um dos profetas.
As chaves são dadas no
contexto da profissão de fé de Pedro. Em meio a tantas opiniões vagas e
heresias, mentiras sobre quem é Jesus, eis uma afirmação diferente daquela dos demônios
antes dos porcos (Mt 8, 28-34), pois não apenas o reconhece como Filho de Deus,
mas como o Messias. Esta profissão é feita por um homem fraco na fé, que afunda
em meio ao vento e agito do mar (Mt 14, 30), pois deixou de manter os olhos
fixos em Jesus; um apóstolo que nega sua própria identidade para se livrar da
condenação (Cf. Lc 22, 54-57), que teme enfrentar Jerusalém ao lado do seu
Mestre (Cf. Mt 16, 22). Apesar de toda esta fraqueza Pedro faz uma afirmação que
revela sua espiritualidade e sua intimidade com o Pai eterno.
15. Disse-lhes Jesus: E vós quem dizeis que eu sou?
16.
Simão Pedro respondeu:Tu és o Cristo, o Filho de Deus vivo!
17. Jesus então lhe disse: Feliz és, Simão, filho de Jonas,
porque não foi a carne
nem o sangue que te revelou isto, mas meu Pai que está nos céus.
Convicção e chaves. O
que você faria se as tivesse? Não sei sua resposta. Mas sei que Jesus entregou
duas coisas naquela hora a Pedro: a edificação da sua Igreja e as chaves que
ele já tinha no início da obra. A entrega das chaves costuma ser a última coisa
de uma edificação. Até o seu término ela está aberta a todos os trabalhadores e
em fase de acabamento recebe tapumes. Suas portas e fechaduras costumam ser as
últimas coisas.
Que obra diferente é a
Igreja de Cristo. Não são as portas em função do edifício, mas o prédio que
será construído em função da fechadura. Deverá ser planejada segundo a
fechadura para a qual aquelas chaves servem. Não só abre e fecha, mas liga e
desliga. E nós sabemos que na teologia católica o desligar ao qual Jesus se
refere é desligar do poder do mal personificado em satanás.
18.
E eu te declaro: tu
és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja;
as portas do inferno
não prevalecerão contra ela.
As chaves podem
desligar o mal. Será que entendi bem? “O que for ligado na terra será ligado no
céu e o que for desligado na terra será desligado no céu.” Meu Deus, já vem me
indagando, quanta confiança! Sei que ninguém erra em confiar, muito menos Deus.
Mas não sei o que ocorre conosco que não temos sabido o que fazer com tanta
confiança. Se me permitem continuar eu diria ou apelaria, até gritaria, se
preciso fosse: USE AS CHAVES! Abra! Desligue! Pois sei que seria muito melhor
que guardá-las como relíquia ou usá-las para fechar ou ligar algo ou alguém ao
Mal. Pois se Nosso Senhor as abriu na ascensão, ele não daria as chaves para
que trancássemos aquelas portas. Ainda mais, quem arriscaria fechar as portas que
Deus abriu?
19. Eu te darei as chaves do Reino dos céus: tudo o que ligares
na terra será ligado nos céus,
e tudo o que desligares
na terra será desligado nos céus.
Que portas se abram para ti! Tenha uma boa semana e feliz
festa de Pedro e Paulo, chaves e espada da Igreja!
Glória ao Pai e ao Filho e ao Espírito
Santo...
28.06.2015
Pe. Adeilton Santana Nogueira
http://diariosergipano.com.br/site/2015/07/05/use-as-chaves/
Pe. Adeilton Santana Nogueira
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