Lucas
4, 21 – 30
4º
Domingo Comum B
Entrando Jesus na sinagoga,
começou a dizer: 21 “Hoje se cumpriu esta passagem da Escritura que acabaste de
ouvir”.
Toda liturgia é este
memorial eficiente de atualização da vida de Jesus em nossas vidas. O ‘hoje’
tão esperado, dia da salvação, o aqui e agora, já, ainda que não
definitivamente. A cada celebração experimentamos no presente as realidades
celestiais. Isto parece uma utopia alienante, que se não fosse dita por Jesus
seria inacreditável e repulsivo que se tratasse o ser humano com tanta ilusão.
Mas, graças a Deus, Jesus existe e vai terminar a obra que começou.
Para a condução desta
reflexão, peço a licença do leitor, com todo o respeito e consideração, para
tratar de um assunto que pode despertar a sua consciência, e de alguns, ou
aparentar alguma presunção de minha parte, ao que adianto, jamais seria a minha
intenção ferir alguém, senão tirar o cascão mal formado da ferida, que tanto machuca
a vida religiosa, para que cicatrize melhor.
22 Todos davam testemunho a
seu respeito, admirados com as palavras cheias de encanto que saiam da sua
boca. E diziam: “Não é este o filho de José?”
Qual o pregador da Palavra
de Deus ou amigo de alguém que nunca experimentou esta duplicidade em seu
próximo? Em um momento o escuta com atenção e encantamento, em outro é o
primeiro a lhe criticar e repudiar as palavras. Em minha história de vida também
já fui amado e já fui odiado, sou amado e sou escamoteado. Tem nada não! Já fui
aclamado e ovacionado, mas também já fui rejeitado e expulso. Mas, em que fui
diferente de Jesus? Como diz São Paulo: “Sei viver na riqueza e sei viver na
pobreza.” Isto nos ensina a vida: a ser melhores.
Embora a admiração dos
audientes de Jesus, ela escondia uma presunção da comunidade, que por conhecer
Jesus de família e profissão, não admitia a Sua ‘nova’ autoridade e poder. Imagine
o leitor que a região de Cafarnaum beirava os mil e quinhentos habitantes na
época de Jesus, todos se conheciam desde criança. A Sinagoga ficava no alto e era
o principal ponto de encontro depois do porto comercial do lago de Genesaré. Em
muitas cidades a igreja ainda é o maior centro de convergência de pessoas, pela
localização na Praça Matriz, e seus assuntos são os de maior popularidade,
depois da política local. Todavia, isto não é evangelização.
Não é, entretanto, desconhecido
que haja nas comunidades de fé quem se dê ao depaupério do preconceito, de
diversas formas. O mais conhecido, parece-nos, é o das vestes. Mede-se a
participação no templo pela roupa que usa. Polêmicas à parte, ainda tem a
identificação pessoal com este ou aquele irmão de caminhada ou com o ministro.
Mede-se a importância da pessoa pela atenção que ela dá; se me dá atenção,
então eu gosto dela. São inumeráveis os critérios que se utiliza para
categorizar alguém, mesmo entre ‘irmãos de fé’. Então, dá pra ver que não é a
pessoa nem suas palavras, mas o quanto me agrada o maior critério de aceitação
na roda.
23 Jesus, porém, disse:
“Sem dúvida, vós me repetireis o provérbio: Médico cura-te a ti mesmo. Faze
também aqui, em tua terra, tudo o que ouvimos dizer que fizeste em Cafarnaum”.
Cafarnaum foi a residência
de Jesus, depois de Nazaré. Escolheu morar ali, provavelmente pela localização
estratégica de entreporto e comércio, sobretudo, por ser moradia das pessoas mais
pobres da região, de pescadores e miseráveis. Poderíamos até arriscar em dizer
que a maioria dos Seus milagres Ele os realiza em Cafarnaum. Este verso dá a
entender que a Sua fama já era conhecida e já começava a despertar despeito
entre os seus conhecidos.
Jesus também se colocou na
mira dos olhares de todos e levou seus tiros, alfinetadas e punhaladas pelas
costas. As pessoas se encantavam e logo se decepcionavam com Ele. Sim, Jesus
decepcionou muita gente, inclusive os seus concidadãos! O evangelho de hoje se
presta para uma leitura muito sincera da postura da comunidade e de seus
ministros. Quantos preferem agradar para serem agradados, aliviando o peso das
palavras para não perder os infiéis? Permitam-me um conselho: Viva além do que
dizem! Seja fiel a Deus e à sua consciência apesar do que falam! Faça o que
deve, mesmo que lhe difamem! E mande todos que falam mal de você fazerem melhor. Não se convença das incertezas deles e que examinem suas vidas. Se quiserem frear
você, não podem conseguir!
Engana-se o pregador e
engana-se a comunidade. A Palavra é a referência, ela não pode mudar ao sabor
dos que a ouvem. Assim seria deveras volúvel e impossível tomá-la com
segurança. Ora ela penderia para um lado ora para outro. Outrossim, a fortaleza
maior deve estar mesmo em quem a anuncia. Ele é o encarregado de manter a
solidez da Palavra. Coisa terrível é quando o pregador titubeia e apresenta uma
Palavra tão frágil quanto ele. Melhor seria não pregar a falar o que a Palavra
não diz. Será tratado como o “menor no reino dos céus”, mas se mudar as letras
será “amaldiçoado”.
24 E acrescentou: “Em
verdade eu vos digo que nenhum profeta é bem recebido em sua pátria. 25 De
fato, eu vos digo: no tempo do profeta Elias, quando não choveu durante três
anos e seis meses e houve grande fome em toda a região, havia muitas viúvas em
Israel. 26 No entanto, a nenhuma delas foi enviado Elias, senão a uma viúva que
vivia em Sarepta, na Sidônia. 27 E no tempo do profeta Eliseu, havia muitos
leprosos em Israel. Contudo, nenhum deles foi curado, mas sim Naamã,o Sírio”.
Em vésperas de quaresma
valeria a pena repensar, não só as práticas de penitência, mas as práticas
homiléticas. Será que nossas pregações têm mesmo estimulado e até convertido as multidões que arrasta? Em tempos de novena e de Semana Santa as igrejas
superlotam e seus bancos de madeira pedem socorro às cadeiras de plástico ou
qualquer tijolo onde se possa descansar um quadril fadigado. Mas, o que ocorre
no cotidiano da fé que não motiva a permanência dos penitentes, não continua o
jejum, a esmola e a caridade, não se condoi com a Paixão do Senhor, nem exulta
mais com a Sua Ressurreição ou O sente em suas orações? Fé e piedade não são
temporãs, não passam como correnteza de uma enxurrada. Salvo a grande minoria dos
fiéis, para onde foram os fieis à procissão? Não voltaram à missa seguinte!
Jesus não temeu o repúdio
dos Seus, nem se deixou seduzir por seus elogios e reconhecimentos. Não pregava
para os aplausos, muito menos para o aumento das multidões. Vale lembrar que, quanto maior o número de pessoas, menos será o alcance da voz e das palavras.
Os pequenos grupos sempre foram quem sustentaram a continuidade e fidelidade da
mensagem. Não trago, nem sei se há soluções para a religião das multidões. Só sei
que a pregação eficiente é aquela mais direta e quanto mais próxima dos ouvidos
tanto melhor.
28 Quando ouviram estas
palavras de Jesus, todos na sinagoga ficaram furiosos. 29 Levantaram-se e o
expulsaram da cidade. Levaram-no até ao alto do monte sobre o qual a cidade
estava construída, com a intenção de lançá-lo no precipício. 30 Jesus, porém, passando
pelo meio deles, continuou o seu caminho.
Este evangelho tem uma
semelhança impressionante com os textos do desfecho da vida de Jesus. Desde a
aclamação e reconhecimento de onde Ele vem, na entrada em Jerusalém; depois,
quando a sua mensagem incomoda pela verdade, os que o escutam e aclamam,
prontamente o odeiam e ameaçam; querem matá-Lo; até a interpelação “desce da
cruz se és o Messias!” (“médico, cura-te a ti mesmo”). Passar ileso entre eles é
a travessia a pés enxutos pelas águas turbulentas do Mar Vermelho e pelo vale
tenebroso da sombra da morte na Ressurreição.
Não se engane o fiel, esta
é a sorte do discípulo. O amor à comunidade não pode ser uma conchavo político
de cumplicidades, seja de qual parte for, nem um apego apaixonado acima da
missão. Não podemos amar mais do que Jesus. A forma desse amor misericordioso
Ele já nos ensinou, assim como a medida e a dosagem certas. Engana-se o
pregador que pensa estar a serviço da comunidade. Ele está a serviço de Jesus e
de Sua Palavra, que é maior do que o pregador e maior do que a comunidade
inteira. Por isso “Eu anuncio aquilo que aprendi de meu Pai.” Assim fica claro
que não fazemos propaganda de nós mesmos, nem estamos em competição de curtidas
em redes sociais.
Muito me preocupa quando um
líder religioso é mais aclamado e lembrado do que Jesus a quem ele diz
anunciar. Mas mais triste é quando esse líder se anuncia em suas próprias
homilias. Não reunimos a comunidade para dizer que somos bons, ainda que
sejamos santos, nós a reunimos para falar de Jesus. Talvez a perda da
referência cristã, mesmo entre os cristãos, esteja na escassez da pessoa de
Cristo em nossas conversas; das informais às oficiais nos templos. Parece que
cada vez mais estamos sabendo contar menos a história da vida de Jesus. Os
temas sociais, familiares e pessoais assumiram o conteúdo da religião que
passou a ser instrumento de moralização. O como devemos agir passou a ser mais
importante do que como Jesus agiu. Parece a mesma coisa, mas fique atento se
Jesus é o modelo da ação e, sobretudo, o sentido dela em nossas pregações. Evitemos
dizer tolices; evitemos o mal das línguas de trapo, de remendos que dilaceram a
costura.
Não vimos Jesus adular seus
seguidores, ao contrário, nós até achamos que Ele os enxotasse, com licença da
palavra! Jamais por maldade, mas por sinceridade. São palavras como as de hoje
que coloca os estrangeiros em maior atenção da parte de Deus ou quando não
ameniza em dizer: “quem quiser me seguir, renuncie a si mesmo, tome a sua cruz
cotidiana, e depois me siga.” Ser religioso não é algo para ufanar-se, não se
trata de uma ostentação. Daí porque vale mesmo entre iguais; inclusive de
ministro para ministro. Quem sabe não seja outro grave erro quando, na
religião, o profetismo se tornou apenas vertical e descendente. Por que se vê
tão pouco horizontalmente e vertical-ascendente?
Creio na fé destemida, não na
temerária! Que a sua fé evolua à caridade! Glória ao Pai e ao Filho e ao Espírito Santo...
Estância – SE, 31.01.2016
Pe.
Adeilton Santana Nogueira