Lc 1, 39 – 56
Celebramos
neste domingo a Assunção de Maria, a sua subida ao céu em corpo e alma. Assunta
porque foi levada, como se crê, pelos anjos de seu Filho. Ele, por sua vez,
ascende aos céus na Páscoa, porque sobe por Si mesmo. Há uma diferença entre
ser levado e ir por conta própria. Porém, no caso de Maria e de Seu Filho é uma
diferença de extrema união, tanto física quanto espiritual.
A
união física é a de que ambos têm corpos humanos. E já que não poderia conhecer
a corrupção o corpo do Redentor, assim também o corpo no qual e do qual Ele foi
gerado, sem concurso algum ou mistura de um homem, uma vez que José não ‘conheceu’
Maria, assim também não poderia conhecer a corrupção um corpo que não cometeu pecados,
pois que a morte é o salário do pecado (Cf. Rm 6, 23).
O
dogma da Assunção de Maria está intimamente entrelaçado aos outros dogmas
marianos; é quase que uma conclusão. Se é verdade que ela é virgem antes,
durante e depois do parto; se é mãe do Filho de Deus, Deus com o Pai, gerado,
não criado; se a carne do Redentor não poderia ser nascida no pecado, logo
nasce de um corpo sem pecados, a Imaculada Conceição; se tudo isso é verdade, não
é de se ignorar a excelência e semelhanças entre Maria e seu Filho.
Toda
afirmação dogmática mariana se dirige antes às realidades de seu Filho. Se é
virgem é porque Ele é a Luz do mundo concebido por obra do Espírito Santo.
Lembro-me bem de um pastor que tentava convencer o meu saudoso pai, à porta de
casa, em Tobias Barreto – SE (já vão alguns anos isto) sobre Maria não ser
virgem ao menos após o parto, pois José lhe dera outros filhos, argumentava ele.
Há
inúmeras incorreções teológicas naquelas afirmações, mas preferi dialogar pelo
bom senso. Dirigindo-me a ele, perguntei: “Se sua esposa fosse escolhida para
ser o canal do ingresso de Deus no mundo, o nascimento do redentor, e o senhor
fosse avisado disso, o que faria durante os meses de gestação dela?” Perguntei
ainda se não lhe serviria como a uma ‘deusa’, como fazem os pais apaixonados
pelas suas famílias, e se depois que ‘Deus-com-o-Pai’ nascesse, se ele
acreditava que Deus teria santificado tanto o ventre quando a pessoa que ele
fez extensão do céu para gestação do Seu Filho. Por fim, ainda questionei se
ele invadiria ‘o céu na terra’ (o ventre da eleita de Deus) para satisfazer os
seus prazeres carnais. Confesso que não aguardei a resposta, apressei-me e
continuei: “José que é justo não o fez! Você faria?” Ele montou a sua bicicleta
e se despediu de meu pai.
Se o
título de ‘Mãe de Deus’ soa como excesso para alguns poucos ou nada devotos,
precisava ainda ouvir que jamais lhe prestaremos um culto ou devoção à altura
do que Deus lhe devotou. Por mais que a defendamos, jamais a teremos como
filha; por mais que a chamemos de mãe, jamais poderemos afirmá-lo como o fez o
seu Filho legítimo e único; por mais que a amemos, jamais a desposaremos. Esta
é a devoção e amor que a Santíssima Trindade lhe demonstrou. Quis por filha,
mãe e esposa. O argumento não é meu, embora use-o frequentemente.
Lembro
também que havíamos acabado de adentrar a gruta íngreme e úmida, de calçamento
rústico, ambiente escuro para iluminação natural, onde o corpo de Maria havia
sido deixado após o seu desfalecimento, em Jerusalém, e ainda o grupo não
chegara todo, o guia começou a contar a história de por que o corpo de Maria
não estava mais ali. Ele nos contou uma antiga tradição de quando Maria fora sepultada
e um dos Apóstolos, S. Tomé, não podendo estar presente, ao retornar e saber da
triste notícia, pedira para removerem a pedra que lacrava o sepulcro, pois
queria olhar e se despedir pela última vez. Quando abriram, apenas viram as
faixas que a envolviam, e fora aspirado um aroma de rosas como se, de dentro da
gruta, um vento o soprasse. Confesso que me envolvi de tal maneira nesse relato
admirável que, naquela hora, também eu cheguei a sentir o forte aroma.
Não
raro, em vários lugares, em Jerusalém, você encontra referências de por onde Maria
passou. Tranquilamente se pode fazer uma peregrinação mariana na Terra e na Cidade
Santa. Mesmo que decida por seguir os passos de Maria, perceberá, a caminho,
que ela não trilhava uma estrada sua, não seguia os próprios passos, pois quem
caminha sobre as próprias pegadas ou anda em círculos ou não sai do lugar onde
está. Maria, desde sempre, seguiu a Via Christi, trilhou o caminho de seu
Filho. E isto, inevitavelmente, descobre quem segue Maria. Decerto, chega a
Jesus, a quem ela segue e por Quem ela caminha.
O
evangelho de hoje nos diz que “Naqueles dias, Maria se levantou e foi às
pressas às montanhas, a uma cidade de Judá. Entrou em casa de Zacarias e saudou
Isabel.” (Lc 1, 39s) O deserto que ela atravessou para chegar ao povoado de sua
prima, Ain Karim, fica a uma légua da Jerusalém de seu tempo, não era lugar de
mocinhas solitárias, ainda que destemidas. Algo além da coragem e do desejo de
ajudar era necessário, algo do tamanho da fé, como segue o evangelista dizendo:
“Ora, apenas Isabel ouviu a saudação de Maria, a criança estremeceu no seu
seio; e Isabel ficou cheia do Espírito Santo. E exclamou em alta voz: “Bendita és tu entre as mulheres e bendito é o fruto do teu
ventre.” (Lc 1, 41s)
Agora
sim podemos entender quem dá força aos passos dessa menina, em tudo figura da
fragilidade do seu povo, uma mulher, uma menina, grávida em tenra idade, sem
marido. Também tentada a se achar abandonada como a sua nação (Cf. Is 62, 4). Porém,
ciente da surpresa de Isabel: “Donde me vem esta honra de vir a mim a mãe de
meu Senhor? Pois assim que a voz de tua saudação chegou aos meus ouvidos, a
criança estremeceu de alegria no meu seio.” (Lc 1, 43s) Jamais orgulho algum a
seduziu. Isabel cita o Rei David, o que compara Maria com a Arca da Aliança (2 Sam 6, 9), pois
ela sabia lhe habitava o Verbo e o Pão, a Torah e o Maná, a lei e o alimento.
Isabel
não foi a única e nem será a última a proclamar Maria Bendita “entre as
mulheres”, pois o mesmo texto traz imediatamente a justificativa disto: “bendito é o fruto do teu ventre”, razão pela
qual nenhum cristão deveria se furtar de continuar fazendo parte da geração que
a proclama ‘Bendita”, a exemplo dos protestantes que assinam o ‘Manifesto de
Dresden’, em maio de 1982, na Alemanha. Ainda mais excelente é a saudação
imperial do arcanjo Gabriel: “Ave, Cheia de Graça, o Senhor é contigo!”Pois eu
testifico: se Deus é contigo, ó Virgem Santíssima, e eu quero estar onde Deus
é, também quero ser contigo.
Lemos
que Maria meditava todas as coisas em seu coração (Lc 2, 19). De fato as
maiores certezas da nossa vida devem ser uma conclusão e decisão experimentadas
no mais profundo de nós mesmos. Essas convicções movem vidas e encadeiam
atitudes exemplares, estimulantes. Isabel louva Maria repetindo benditos. O que
segue louva a sua fé: “Bem-aventurada és tu que creste, pois se hão de cumprir
as coisas que da parte do Senhor te foram ditas!” Sim, muitas coisas foram
ditas a Maria e a mais ninguém.
Os
profetas ouviram e proclamaram oráculos do Senhor, mas nem mesmo o velho
Simeão, que toca o menino ferindo seu corpo no talho do prepúcio, ouviu, com
exclusividade, a boa nova ansiada e ensinada pelos rabinos. A proclamação de
Simeão, de que seus “olhos viram a salvação” (Lc, 2, 29), será uma repetição do
que o anjo disse a Maria e a José. Mas, sobre a revelação a José vale lembrar:
“Ela dará à luz um filho, a quem porás o nome de Jesus, porque ele salvará o
seu povo de seus pecados.” (Mt 1, 21)
O nome
mesmo de Jesus, transliterado da forma hebraica Yeshua, vem do verbo ‘salvar’,
salvação’, porém sua semelhança com o nome de Josué, transliterado do hebraico Yehoshua,
significa ‘Deus (YHWH) salva’. Salva de que ou de quem? Dos nossos pecados, segundo
o sonho de José. Aquele cujo nome opera a salvação de Deus dos nossos pecados,
decerto, foi eficiente naquela cujo corpo formou o Seu. E se o Seu, que
dependeu do dela, não se corrompeu, também o dela, que dependeu do Seu, não se
corromperia.
46.E Maria disse: Minha alma glorifica ao Senhor, 47.meu
espírito exulta de alegria em Deus, meu Salvador, 48.porque olhou para sua
pobre serva. Por isto, desde agora, me proclamarão bem-aventurada todas as
gerações, 49.porque realizou em mim maravilhas aquele que é poderoso e cujo
nome é Santo. 50.Sua misericórdia se estende, de geração em geração, sobre os
que o temem. 51.Manifestou o poder do seu braço: desconcertou os corações dos
soberbos. 52.Derrubou do trono os poderosos e exaltou os humildes. 53.Saciou de
bens os indigentes e despediu de mãos vazias os ricos. 54.Acolheu a Israel, seu
servo, lembrado da sua misericórdia, 55.conforme prometera a nossos pais, em
favor de Abraão e sua posteridade, para sempre.
O
verso que encerra a perícope de hoje pretende encerrar também a catequese deste
texto: “Maria ficou com Isabel cerca de três meses. Depois voltou para casa”.
(Lc 1, 56) o anjo, após a saudação e anúncio máximo de suas falas, retira-se.
Ela também se retira após o nascimento de João Batista. Cada um segue com a sua
vida, participando da vida do outro, com uma mensagem bem definida, com data
para começar e prazo para acabar. Tudo que tem um começo tem um fim.
Na
panorâmica e na sequência dos acontecimentos percebemos como há uma linha
histórica única. Contudo, nem sempre, notamos quem ou
o que fez os cortes e as montagens nas passagens mais significativas da nossa trilha
pessoal. Nesse longa metragem há muitos atores, muito coadjuvantes, inúmeros
figurantes e excelentes profissionais, mas há penetras e oportunistas também,
porém todos contracenamos com o protagonista. É Dele o papel principal. Quem
não O reconhece atua sozinho e rouba a cena, melhor, perde o espetáculo e trai
o roteiro; dispersa a ribalta e decepciona a plateia.
Cada
um de nós, em sua vida espiritual, precisa encontrar o seu lugar entre os
irmãos e perante Deus. Olhando o exemplo que Deus fez de Maria é certo que nos
guiaremos. Seguindo os exemplos de Deus, é inegável a garantia de êxito.
Ignorá-los beiraria a dúvida em seus caminhos. Maria foi exemplo também para o
Seu Filho, pois a todos que cumprirem a vontade do Pai Ele quis chamar de mãe e
irmãos, e isto o afirmou diante daquela que antes Lhe dissera: “Eis aqui a
serva do Senhor, faça-se em mim segundo a Sua vontade!”. (Lc
1, 38)
Desejo
a você e a toda sua família uma semana abençoada. E que ao menos conheça o que
Deus fez pela jovem Maria. Quem sabe Deus faça por você o que sempre fez por
ela!
Glória
ao Pai e ao Filho e ao Espírito Santo...
16.08.2015
Parabéns Pe. Adeilton!
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