quarta-feira, 26 de agosto de 2015

ESTOU INDO EMBORA!

Jo 6, 60 - 69

A fuga é também uma saída possível não apenas diante dos conflitos, tampouco fácil, a depender da situação. Não raro, sair de cena, deixar pra lá ou nem enfrentar certas situações é realmente a melhor opção. Mas como saber escolher? Como saber quando a verdadeira coragem vem fantasiada de covardia? No entanto a citação que segue não parece se enquadrar neste dilema.

60 Depois que ouviram essas coisas muitos dos discípulos de Jesus que o escutaram, disseram: “Esta palavra é dura. Quem consegue escutá-la?”

Antes do mais precisamos relembrar a que se referem. Na semana passada, celebramos a Assunção de Maria, festa que intervalou a continuidade da leitura sequenciada do capítulo sexto de São João. Hoje encerramos a pericote, porém não a entenderemos sem antes voltar ao contexto. Que palavra dura foi essa que ninguém conseguiu escutá-la?

Lembre que duas semanas atrás terminamos com este versículo: “Eu sou o pão vivo descido do céu: quem comer deste pão viverá eternamente. E o pão que eu darei é a minha carne dada para a vida do mundo”. (Jo 6, 51) Esta é a frase terrível que as autoridades dos judeus começaram a discussão: “Como pode esse homem dar-nos a sua carne para comer?” (Jo 6, 52) E assim deturparam o sentido da palavra para uma antropofagia (comer carne humana). Mentira que durou até ao início da Idade Média, quando alguns ainda criam que os cristãos se alimentavam da carne de crianças recém-nascidas, do tipo “menino Jesus”.

61 Sabendo que seus discípulos estavam murmurando por causa disso mesmo, Jesus perguntou:”Isto vos escandaliza?” 62 E quando virdes o Filho do homem subindo para onde estava antes? 63 Espírito é que dá vida, a carne não adianta nada. As palavras que vos falei são espírito e vida.

Sabe aquele ditado: “Quem tem boca diz o que quer”? Acho que no tempo de Jesus já era assim. E entre os seus discípulos também. Algumas pessoas, ou manipuladas por outras ou deturpando a verdade, escondem-se do verdadeiro sentido daquilo que Jesus quis dizer e tornam a esconder o que Ele disse. Assim nem vivem nem pregam, tampouco são cobradas do que não disse, pois não vivem. Qual a polêmica em questão mesmo? Não esqueça: “minha carne é verdadeira comida e meu sangue é verdadeira bebida”. (Jo 6, 55) Há passagem mais constrangedora para judeus e cristãos? Ateus, pagãos, carolas, beatos e sacristãos, religiosos e pecadores, ou melhor, religiosos pecadores, todos nos delatamos na hora da comunhão, quem está ou não recebendo-O dignamente, ou a sua própria condenação.

64 Mas entre vós há alguns que não creem”. Jesus sabia, desde o início, quem eram os que não tinham fé e quem havia de entregá-lo.

Sim, irmão e irmã, há incrédulos entre os discípulos. Há delatores dos outros, quando precisavam olhar a trava nos próprios olhos. Mas se eles traíram e descreram de Jesus o que sobraria para nós? Flagelação, crucifixão, cusparadas e socos, chibatadas; até um beijo de traição. Mas Ele sabia, desde o início, quem eram esses que não tinham fé. Será que foi cúmplice dos seus algozes? Ou como dizem por aí: “alimentou a cobra que o mordeu”? Será que erra quem confia em maus amigos; quem convoca para sua equipe pessoas insuficientes e despreparadas ou quem recebe em casa os inimigos que não se revelaram? Ou essas pessoas não foram capazes de nos surpreender acreditando em si mesmas quanto acreditávamos nelas?

65 E acrescentou: “É por isso que vos disse: ninguém pode vir a mim a não ser que lhe seja concedido pelo Pai”. 66 A partir daquele momento, muitos discípulos voltaram atrás e não andavam mais com ele.

Também eu aprendi com a vida a deixar ir aqueles que não permaneceram comigo nas crises que passei e passo. Não foi eu quem as descartou; simplesmente elas não fizeram falta, pois consegui atravessar a aridez sem o refrigério de suas palavras ou o acalento de seus afagos. Passei sem eles, pois nunca os tive de fato. Não há do que lamentar, a não ser do quanto perdemos o tempo que passamos juntos, negados pelas verdades de hoje. Se foram verdadeiros, deixemos que outros tempos os confirmem. Quem sabe aqueles discípulos que abandonaram Jesus não retornariam mais tarde, de alguma forma!

Mas, para onde foram? Para onde iriam pessoas que conheceram Jesus, ainda que superficialmente? Sem nos apressarmos em julgá-las, valeria a pena nos colocarmos em seus lugares. Para onde você iria hoje se deixasse de seguir Jesus? Bebidas, sexo, solidão, e mais o quê? Por que pensar em vícios quando se deixa a religião? Há outras religiões tão mais acolhedoras e menos exigentes, menos legalistas que algumas cristãs! Onde está a dita verdade, a dita vida em abundância, quando vemos tanta hipocrisia e campanha, tanto pede-pede e escândalos, tanto show, evento, reunião e pouco culto? Às vezes tenho a impressão que os “sem fé” não saíram, quem saiu foi o que crê. É por isso que Jesus faz logo um apelo. Ele não quer perder, por causa dos incrédulos, também os que creem.

 67 Então, Jesus disse aos doze: “Vós também vos quereis ir embora?” 68 Simão Pedro respondeu: “A quem iremos, Senhor? Tu tens palavras de vida eterna. 69 Nós cremos firmemente e reconhecemos que tu és o santo de Deus”.

Agora tem uma coisa, quem crê de fato precisa ser capaz de ficar. E para isso precisa de coragem. Vai engolir muito sapo e tem que ter couro de jacaré, olhos de águia e boca de siri, ouvidos surdos, porém joelhos calejados e mãos postas, e ainda costas largas para carregar o peso dos outros. Não vai poder luxar nem acumular; deve dar do que tem e ainda pedir para alguém. Isso levando nome de ladrão, promíscuo e infiel, se der sorte e sua comunidade gostar de você! Se não gostar te crucificarão e darão um jeito de colocar uma placa bem grande justificando a sua condenação. É assim que fazem!

Achou demais? Então não conhece Jesus! Não sabe pelo que Ele passou! Já passa por isso? Alegre-se, você já se parece com Ele. Não que as pessoas te reconheçam, mas Ele te reconhece; você já O segue! Sem perseguição não há cristão autêntico. A sorte do discípulo não é a maior que a do seu senhor. Engana-se quem pensa que está certo quem está no conforto de sua estabilidade religiosa ou nas benesses de sua reputação. Antes o desprezo ao conluio; antes a fome ao roubo; antes o silêncio à mentira; antes a fé à perdição; antes a perda à frustração. Basta-nos a certeza de “a quem iremos”. Esta é a nossa meta e o Caminho a ser trilhado.

Assim seguimos em frente de cabeça erguida e enquanto ‘os cães ladram, a caravana passa’. Tenha uma feliz e santa semana!

Glória ao Pai e ao Filho e ao Espírito Santo...

23.08.2015

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