domingo, 16 de agosto de 2015

ÉS BENDITA!

Lc 1, 39 – 56

Celebramos neste domingo a Assunção de Maria, a sua subida ao céu em corpo e alma. Assunta porque foi levada, como se crê, pelos anjos de seu Filho. Ele, por sua vez, ascende aos céus na Páscoa, porque sobe por Si mesmo. Há uma diferença entre ser levado e ir por conta própria. Porém, no caso de Maria e de Seu Filho é uma diferença de extrema união, tanto física quanto espiritual.

A união física é a de que ambos têm corpos humanos. E já que não poderia conhecer a corrupção o corpo do Redentor, assim também o corpo no qual e do qual Ele foi gerado, sem concurso algum ou mistura de um homem, uma vez que José não ‘conheceu’ Maria, assim também não poderia conhecer a corrupção um corpo que não cometeu pecados, pois que a morte é o salário do pecado (Cf. Rm 6, 23).

O dogma da Assunção de Maria está intimamente entrelaçado aos outros dogmas marianos; é quase que uma conclusão. Se é verdade que ela é virgem antes, durante e depois do parto; se é mãe do Filho de Deus, Deus com o Pai, gerado, não criado; se a carne do Redentor não poderia ser nascida no pecado, logo nasce de um corpo sem pecados, a Imaculada Conceição; se tudo isso é verdade, não é de se ignorar a excelência e semelhanças entre Maria e seu Filho.

Toda afirmação dogmática mariana se dirige antes às realidades de seu Filho. Se é virgem é porque Ele é a Luz do mundo concebido por obra do Espírito Santo. Lembro-me bem de um pastor que tentava convencer o meu saudoso pai, à porta de casa, em Tobias Barreto – SE (já vão alguns anos isto) sobre Maria não ser virgem ao menos após o parto, pois José lhe dera outros filhos, argumentava ele.

Há inúmeras incorreções teológicas naquelas afirmações, mas preferi dialogar pelo bom senso. Dirigindo-me a ele, perguntei: “Se sua esposa fosse escolhida para ser o canal do ingresso de Deus no mundo, o nascimento do redentor, e o senhor fosse avisado disso, o que faria durante os meses de gestação dela?” Perguntei ainda se não lhe serviria como a uma ‘deusa’, como fazem os pais apaixonados pelas suas famílias, e se depois que ‘Deus-com-o-Pai’ nascesse, se ele acreditava que Deus teria santificado tanto o ventre quando a pessoa que ele fez extensão do céu para gestação do Seu Filho. Por fim, ainda questionei se ele invadiria ‘o céu na terra’ (o ventre da eleita de Deus) para satisfazer os seus prazeres carnais. Confesso que não aguardei a resposta, apressei-me e continuei: “José que é justo não o fez! Você faria?” Ele montou a sua bicicleta e se despediu de meu pai.

Se o título de ‘Mãe de Deus’ soa como excesso para alguns poucos ou nada devotos, precisava ainda ouvir que jamais lhe prestaremos um culto ou devoção à altura do que Deus lhe devotou. Por mais que a defendamos, jamais a teremos como filha; por mais que a chamemos de mãe, jamais poderemos afirmá-lo como o fez o seu Filho legítimo e único; por mais que a amemos, jamais a desposaremos. Esta é a devoção e amor que a Santíssima Trindade lhe demonstrou. Quis por filha, mãe e esposa. O argumento não é meu, embora use-o frequentemente.

Lembro também que havíamos acabado de adentrar a gruta íngreme e úmida, de calçamento rústico, ambiente escuro para iluminação natural, onde o corpo de Maria havia sido deixado após o seu desfalecimento, em Jerusalém, e ainda o grupo não chegara todo, o guia começou a contar a história de por que o corpo de Maria não estava mais ali. Ele nos contou uma antiga tradição de quando Maria fora sepultada e um dos Apóstolos, S. Tomé, não podendo estar presente, ao retornar e saber da triste notícia, pedira para removerem a pedra que lacrava o sepulcro, pois queria olhar e se despedir pela última vez. Quando abriram, apenas viram as faixas que a envolviam, e fora aspirado um aroma de rosas como se, de dentro da gruta, um vento o soprasse. Confesso que me envolvi de tal maneira nesse relato admirável que, naquela hora, também eu cheguei a sentir o forte aroma.

Não raro, em vários lugares, em Jerusalém, você encontra referências de por onde Maria passou. Tranquilamente se pode fazer uma peregrinação mariana na Terra e na Cidade Santa. Mesmo que decida por seguir os passos de Maria, perceberá, a caminho, que ela não trilhava uma estrada sua, não seguia os próprios passos, pois quem caminha sobre as próprias pegadas ou anda em círculos ou não sai do lugar onde está. Maria, desde sempre, seguiu a Via Christi, trilhou o caminho de seu Filho. E isto, inevitavelmente, descobre quem segue Maria. Decerto, chega a Jesus, a quem ela segue e por Quem ela caminha.

O evangelho de hoje nos diz que “Naqueles dias, Maria se levantou e foi às pressas às montanhas, a uma cidade de Judá. Entrou em casa de Zacarias e saudou Isabel.” (Lc 1, 39s) O deserto que ela atravessou para chegar ao povoado de sua prima, Ain Karim, fica a uma légua da Jerusalém de seu tempo, não era lugar de mocinhas solitárias, ainda que destemidas. Algo além da coragem e do desejo de ajudar era necessário, algo do tamanho da fé, como segue o evangelista dizendo: “Ora, apenas Isabel ouviu a saudação de Maria, a criança estremeceu no seu seio; e Isabel ficou cheia do Espírito Santo. E exclamou em alta voz: “Bendita és tu entre as mulheres e bendito é o fruto do teu ventre.” (Lc 1, 41s)

Agora sim podemos entender quem dá força aos passos dessa menina, em tudo figura da fragilidade do seu povo, uma mulher, uma menina, grávida em tenra idade, sem marido. Também tentada a se achar abandonada como a sua nação (Cf. Is 62, 4). Porém, ciente da surpresa de Isabel: “Donde me vem esta honra de vir a mim a mãe de meu Senhor? Pois assim que a voz de tua saudação chegou aos meus ouvidos, a criança estremeceu de alegria no meu seio.” (Lc 1, 43s) Jamais orgulho algum a seduziu. Isabel cita o Rei David, o que compara  Maria com a Arca da Aliança (2 Sam 6, 9), pois ela sabia lhe habitava o Verbo e o Pão, a Torah e o Maná, a lei e o alimento.

Isabel não foi a única e nem será a última a proclamar Maria Bendita “entre as mulheres”, pois o mesmo texto traz imediatamente a justificativa disto:  “bendito é o fruto do teu ventre”, razão pela qual nenhum cristão deveria se furtar de continuar fazendo parte da geração que a proclama ‘Bendita”, a exemplo dos protestantes que assinam o ‘Manifesto de Dresden’, em maio de 1982, na Alemanha. Ainda mais excelente é a saudação imperial do arcanjo Gabriel: “Ave, Cheia de Graça, o Senhor é contigo!”Pois eu testifico: se Deus é contigo, ó Virgem Santíssima, e eu quero estar onde Deus é, também quero ser contigo.

Lemos que Maria meditava todas as coisas em seu coração (Lc 2, 19). De fato as maiores certezas da nossa vida devem ser uma conclusão e decisão experimentadas no mais profundo de nós mesmos. Essas convicções movem vidas e encadeiam atitudes exemplares, estimulantes. Isabel louva Maria repetindo benditos. O que segue louva a sua fé: “Bem-aventurada és tu que creste, pois se hão de cumprir as coisas que da parte do Senhor te foram ditas!” Sim, muitas coisas foram ditas a Maria e a mais ninguém.

Os profetas ouviram e proclamaram oráculos do Senhor, mas nem mesmo o velho Simeão, que toca o menino ferindo seu corpo no talho do prepúcio, ouviu, com exclusividade, a boa nova ansiada e ensinada pelos rabinos. A proclamação de Simeão, de que seus “olhos viram a salvação” (Lc, 2, 29), será uma repetição do que o anjo disse a Maria e a José. Mas, sobre a revelação a José vale lembrar: “Ela dará à luz um filho, a quem porás o nome de Jesus, porque ele salvará o seu povo de seus pecados.” (Mt 1, 21)

O nome mesmo de Jesus, transliterado da forma hebraica Yeshua, vem do verbo ‘salvar’, salvação’, porém sua semelhança com o nome de Josué, transliterado do hebraico Yehoshua, significa ‘Deus (YHWH) salva’. Salva de que ou de quem? Dos nossos pecados, segundo o sonho de José. Aquele cujo nome opera a salvação de Deus dos nossos pecados, decerto, foi eficiente naquela cujo corpo formou o Seu. E se o Seu, que dependeu do dela, não se corrompeu, também o dela, que dependeu do Seu, não se corromperia.

46.E Maria disse: Minha alma glorifica ao Senhor, 47.meu espírito exulta de alegria em Deus, meu Salvador, 48.porque olhou para sua pobre serva. Por isto, desde agora, me proclamarão bem-aventurada todas as gerações, 49.porque realizou em mim maravilhas aquele que é poderoso e cujo nome é Santo. 50.Sua misericórdia se estende, de geração em geração, sobre os que o temem. 51.Manifestou o poder do seu braço: desconcertou os corações dos soberbos. 52.Derrubou do trono os poderosos e exaltou os humildes. 53.Saciou de bens os indigentes e despediu de mãos vazias os ricos. 54.Acolheu a Israel, seu servo, lembrado da sua misericórdia, 55.conforme prometera a nossos pais, em favor de Abraão e sua posteridade, para sempre.

O verso que encerra a perícope de hoje pretende encerrar também a catequese deste texto: “Maria ficou com Isabel cerca de três meses. Depois voltou para casa”. (Lc 1, 56) o anjo, após a saudação e anúncio máximo de suas falas, retira-se. Ela também se retira após o nascimento de João Batista. Cada um segue com a sua vida, participando da vida do outro, com uma mensagem bem definida, com data para começar e prazo para acabar. Tudo que tem um começo tem um fim.

Na panorâmica e na sequência dos acontecimentos percebemos como há uma linha histórica única. Contudo, nem sempre, notamos quem ou o que fez os cortes e as montagens nas passagens mais significativas da nossa trilha pessoal. Nesse longa metragem há muitos atores, muito coadjuvantes, inúmeros figurantes e excelentes profissionais, mas há penetras e oportunistas também, porém todos contracenamos com o protagonista. É Dele o papel principal. Quem não O reconhece atua sozinho e rouba a cena, melhor, perde o espetáculo e trai o roteiro; dispersa a ribalta e decepciona a plateia.

Cada um de nós, em sua vida espiritual, precisa encontrar o seu lugar entre os irmãos e perante Deus. Olhando o exemplo que Deus fez de Maria é certo que nos guiaremos. Seguindo os exemplos de Deus, é inegável a garantia de êxito. Ignorá-los beiraria a dúvida em seus caminhos. Maria foi exemplo também para o Seu Filho, pois a todos que cumprirem a vontade do Pai Ele quis chamar de mãe e irmãos, e isto o afirmou diante daquela que antes Lhe dissera: “Eis aqui a serva do Senhor, faça-se em mim segundo a Sua vontade!”. (Lc 1, 38)

Desejo a você e a toda sua família uma semana abençoada. E que ao menos conheça o que Deus fez pela jovem Maria. Quem sabe Deus faça por você o que sempre fez por ela!

Glória ao Pai e ao Filho e ao Espírito Santo...
16.08.2015

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