domingo, 30 de agosto de 2015

“CONHECE-TE A TI MESMO”

Mc 7, 1 – 8; 14 – 15; 21 – 23.

Meditamos quatro evangelhos sobre o Pão da Vida em cinco semanas, inclusive a festa da Assunção de Maria. Agora retomamos a sequência de São Marcos, quando tínhamos parado no capítulo sexto, outra série de três domingos. Jesus tinha Se retirado para um lugar deserto e afastado com os seus apóstolos, mas a multidão o seguia e logo chegaram pessoas de diversos lugares; nem deserto, nem distância afastam o povo sedento de Deus, ao ponto de Jesus se compadecer como aquelas ovelhas sem pastor (ver textos anteriores).

Entre tantos que o seguiam, era de se esperar que alguns curiosos não tivessem fé, ou mesmo o traíssem, justamente, pelo que acreditam ser certo e verdadeiro. Há, inclusive, aqueles que vieram para observar e estudar o seu comportamento. Estão misturados na multidão apenas para analisar, julgar e condenar. O método é conhecido: conhecer o adversário; levantar estratégias para vencer; associar e promover inimigos comuns; esconder armadilhas; semear discórdias, dúvidas e difamações; persuadir o povo; promover os fracos com falsas preocupações e implantar ideias perniciosas.

1. Os fariseus e alguns dos escribas vindos de Jerusalém tinham se reunido em torno dele. 2. E perceberam que alguns dos seus discípulos comiam o pão com as mãos impuras, isto é, sem as lavar. 3. (Com efeito, os fariseus e todos os judeus, apegando-se à tradição dos antigos, não comem sem lavar cuidadosamente as mãos; 4.e, quando voltam do mercado, não comem sem ter feito abluções. E há muitos outros costumes que observam por tradição, como lavar os copos, os jarros e os pratos de metal.)

A comunidade dos crentes precisa ser mais esperta. As víboras venenosas estão em toda parte (Mt 12, 34), por que faltariam na comunidade cristã? Não são inimigos da fé. Elas a conhecem (Cf. Gn 3, 1) e praticam a religião como nenhuma outra. São pessoas ‘exemplares’, ‘perfeitas’, propagandistas de si mesmas. Têm pele grossa, costas largas e couro de sapo. Suas escamas empavonadas as embelezam elegantemente. Sua língua é convicta, pois defendem suas vidas a fogo e brasa; já sua eloquência é copiada de livros. Citam frases jamais lidas. Uma sabedoria de ‘ouvir dizer’, sem originalidade. Assim são os sepulcros caiados que também seguiam Jesus (Cf. Mt 23, 27). Como disse João Batista: “Raça de víboras, quem vos ensinou a fugir da cólera vindoura? Dai, pois, frutos de verdadeira penitência.” (Mt 3, 7 - 8)Isto, ao ver que muitos dos fariseus e saduceus vinham ao seu batismo.

5. Os fariseus e os escribas perguntaram-lhe: Por que não andam os teus discípulos conforme a tradição dos antigos, mas comem o pão com as mãos impuras?

Desculpe quem me lê, mas isto beira a comicidade. É hilária esta pergunta frente ao Mestre. Zombam dEle com quinquilharias, lançam-lhe pedrinhas de calçada! Pense bem caro leitor, você acha mesmo que Jesus estava preocupado com o metro de costura, o tamanho do cabelo, a cor dos olhos, a quantidade de comida, o dinheiro no bolso ou posturas comezinhas? Para muitos sim, as aparências e posturas são mais importantes do que as intenções e até o ser pessoa, ser humano. São Jerônimo já dizia que “as nossas intenções batizam as nossas ações”. Creio que ainda precisamos meditar mais sobre isto.

Alguns de nós esmiuçam tanto as ações dos irmãos que não conseguem mais ver a intencionalidade das próprias. Não enxergam o argueiro no próprio olho. (Cf. Mt 7, 5) No entanto, não cegaram apenas a si mesmos, mas conseguiram também escurecer o ambiente em que vivem. Cegam os demais com a influência do seu modo de ser, de agir e de pensar. Deus me livre de um líder cego! Deus me livre de um líder que não se enxerga! Ele também conseguirá cegar aqueles a quem guia e os levará ao buraco, ao caos, à cegueira de suas idiotices. (Cf. Mt 23, 24 e Lc 6, 29)

6. Jesus disse-lhes: Isaías com muita razão profetizou de vós, hipócritas, quando escreveu: Este povo honra-me com os lábios, mas o seu coração está longe de mim. 7. Em vão, pois, me cultuam, porque ensinam doutrinas e preceitos humanos (Is 29,13).

Se eu estava maldizendo alguém, se você identificou alguém com as minhas palavras não se apresse. Jesus diz ainda mais. Chama de hipócrita esse tipo de pessoa. Uma vez que não xinga, as assertivas de Jesus  não são pecaminosas. Logo, podemos, sem pecar, lançar um olhar, ouvidos e palavras mais firmes a esses ‘irmãos’ que O seguem para desconstruir a Sua missão, desmerecê-Lo e, por fim, eliminá-Lo na cruz. Quanto a esse tipo de gente, o Senhor declarou: “Este povo honra-me com os lábios, mas o seu coração está longe de mim”. Chega a ser confortante saber que o culto dessa gente de nada lhes adianta. Como bem profetizou Isaias: “De nada serve trazer oferendas; tenho horror da fumaça dos sacrifícios. As luas novas, os sábados, as reuniões de culto, não posso suportar a presença do crime na festa religiosa.” (Is 1, 13) Não agrada a Deus, apesar do cenário e toda a parafernália montada para embelezar o momento.

Há de se tomar muito cuidado com as indumentárias, mesmo as litúrgicas, para que não roubem a cena de Jesus e o cerimonial não fale mais do que o próprio evangelho. Se na comunicação há ‘ruídos’, ou seja, aquilo que atrapalha a transmissão da mensagem, a comunicação visual não estará isenta deste erro. Não raro tanta coisa aparece no cenário religioso que desloca o centro das atenções para o ministro ou para um enfeite, quando Jesus e a sua Palavra são essenciais. Inclusive, na crítica da arte, quanto mais cenário menos enredo. Quanto mais adereços menos texto. Quanto mais recursos visuais menos palavras. Já sabemos em que isto vai dar. O risco é de encher de tanta coisa que acaba esvaziando o sentido. Jesus já deixou claro ao dizer: “Em vão me cultuam”, quando se referiu a corações dispersos. Nada disso deve ser central ou ganhar mais sentido do que Ele. Já os fariseus usavam suas longas franjas e filactérios (citações bíblicas amarradas à testa), e Jesus a denunciou também por não traduzirem o coração. (Cf. Mt 23, 5)

8. Deixando o mandamento de Deus, vos apegais à tradição dos homens.

Ledo engano achar que “Deus vê pelos olhos do povo”ou que “a voz do povo é voz de Deus” ou ainda que “Deus quis assim”. Há muito o deixaram para serem senhores de si mesmo. Algumas comunidades e pessoas se tornaram acéfalas. Não seguem a cabeça que é Cristo. Mas, com certeza, elegeram outra autoridade. Outra realidade ou pessoa domina o seu coração e vontades. A vontade de Deus passou a ser condicionada por estes outros valores, sejam morais ou ideológicos, sejam particulares ou de um grupos forjados na tentativa da manutenção dos status quo, do qual não pretendem abrir mão, custe o que custar. Víboras sanguinárias, raposas selvagens, sepulcros fétidos, hipócritas!

As tradições humanas que se opunham a Jesus tomaram novo vigor, uma nova roupagem lhe foi conferida. A sociedade, de tempos em tempos, traz questionamentos muito particulares, porém dialéticos. Se avaliarmos bem, concluiremos que já trataram desses temas no passado; senão já os deveríamos ter tratado e elucidado. Tudo aquilo que não resolvemos voltará a ser assunto de pauta. Antigas ou más explicações sempre precisarão de novo esclarecimento.

Arriscarei um conselho. Na argumentação é necessário coerência entre as proposições. As palavras e o sentido delas precisam estar no mesmo campo de ideias para, somente depois, ligar os conjuntos, fazer relação, buscar comparações e até mesmo concluir algo. Fora isto será forçoso que ideias mal pensadas convençam alguém, costumes particulares definam uma sociedade ou mesmo o ‘querer pessoal’ dite aos céus a vida intradivina. Vale rezar de novo, pois quando rezamos dizemos: “assim na terra, como céu” (Mt 6, 10) e não o contrário!

14. Tendo chamado de novo a turba, dizia-lhes: Ouvi-me todos, e entendei. 15. Nada há fora do homem que, entrando nele, o possa manchar; mas o que sai do homem, isso é que mancha o homem.

Agora sim, Jesus, começa a ficar claro que, no Seu ensinamento, examinar-se para descobrir a raiz das próprias intenções, e por que elas surgiram ali, é caminho de purificação, de ascensão, de evolução da alma humana. Quão confortante é saber que nada, absolutamente nada do que me digam, daquilo que ouço ou fico sabendo, daquilo que como, daquilo que visto ou me ensinam, inclusive, pode me manchar. Entretanto, é desafiador saber que, apesar da influência do meio, a decisão de permanecer em mim será sempre minha. Nada de fora de mim tem o poder de me manchar. A não ser que saia de dentro, mesmo aquilo que é concebido em mim, não pode me manchar. A grande batalha é de mim para comigo mesmo, melhor, entre mim e meus gênios e demônio. Uma saga épica que vai tecendo a minha vida e me fazendo ser quem sou, um construção.

21. Porque é do interior do coração dos homens que procedem os maus pensamentos: devassidões, roubos, assassinatos, 22. adultérios, cobiças, perversidades, fraudes, desonestidade, inveja, difamação, orgulho e insensatez. 23. Todos estes vícios procedem de dentro e tornam impuro o homem.

Até aqui, acredito eu, achávamos que tudo isso era da sociedade. O medo moderno da violência nos entrincheirou em nossas casas, mas não em nós mesmos. Tememos tudo o que é externo a nós; desconfiamos da própria sombra. Perdemos amigos, parentes, amores, quando na verdade estamos nos perdendo. Volta-te a ti mesmo! Cai em si! Examina-te! “Conhece-te a ti mesmo!” Não é este o famoso aforismo do Óraculo de Delfos que tanto inspirou o filósofo Sócrates? Em Cristo, há verdades divinas nesta máxima. Em Cristo, conhecer-se é o fundamento para agradar a Deus, uma vez que é a origem do amor ao próximo (Cf. Mt 22, 39). A intimidade consigo, longe de ser um intimismo, é autocontrole e identidade. O self, o si mesmo que tantos investigam é a finalidade e origem de toda convicção, o cerne da consciência e o combustível do coração. Acioná-lo é um toque duplo no botão on da vida mais autêntica, seja para cristãos ou não. Um toque meu e outro de Deus.

Ah, meu Deus, se conseguíssemos cuidar de nós mesmos! Se conseguíssemos nos acessar e aplicar as soluções que temos para o mundo, para a sociedade, para a vizinhança, para os filhos, conosco mesmos! Ah, se eu conseguisse fazer comigo o que espero dos demais! Se eu conseguisse ser o amigo que eu gostaria de ter! Ah, se eu conseguisse fazer ao meu semelhante aquilo que eu gostaria que fizessem comigo! (Cf. Mt 7, 12) Penso que muita coisa mudaria na minha vida, em casa, na minha rua, no trabalho, na sociedade, na minha espiritualidade!

Tenha uma semana abençoada e gaste mais tempo conversando com você!

Glória ao Pai e ao Filho e ao Espírito Santo...

30 de agosto de 2015

quarta-feira, 26 de agosto de 2015

ESTOU INDO EMBORA!

Jo 6, 60 - 69

A fuga é também uma saída possível não apenas diante dos conflitos, tampouco fácil, a depender da situação. Não raro, sair de cena, deixar pra lá ou nem enfrentar certas situações é realmente a melhor opção. Mas como saber escolher? Como saber quando a verdadeira coragem vem fantasiada de covardia? No entanto a citação que segue não parece se enquadrar neste dilema.

60 Depois que ouviram essas coisas muitos dos discípulos de Jesus que o escutaram, disseram: “Esta palavra é dura. Quem consegue escutá-la?”

Antes do mais precisamos relembrar a que se referem. Na semana passada, celebramos a Assunção de Maria, festa que intervalou a continuidade da leitura sequenciada do capítulo sexto de São João. Hoje encerramos a pericote, porém não a entenderemos sem antes voltar ao contexto. Que palavra dura foi essa que ninguém conseguiu escutá-la?

Lembre que duas semanas atrás terminamos com este versículo: “Eu sou o pão vivo descido do céu: quem comer deste pão viverá eternamente. E o pão que eu darei é a minha carne dada para a vida do mundo”. (Jo 6, 51) Esta é a frase terrível que as autoridades dos judeus começaram a discussão: “Como pode esse homem dar-nos a sua carne para comer?” (Jo 6, 52) E assim deturparam o sentido da palavra para uma antropofagia (comer carne humana). Mentira que durou até ao início da Idade Média, quando alguns ainda criam que os cristãos se alimentavam da carne de crianças recém-nascidas, do tipo “menino Jesus”.

61 Sabendo que seus discípulos estavam murmurando por causa disso mesmo, Jesus perguntou:”Isto vos escandaliza?” 62 E quando virdes o Filho do homem subindo para onde estava antes? 63 Espírito é que dá vida, a carne não adianta nada. As palavras que vos falei são espírito e vida.

Sabe aquele ditado: “Quem tem boca diz o que quer”? Acho que no tempo de Jesus já era assim. E entre os seus discípulos também. Algumas pessoas, ou manipuladas por outras ou deturpando a verdade, escondem-se do verdadeiro sentido daquilo que Jesus quis dizer e tornam a esconder o que Ele disse. Assim nem vivem nem pregam, tampouco são cobradas do que não disse, pois não vivem. Qual a polêmica em questão mesmo? Não esqueça: “minha carne é verdadeira comida e meu sangue é verdadeira bebida”. (Jo 6, 55) Há passagem mais constrangedora para judeus e cristãos? Ateus, pagãos, carolas, beatos e sacristãos, religiosos e pecadores, ou melhor, religiosos pecadores, todos nos delatamos na hora da comunhão, quem está ou não recebendo-O dignamente, ou a sua própria condenação.

64 Mas entre vós há alguns que não creem”. Jesus sabia, desde o início, quem eram os que não tinham fé e quem havia de entregá-lo.

Sim, irmão e irmã, há incrédulos entre os discípulos. Há delatores dos outros, quando precisavam olhar a trava nos próprios olhos. Mas se eles traíram e descreram de Jesus o que sobraria para nós? Flagelação, crucifixão, cusparadas e socos, chibatadas; até um beijo de traição. Mas Ele sabia, desde o início, quem eram esses que não tinham fé. Será que foi cúmplice dos seus algozes? Ou como dizem por aí: “alimentou a cobra que o mordeu”? Será que erra quem confia em maus amigos; quem convoca para sua equipe pessoas insuficientes e despreparadas ou quem recebe em casa os inimigos que não se revelaram? Ou essas pessoas não foram capazes de nos surpreender acreditando em si mesmas quanto acreditávamos nelas?

65 E acrescentou: “É por isso que vos disse: ninguém pode vir a mim a não ser que lhe seja concedido pelo Pai”. 66 A partir daquele momento, muitos discípulos voltaram atrás e não andavam mais com ele.

Também eu aprendi com a vida a deixar ir aqueles que não permaneceram comigo nas crises que passei e passo. Não foi eu quem as descartou; simplesmente elas não fizeram falta, pois consegui atravessar a aridez sem o refrigério de suas palavras ou o acalento de seus afagos. Passei sem eles, pois nunca os tive de fato. Não há do que lamentar, a não ser do quanto perdemos o tempo que passamos juntos, negados pelas verdades de hoje. Se foram verdadeiros, deixemos que outros tempos os confirmem. Quem sabe aqueles discípulos que abandonaram Jesus não retornariam mais tarde, de alguma forma!

Mas, para onde foram? Para onde iriam pessoas que conheceram Jesus, ainda que superficialmente? Sem nos apressarmos em julgá-las, valeria a pena nos colocarmos em seus lugares. Para onde você iria hoje se deixasse de seguir Jesus? Bebidas, sexo, solidão, e mais o quê? Por que pensar em vícios quando se deixa a religião? Há outras religiões tão mais acolhedoras e menos exigentes, menos legalistas que algumas cristãs! Onde está a dita verdade, a dita vida em abundância, quando vemos tanta hipocrisia e campanha, tanto pede-pede e escândalos, tanto show, evento, reunião e pouco culto? Às vezes tenho a impressão que os “sem fé” não saíram, quem saiu foi o que crê. É por isso que Jesus faz logo um apelo. Ele não quer perder, por causa dos incrédulos, também os que creem.

 67 Então, Jesus disse aos doze: “Vós também vos quereis ir embora?” 68 Simão Pedro respondeu: “A quem iremos, Senhor? Tu tens palavras de vida eterna. 69 Nós cremos firmemente e reconhecemos que tu és o santo de Deus”.

Agora tem uma coisa, quem crê de fato precisa ser capaz de ficar. E para isso precisa de coragem. Vai engolir muito sapo e tem que ter couro de jacaré, olhos de águia e boca de siri, ouvidos surdos, porém joelhos calejados e mãos postas, e ainda costas largas para carregar o peso dos outros. Não vai poder luxar nem acumular; deve dar do que tem e ainda pedir para alguém. Isso levando nome de ladrão, promíscuo e infiel, se der sorte e sua comunidade gostar de você! Se não gostar te crucificarão e darão um jeito de colocar uma placa bem grande justificando a sua condenação. É assim que fazem!

Achou demais? Então não conhece Jesus! Não sabe pelo que Ele passou! Já passa por isso? Alegre-se, você já se parece com Ele. Não que as pessoas te reconheçam, mas Ele te reconhece; você já O segue! Sem perseguição não há cristão autêntico. A sorte do discípulo não é a maior que a do seu senhor. Engana-se quem pensa que está certo quem está no conforto de sua estabilidade religiosa ou nas benesses de sua reputação. Antes o desprezo ao conluio; antes a fome ao roubo; antes o silêncio à mentira; antes a fé à perdição; antes a perda à frustração. Basta-nos a certeza de “a quem iremos”. Esta é a nossa meta e o Caminho a ser trilhado.

Assim seguimos em frente de cabeça erguida e enquanto ‘os cães ladram, a caravana passa’. Tenha uma feliz e santa semana!

Glória ao Pai e ao Filho e ao Espírito Santo...

23.08.2015

domingo, 16 de agosto de 2015

ÉS BENDITA!

Lc 1, 39 – 56

Celebramos neste domingo a Assunção de Maria, a sua subida ao céu em corpo e alma. Assunta porque foi levada, como se crê, pelos anjos de seu Filho. Ele, por sua vez, ascende aos céus na Páscoa, porque sobe por Si mesmo. Há uma diferença entre ser levado e ir por conta própria. Porém, no caso de Maria e de Seu Filho é uma diferença de extrema união, tanto física quanto espiritual.

A união física é a de que ambos têm corpos humanos. E já que não poderia conhecer a corrupção o corpo do Redentor, assim também o corpo no qual e do qual Ele foi gerado, sem concurso algum ou mistura de um homem, uma vez que José não ‘conheceu’ Maria, assim também não poderia conhecer a corrupção um corpo que não cometeu pecados, pois que a morte é o salário do pecado (Cf. Rm 6, 23).

O dogma da Assunção de Maria está intimamente entrelaçado aos outros dogmas marianos; é quase que uma conclusão. Se é verdade que ela é virgem antes, durante e depois do parto; se é mãe do Filho de Deus, Deus com o Pai, gerado, não criado; se a carne do Redentor não poderia ser nascida no pecado, logo nasce de um corpo sem pecados, a Imaculada Conceição; se tudo isso é verdade, não é de se ignorar a excelência e semelhanças entre Maria e seu Filho.

Toda afirmação dogmática mariana se dirige antes às realidades de seu Filho. Se é virgem é porque Ele é a Luz do mundo concebido por obra do Espírito Santo. Lembro-me bem de um pastor que tentava convencer o meu saudoso pai, à porta de casa, em Tobias Barreto – SE (já vão alguns anos isto) sobre Maria não ser virgem ao menos após o parto, pois José lhe dera outros filhos, argumentava ele.

Há inúmeras incorreções teológicas naquelas afirmações, mas preferi dialogar pelo bom senso. Dirigindo-me a ele, perguntei: “Se sua esposa fosse escolhida para ser o canal do ingresso de Deus no mundo, o nascimento do redentor, e o senhor fosse avisado disso, o que faria durante os meses de gestação dela?” Perguntei ainda se não lhe serviria como a uma ‘deusa’, como fazem os pais apaixonados pelas suas famílias, e se depois que ‘Deus-com-o-Pai’ nascesse, se ele acreditava que Deus teria santificado tanto o ventre quando a pessoa que ele fez extensão do céu para gestação do Seu Filho. Por fim, ainda questionei se ele invadiria ‘o céu na terra’ (o ventre da eleita de Deus) para satisfazer os seus prazeres carnais. Confesso que não aguardei a resposta, apressei-me e continuei: “José que é justo não o fez! Você faria?” Ele montou a sua bicicleta e se despediu de meu pai.

Se o título de ‘Mãe de Deus’ soa como excesso para alguns poucos ou nada devotos, precisava ainda ouvir que jamais lhe prestaremos um culto ou devoção à altura do que Deus lhe devotou. Por mais que a defendamos, jamais a teremos como filha; por mais que a chamemos de mãe, jamais poderemos afirmá-lo como o fez o seu Filho legítimo e único; por mais que a amemos, jamais a desposaremos. Esta é a devoção e amor que a Santíssima Trindade lhe demonstrou. Quis por filha, mãe e esposa. O argumento não é meu, embora use-o frequentemente.

Lembro também que havíamos acabado de adentrar a gruta íngreme e úmida, de calçamento rústico, ambiente escuro para iluminação natural, onde o corpo de Maria havia sido deixado após o seu desfalecimento, em Jerusalém, e ainda o grupo não chegara todo, o guia começou a contar a história de por que o corpo de Maria não estava mais ali. Ele nos contou uma antiga tradição de quando Maria fora sepultada e um dos Apóstolos, S. Tomé, não podendo estar presente, ao retornar e saber da triste notícia, pedira para removerem a pedra que lacrava o sepulcro, pois queria olhar e se despedir pela última vez. Quando abriram, apenas viram as faixas que a envolviam, e fora aspirado um aroma de rosas como se, de dentro da gruta, um vento o soprasse. Confesso que me envolvi de tal maneira nesse relato admirável que, naquela hora, também eu cheguei a sentir o forte aroma.

Não raro, em vários lugares, em Jerusalém, você encontra referências de por onde Maria passou. Tranquilamente se pode fazer uma peregrinação mariana na Terra e na Cidade Santa. Mesmo que decida por seguir os passos de Maria, perceberá, a caminho, que ela não trilhava uma estrada sua, não seguia os próprios passos, pois quem caminha sobre as próprias pegadas ou anda em círculos ou não sai do lugar onde está. Maria, desde sempre, seguiu a Via Christi, trilhou o caminho de seu Filho. E isto, inevitavelmente, descobre quem segue Maria. Decerto, chega a Jesus, a quem ela segue e por Quem ela caminha.

O evangelho de hoje nos diz que “Naqueles dias, Maria se levantou e foi às pressas às montanhas, a uma cidade de Judá. Entrou em casa de Zacarias e saudou Isabel.” (Lc 1, 39s) O deserto que ela atravessou para chegar ao povoado de sua prima, Ain Karim, fica a uma légua da Jerusalém de seu tempo, não era lugar de mocinhas solitárias, ainda que destemidas. Algo além da coragem e do desejo de ajudar era necessário, algo do tamanho da fé, como segue o evangelista dizendo: “Ora, apenas Isabel ouviu a saudação de Maria, a criança estremeceu no seu seio; e Isabel ficou cheia do Espírito Santo. E exclamou em alta voz: “Bendita és tu entre as mulheres e bendito é o fruto do teu ventre.” (Lc 1, 41s)

Agora sim podemos entender quem dá força aos passos dessa menina, em tudo figura da fragilidade do seu povo, uma mulher, uma menina, grávida em tenra idade, sem marido. Também tentada a se achar abandonada como a sua nação (Cf. Is 62, 4). Porém, ciente da surpresa de Isabel: “Donde me vem esta honra de vir a mim a mãe de meu Senhor? Pois assim que a voz de tua saudação chegou aos meus ouvidos, a criança estremeceu de alegria no meu seio.” (Lc 1, 43s) Jamais orgulho algum a seduziu. Isabel cita o Rei David, o que compara  Maria com a Arca da Aliança (2 Sam 6, 9), pois ela sabia lhe habitava o Verbo e o Pão, a Torah e o Maná, a lei e o alimento.

Isabel não foi a única e nem será a última a proclamar Maria Bendita “entre as mulheres”, pois o mesmo texto traz imediatamente a justificativa disto:  “bendito é o fruto do teu ventre”, razão pela qual nenhum cristão deveria se furtar de continuar fazendo parte da geração que a proclama ‘Bendita”, a exemplo dos protestantes que assinam o ‘Manifesto de Dresden’, em maio de 1982, na Alemanha. Ainda mais excelente é a saudação imperial do arcanjo Gabriel: “Ave, Cheia de Graça, o Senhor é contigo!”Pois eu testifico: se Deus é contigo, ó Virgem Santíssima, e eu quero estar onde Deus é, também quero ser contigo.

Lemos que Maria meditava todas as coisas em seu coração (Lc 2, 19). De fato as maiores certezas da nossa vida devem ser uma conclusão e decisão experimentadas no mais profundo de nós mesmos. Essas convicções movem vidas e encadeiam atitudes exemplares, estimulantes. Isabel louva Maria repetindo benditos. O que segue louva a sua fé: “Bem-aventurada és tu que creste, pois se hão de cumprir as coisas que da parte do Senhor te foram ditas!” Sim, muitas coisas foram ditas a Maria e a mais ninguém.

Os profetas ouviram e proclamaram oráculos do Senhor, mas nem mesmo o velho Simeão, que toca o menino ferindo seu corpo no talho do prepúcio, ouviu, com exclusividade, a boa nova ansiada e ensinada pelos rabinos. A proclamação de Simeão, de que seus “olhos viram a salvação” (Lc, 2, 29), será uma repetição do que o anjo disse a Maria e a José. Mas, sobre a revelação a José vale lembrar: “Ela dará à luz um filho, a quem porás o nome de Jesus, porque ele salvará o seu povo de seus pecados.” (Mt 1, 21)

O nome mesmo de Jesus, transliterado da forma hebraica Yeshua, vem do verbo ‘salvar’, salvação’, porém sua semelhança com o nome de Josué, transliterado do hebraico Yehoshua, significa ‘Deus (YHWH) salva’. Salva de que ou de quem? Dos nossos pecados, segundo o sonho de José. Aquele cujo nome opera a salvação de Deus dos nossos pecados, decerto, foi eficiente naquela cujo corpo formou o Seu. E se o Seu, que dependeu do dela, não se corrompeu, também o dela, que dependeu do Seu, não se corromperia.

46.E Maria disse: Minha alma glorifica ao Senhor, 47.meu espírito exulta de alegria em Deus, meu Salvador, 48.porque olhou para sua pobre serva. Por isto, desde agora, me proclamarão bem-aventurada todas as gerações, 49.porque realizou em mim maravilhas aquele que é poderoso e cujo nome é Santo. 50.Sua misericórdia se estende, de geração em geração, sobre os que o temem. 51.Manifestou o poder do seu braço: desconcertou os corações dos soberbos. 52.Derrubou do trono os poderosos e exaltou os humildes. 53.Saciou de bens os indigentes e despediu de mãos vazias os ricos. 54.Acolheu a Israel, seu servo, lembrado da sua misericórdia, 55.conforme prometera a nossos pais, em favor de Abraão e sua posteridade, para sempre.

O verso que encerra a perícope de hoje pretende encerrar também a catequese deste texto: “Maria ficou com Isabel cerca de três meses. Depois voltou para casa”. (Lc 1, 56) o anjo, após a saudação e anúncio máximo de suas falas, retira-se. Ela também se retira após o nascimento de João Batista. Cada um segue com a sua vida, participando da vida do outro, com uma mensagem bem definida, com data para começar e prazo para acabar. Tudo que tem um começo tem um fim.

Na panorâmica e na sequência dos acontecimentos percebemos como há uma linha histórica única. Contudo, nem sempre, notamos quem ou o que fez os cortes e as montagens nas passagens mais significativas da nossa trilha pessoal. Nesse longa metragem há muitos atores, muito coadjuvantes, inúmeros figurantes e excelentes profissionais, mas há penetras e oportunistas também, porém todos contracenamos com o protagonista. É Dele o papel principal. Quem não O reconhece atua sozinho e rouba a cena, melhor, perde o espetáculo e trai o roteiro; dispersa a ribalta e decepciona a plateia.

Cada um de nós, em sua vida espiritual, precisa encontrar o seu lugar entre os irmãos e perante Deus. Olhando o exemplo que Deus fez de Maria é certo que nos guiaremos. Seguindo os exemplos de Deus, é inegável a garantia de êxito. Ignorá-los beiraria a dúvida em seus caminhos. Maria foi exemplo também para o Seu Filho, pois a todos que cumprirem a vontade do Pai Ele quis chamar de mãe e irmãos, e isto o afirmou diante daquela que antes Lhe dissera: “Eis aqui a serva do Senhor, faça-se em mim segundo a Sua vontade!”. (Lc 1, 38)

Desejo a você e a toda sua família uma semana abençoada. E que ao menos conheça o que Deus fez pela jovem Maria. Quem sabe Deus faça por você o que sempre fez por ela!

Glória ao Pai e ao Filho e ao Espírito Santo...
16.08.2015

domingo, 9 de agosto de 2015

SER BEM (EU)

Jo 6, 41 – 51

Na semana passada havíamos dito que aprofundaríamos a imagem do alimento ingerido que se converte em um só ser junto a quem o ingere. Na verdade o que pretendemos é dizer diferente, pois S. Agostinho já nos tinha explicado o que ocorre na refeição sagrada. Ele parte do cenário de uma guerra onde quem é mais poderoso vence o mais fraco e diz que na comunhão do Corpo de Cristo não é Ele, como alimento, quem se transforma no comungante, mas aquele que o recebe é quem vai se configurando a Cristo.

Na digestão comum é um pouco parecido com isto. Quando nos alimentamos, as substâncias, discretamente, são distribuídas em nosso organismo trazendo vitalidade ou mesmo alguma anormalidade. Mas as diferenças da mesa de Jesus e das nossas são bem maiores que as suas semelhanças. O alimento que é Jesus é de vida eterna e, por isso, se traz condenação é porque foi tomado indignamente (1Cor 11, 27).

41 Os judeus começaram a murmurar a respeito de Jesus porque havia dito: “Eu sou o pão que desceu do céu”.

Este capítulo sexto de São João ainda será lido por mais dois domingos. Há muito que aprofundar nesta catequese do Pão da Vida. Estamos no meio do Ano Litúrgico, como já afirmamos, e estamos sendo preparados para a decisão mais importante do cristão: viver Jesus. Esta é uma mudança de mentalidade que diz respeito a toda a vida, ou melhor, à vida inteira. Sem pedaços, sem horários repartidos, do tipo ‘é a minha vida’ ou ‘faço o que quero’.

A figura do alimento se presta para esta imagem da necessidade vital e da humildade de que a vida não está dentro de nós, em nós mesmos como se fosse algo que se nutra sem alguma recarga externa. A vida que temos nos foi dada, e continua sendo dada, e é encontrada de fora para dentro. Assim como o alimento ela é cultivada e colhida; nasce fora, mas deve ser ingerida, saboreada, digerida e convertida novamente em ação externa de cultivo da própria vida. Essa dinâmica circular é envolvente. Lembra a vida divina que não se encarcerou nos céus, mas nos criou e se dirige a nós.

42 Eles comentavam: “Não é este Jesus, o filho de José? Não conhecemos seu pai e sua mãe? Como então pode dizer que desceu do céu?”

Há um mistério cósmico, físico quântico, em tudo que fazemos e somos. Estamos, inevitavelmente, ligados uns aos outros. Há uma sequência ultratemporal e espacial na vida de cada um de nós, que nos intervala e nos faz ser de todos, nunca sozinha. Não posso dizer ‘minha vida’ quando há tantas pessoas ligadas a mim, mesmo sem intimidade. Mesmo que não as ame, dependemos delas e elas dependem de nós. É incrível o laço que une as vidas. É quase inacreditável a corrente que nos prende.

43 Jesus respondeu: “Não murmureis entre vós. Ninguém pode vir a mim, se o Pai que me enviou não o atrai. E eu o ressuscitarei no último dia. 45 Está escrito nos profetas: ‘Todos serão discípulos de Deus’. ora, todo aquele que escutou o Pai e por ele foi instruído, vem a mim. 46 Não que alguém já tenha visto o Pai. Só aquele que vem de junto de Deus viu o Pai.

É que Jesus não se refira à Sua vida, e à vida que Ele dá, sem antes aludir ao seu Pai. Ele dá, mas daquilo que recebeu (Cf. Jo 10, 17); Ele veio ao mundo, porém foi enviado (Cf. Jo 6, 38); Ele prega, mas daquilo que ouviu o Pai dizer (Cf. Jo 8, 28). Que belo texto para ser lido no dia dos Pais, como neste segundo domingo de agosto de 2015. Tentaram identificá-lo com a sua família terrena, mas logo Ele os alça num patamar ainda mais superior. Somos todos de uma família comum que se origina e se estende aos céus.

47 Em verdade, em verdade vos digo, quem crê, possui a vida eterna. 48 Eu sou o pão da vida. 49 Vossos pais comeram o maná no deserto e, no entanto, morreram.

Jesus não vem simplesmente nos buscar, como querem alguns cristãos do arrebatamento. Estes vivem à espera de ser retirados desta vida, por vezes dolorosa, indigna e indesejável. Todavia Jesus não nos alheia do mundo, não pede que sejamos tirados dele, mas que sejamos mais fortes que o mal (Cf. Jo 17, 15). Quem se alimenta dEle, cotidianamente, não será vencido pelas mortes e perdas ininterruptas dessa vida presente aqui no mundo, não há morte para quem dEle se alimenta; costumo dizer que não há perdas em Deus.

50 Eis aqui o pão que desce do céu: quem dele comer, nunca morrerá.

A eucarístia, do grego EU = bem + KHARIZESTHAI (KHARIS = graça) ‘boas graças, bem dizer’, é nome dado a todo o ritual da liturgia da missa, mas também ao pedaço de pão sem fermento, à hóstia (sacrifício), que se consagra no altar. É Jesus em Corpo, sangue, alma e divindade. É Ele, porque disse de Si mesmo: ‘Eu sou’ e ‘Isto é o Meu corpo... Isto é o Meu sangue’. Não creio ter sido simplista, por não fazer longas citações dos teólogos clássicos ou dos mais citados, tampouco do magistério eclesiástico, preferi citar ipsissima verba Christi. Ele é quem melhor fala de Si.

51 Eu sou o pão vivo descido do céu. Quem comer deste pão viverá eternamente. E o pão que eu darei é a minha carne dada para a vida do mundo”.

Há, além do que foi dito acima, outra tônica necessária a estas palavras da própria boca de Jesus. Além de entendermos que Jesus é, e não apenas está na hóstia consagrada, precisamos aprofundar sua fala de que o alimento que é a Sua carne literal, vertida em pão e pão vertido em carne, é a Sua carne “dada para a vida do mundo”. Muito se lê que esta doação ocorre no alto da cruz. Quando a Sua carne é macerada e exposta. Mas também se lê que toda a vida de Cristo é entrega e doação, rendição e oferta de Si mesmo. Cristo já se doa desde a concepção virginal de Maria Santíssima, no anúncio do anjo, ou mesmo no diálogo trinitário de Sua encarnação. A dimensão do serviço toma a expressão material, dialética e histórica, da verdadeira comunhão eucarística e do verdadeiro testemunho de fé. Servir seria a materialidade da vida em Cristo, para alguns. Há até quem diga que “quem não vive para servir, não serve para viver”.

No entanto a expressão: “a minha carne dada para a vida do mundo” se referiria a toda a existência de Cristo na carne. Arriscaria em dizer que, se Ele passou no mundo fazendo o bem (Cf. At 10, 38) a vida do servo é fazer o bem. Há momentos em que o professor não leciona, nem está estudando ou preparando aulas, como há momentos na vida do padre em que ele não está celebrando, ou mesmo de hábito sacerdotal.

O que quero dizer é que haverá um dado momento na vida em que tudo nos será tirado, seja no descanso, seja no banho de asseio ou em outra situação mais drástica. Nessa hora, em que nos faltará qualquer expressão externa de quem nos sentimos por dentro ou de como nos veem, o que seremos de fato? O Cardeal Koreano Van Thuan, na solitária aprisionado, não podia celebrar a missa de preceito, segundo me contou Pe. Tanag, colega em um curso na Itália, também Koreano. Quando estivermos prostrados pela idade ou enfermidade, ou quando simplesmente nos tirarem as possibilidades, como serviremos? Como o ser Jesus eucarístico poderá continuar se dando ‘para a vida do mundo’?

Desejo a você que descubra como a eucaristia, alimento do cristão, pode lhe transformar em um cristão mais parecido com Jesus, ao ponto de que também se diga quando você passar: eis uma pessoa boa, alguém que faz o bem. O bem está na raiz da palavra ‘eucaristia’, por isso testifica e legitima todo serviço cristão. O ‘fazer’ precisa ‘ser’, do contrário trairá a essência da vida. O mesmo Jesus que faz o bem é Aquele que é a Vida (Cf. Jo 14, 6). De fato, quem O recebeu e se alimentou dEle se parecerá com Ele. Não deve ser à toa que ‘bem’ em grego seja ‘EU’. Sem querer ferir a semântica da língua, acho que merece pensar nisto. Boa semana! Esteja bem! Seja bom (boa)! E feliz dia dos pais!

Glória ao Pai e ao Filho e ao Espírito Santo...
09.08.2015
Pe. Adeilton Santana Nogueira


domingo, 2 de agosto de 2015

NÃO TENHA FOME

João 6, 24 – 36

A fome do mundo é um dos temas mais recorrentes da contemporaneidade e das causas sociais, um dos maiores escândalos da humanidade e dos países mais desenvolvidos. As estatísticas confirmam que o problema não é a escassez de comida ou a falta de produção. Segundo a ONU, só o Brasil desperdiça mais de 26.3 milhões de toneladas de comida. Aquilo que jogamos fora renderia 131,5kg de comida para cada um dos 13 milhões que ainda passam fome em nosso país ou 3,76kg para cada um do planeta. Porém, estes são dados ainda de 2013, das contas da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO).

A proposta de Jesus, que não é ecônomo nem agrônomo, é “dai-lhes vós mesmos de comer”. A saída cristã para o problema da fome no mundo começa com uma constatação ainda mais íntima. Jesus diz que, mesmo nós os saciados, jamais viremos a sentir fome novamente. Começo as meditações de hoje já concluindo que quando Jesus for nosso alimento não haverá famintos no mundo. Se dEle nos alimentarmos jamais a fome nos dominará. Sim, você sabe que a fome também domina quem não dá de comer a quem está faminto? São pessoas insaciáveis. Comem tanto, comem tudo. Alimentam-se de vidas frágeis. São gananciosas. O vazio em suas vidas é como o inferno, queimam vidas e sempre se alegram em incinerar mais uma.

24. Quando a multidão viu que Jesus não estava ali nem os seus discípulos, subiram às barcas e foram à procura de Jesus, em Cafarnaum. 25. Quando o encontraram no outro lado do mar, perguntaram-lhe: “Rabi, quando chegaste aqui?”

Não seria exagerado afirmar que a nossa primeira busca é pela saciedade. Mesmo os animais buscam o seu conforto, bem estar e segurança. Isto é vital e está na natureza humana. Porém, esses irmãos do evangelho de hoje fizeram disto um ideal de vida e, ao que parece, Jesus denuncia a sua preguiça, comodismo e falsa reputação. Procuram-No para ter suas necessidades satisfeitas. Não raro encontramos cristãos nesta fase inicial da fé mal alicerçada por não encontrar alguém que lhes repreenda de imediato.

26. Jesus respondeu: “Em verdade, em verdade eu vos digo, estais me procurando não porque vistes sinais, mas porque comeste pão e ficastes satisfeitos.

Notemos que o Mestre da verdade nem sequer se dá ao desprazer de lhes responder à pergunta ‘quando chegaste aqui’. Jesus reconhece de imediato que este não era o interesse de seus seguidores. Em minha vida pastoral, conheci algumas pessoas que não hesitariam em dizer que Jesus foi mal educado ou até grosso nessa resposta. Por vezes Jesus tem um estilo de tolerância zero, no entanto não o classificaria um bruto. Entendamos que há correções que exigem a intempestividade do momento. Jesus, como outros pastores de almas, sabe que “um pequeno erro no princípio acaba por tornar-se grande no fim”, como nos ensina S. Tomás de Aquino no prólogo de O Ente e a Essência, citando Aristóteles. Não foi grosseiro romper de início ideias mal formadas sobre Ele. Jesus não promove  vantagens e conforto, não é o seu estilo de vida nem o seu ensinamento.

27. Esforçai-vos não pelo alimento que se perde, mas pelo alimento que permanece até a vida eterna e que o Filho do homem vos dará. Pois este é quem o Pai marcou com seu selo”.

Este ideal é um selo, uma marca. Assim poderemos reconhecer os assinalados. Há de per si um sinal naqueles e naquilo que vem de Deus. A marca é Cristo. Seu jeito, seu estilo, sua Pessoa. Todo o Seu ser. Conhecê-Lo será a maior aventura da existência de uma pessoa. No verso 28  já se percebe alguma conversão quando Lhe perguntaram: “Que devemos fazer para realizar as obras de Deus?” e Jesus responde: “A obra de Deus é que acrediteis naquele que Ele enviou”. Crer nEle então é o caminho desta aventura. A epopeia do conhecimento de Quem Ele é e a adesão à Sua Pessoa implicam numa verossimilhança transformadora de um no outro. Não é de se estranhar por que a figura do alimento é o grande ícone desta experiência. Depois de ingerido, alimento e quem o come se tornam um só. Esta imagem discorreremos na continuidade deste capítulo, nos próximos domingos.

30. Eles responderam: “Que sinal realizas, para que possamos ver e crer em ti? Que obra fazes? 31. Nossos pais comeram o Maná no deserto, como está na Escritura: ‘Pão do céu deu-lhes a comer’”.

A fé não é uma decisão fácil. A faculdade de crer é um dom nato, mas a adesão da fé e o consequente consentimento da razão não parecem ser uma tarefa simples. Daí por que as pessoas mais simples sentirão facilidade. Já são simples e com simplicidade veem as coisas. Nós outros sempre estamos à procura dos fatos e seus enredos. Quem fez, por que fez, como foi, quem disse, e assim as pessoas se escondem e se revelam em meio ao que se diz delas. Quase não sobra espaço para quem são nelas mesmas ou o que dizem de si próprias.

No mundo das coisas a nossa preocupação se verte para os feitos escandalosos e surpreendentes, privilegiando os charlatões de meia cura. Anunciam paliativos e soluções imediatas fantasiadas de tradição, mas que falsificam a origem das religiões. Esta será sempre Deus em quem o coração do fiel deve descansar e restaurar as suas forças. Sinais facilmente podem ser forjados; bons ou maus podem ser inventados. Quem busca provas sempre as terá em suas mãos e lábios para confirmar os seus enganos. Satanás usou a Escritura, esta qualidade de infieis também a usa.

32. Jesus respondeu: “Em verdade, em verdade vos digo: não foi Moisés que vos deu o pão que vem do céu. É meu Pai quem vos dá o verdadeiro pão do céu. 33. Pois o pão de Deus é aquele que desce do céu e dá vida ao mundo”.

Jesus é senhor da contradição, pois a resolve, mas não do engano ou da mentira. Estas são falácias dos covardes e preguiçosos. A afirmação que nega a autoria de Moisés do milagre do pão do céu é verdadeira e negativa. Imagino como foi difícil para os judeus ouvirem tal proposição. Coube a Jesus o ônus da prova de tal assertiva: “É meu Pai quem vos dá o verdadeiro pão do céu”. Impossível cair em contradição diante de uma revelação dessas. Não se pode negar a autoria original de Deus, mesmo que se queira promover alguém pelo bem que fez.

34. Então pediram: “Senhor, dá-nos sempre desse pão”. 35. Jesus lhes disse: “Eu sou o pão da vida. Quem vem a mim não terá mais fome e quem crê em mim nunca mais terá sede”.

Ir ao encontro de Jesus pelo bem que fez ou atribuir a outrem a sua autoria são contradições cristãs que acabam negando o objeto de nossa fé. O desfecho dessa catequese do pão da vida é apenas uma primeira etapa para as lições posteriores. Ensinamentos ainda maiores estão por vir e o fiel precisa amadurecer, precisa evoluir, precisa passar desse estágio para ser capaz de aderir à fé verdadeira e não ao marketing religioso, da propaganda da imagem de bonzinho que alguns insistem em se esconder, negando a Deus a autoria de suas ações, fazendo sem alocução divina, sem respeito às tradições locais ou perpetuidade, apenas por modismos e lucros. Alguns ainda fazem laboratório pastoral ‘para ver se dá certo’, como se o povo de Deus fosse massa de manobra.

Não ter mais fome ou sede, esta é a promessa. Se de fato estamos nele não há fome alguma. Se não nos saciamos, se há um vazio em nós, a receita do Senhor não foi seguida e a massa estragou, solou, não assou. Esse pão não tem sabor, está cru, queimou, não sei. Só sei que não está alimentando, não está saciando, não sobra. Temos oferecido um pão diferente daquele da promessa. Um padeiro humilde veria o que ocorreu urgentemente para não perder clientes ou adoecer os que se arriscam em comer. Um padeiro humilde reconheceria que desta vez errou o ponto, pois o seu nome, a sua marca, está em jogo.

A pessoa com fome precisa também mover-se em busca do que comer. Criticar a má serventia sem tentativa de acerto é maldade e falsidade, a verdadeira contradição, duas negativas. O fiel ou discípulo que não se esmera em seu sustento espiritual não sabe o que busca, não sabe o que encontrou, não reconhece quem lhe visita, quem lhe dá a paz. Não sabe em que crê. Por isso sua religião é morta e sua prática é vazia. Não há sentido no que faz, pois nem ele sabe por que ou para quem se destina. Não há religação em sua religião por que não há extremos nessa ponte. Quando souber a quem procura talvez se Lhe dirija um passo. Esta fé fantasma vira vedetismo e se oferece aos deuses do tempo e do momento, na prática da religião do leilão, onde ‘quem dá mais’ leva. Ainda pior, onde a oferta for maior do que a procura os preços caem e os presentes nem sempre levam. Numa comunidade de pouca busca a liquidação nem sempre é justa e as leis de mercado se confundem com a ficção do teatro para fidelizar o cliente. O produto vira uma marca e o conteúdo uma propaganda. O sabor mesmo não importa mais.

A samaritana, por sua vez, provou de uma água que jamais lhe devolveria a sede (Jo 4, 1 – 41); esses discípulos encontraram um pão de conversão e uma certeza que lhes reformulou a fé, e que jamais lhes devolveria a fome: Jesus. É Ele quem se faz alimento. Se dele nos alimentarmos não seremos pessoas insaciáveis e famintas à procura do que nos preencha o vazio da vida. Ainda mais poderemos dá-Lo em alimento a tantos outros. Se não é assim que fechem as padarias, pois servem pães estragados, seja por falsos padeiros, seja por atravessadores mercenários que estragam o pão e diluem o leite, ou ainda para o desperdício da vizinhança.

Desejo que você encontre excelentes padeiros, os melhores, para ser bem servido um alimento salutar que sacia e rejuvenesce, que se partilha com generosidade, manufaturado de uma receita antiga e que melhora a cada fornada. Desejo aos meus irmãos que servem o pão dos anjos, o Pão de Deus, a lembrança de que a iguaria que damos foi ‘o Pai quem deu’. É o Pão descido do céu o dom mais precioso de um sacerdote, a última coisa que podem lhe tirar, portanto a última coisa que ele deixe de fazer. Parabéns padre!

Glória ao Pai e ao Filho e ao Espírito Santo...
02.08.2015