Marcos 13, 24 – 32
O ano litúrgico já se avizinha do seu fim. Para recomeçar
outro ciclo de liturgias, o Ano C, do evangelho de São Lucas. Louvo e agradeço
a Deus ter iniciado estas reflexões que me têm trazido a presença de Jesus e
possibilitado vê-lo de uma maneira diferente e única, nesta fase em que se
encontra o meu ministério sacerdotal.
É grande a lição do apóstolo das gentes, São Paulo, quando
diz: “Ai de mim se eu não evangelizar.” (1 Cor 9, 16) Confesso que, de início,
não senti tanta saudade da pastoral como senti da pregação. A Palavra de Deus
está impregnada em um sacerdote como algo próprio. Não fiz questão de
publicá-la, não foi algo que eu pedisse ou procurasse, mas o convite de um
blogueiro que me acordou do sono e da dormência em que me anestesiaram.
Caro leitor, ainda que não mais pudesse falar da mensagem de
Jesus continuaria a escrever estas reflexões. Não as chamo de meditações, como
já me perguntaram, porque a proposta aqui é outra. Entendo que meditar é quando
o pensamento se volta para a o interior do próprio pensamento, enquanto a
reflexão é a sua projeção, o pensamento logo depois da meditação, quando ele se
lança na aventura de se aplicar à existência, ou melhor, depois de se perguntar
o que Jesus disse aos seus discípulos, na reflexão se pergunta o que isso tem a
ver comigo. Naturalmente, uma boa reflexão nasce de uma boa meditação.
24 Naqueles dias, depois da grande tribulação, o sol vai se escurecer e a
lua não brilhará mais,
25 as estrelas começarão a cair do céu e as forças do céu serão abaladas.
Meu Deus, quais tempos serão esses de escuridão embrenhada,
em que não haverá luz e os céus se abalam? Isto ainda vai acontecer ou
poderíamos trocar o início desta perícope para ‘em nossos dias’, e essas
palavras não pareceriam falar de uma realidade futurística, mas do presente?
Muitos de nós já passam por grandes tribulações. Na
linguagem bíblica a tribulação é a provação do fiel. Um crente que não foi
provado ainda não é um fiel amadurecido. O que talvez diminua tanto a qualidade
dos membros de igreja. Nós temos a tendência de fugir das tribulações, quando
Jesus disse: “No mundo haveis de ter muitas tribulações, mas coragem eu venci o
mundo.” (Jo 16, 33) Só saberemos do que somos capazes de fazer e aonde ir no
final. Sem a coragem de subir a montanha Abraão jamais conheceria a própria fé.
Será que Deus não sabia do coração do seu servo? Quem imaginaria que Deus
queria levar o patriarca ao cume da própria fé quando pediu o sacrifício do seu
maior bem, o seu filho único? Com certeza o Abraão que sobe ao monte não é o
Abraão que desce dele. Vale a pena reler aquela passagem em Gênesis 22.
Um tempo de escuridão e de queda de estrelas! Não pense o
leitor que Jesus esteja falando da astronomia e da física. Escuridão é a vida
sem fé, pois Ele é a luz do mundo (Jo 8, 12) e suas estrelas somos nós mesmos,
sua criação, quando refletimos sua glória. Caíram os anjos, caem os seus
arautos, cai também a natureza. Há catástrofe maior do que a queda de um desses?
“É inevitável que haja os escândalos, mas malditos aqueles pelos quais eles
vêm!” (Mt 18, 7) São palavras duplamente duras! Não descure, todavia, quando
alguém atira outro no abismo também este se torna maldito.
Os abalos das forças celestes, reconhecidas nesta terra,
expressam uma faceta da oração de Jesus que não está clara: “assim na terra
como céu.” Esta expressão parece um código que precisa ser bem decifrado. Será
que de alguma forma se liga ao poder das chaves? “o que ligares na terra será
ligado nos céus.” (Mt 16, 19) As semelhanças nas palavras estão mais próximas
do que as suas teologias, eu sei, mas não custa provocar a reflexão.
Perdoem-me os exegetas! Mas este verso 25 fala da “queda das
estrelas” e do “abalo dos céus”. Quem sabe se quando os refletores de Cristo se
apagam não tenham desligado a energia? Se o lugar das estrelas é no céu e, se
elas não brilham mais, o céu também está escuro. Há muito se apagaram e o céu
não é mais céu. Ao menos não pode mais ser visto. Os céus se abalam com a queda
das estrelas, mas se rejubilam com a conversão de um só pecador. (Lc 15, 7) Logo
estrelas que caem e pecadores que se convertem mudam os céus.
26 Então vereis o Filho do homem vindo nas nuvens com grande poder e glória.
Vê, caro leitor, sozinhos não conseguiremos equilibrar essa
desproporção! Sem a intervenção divina será impossível reconciliar céus e
terra. Jesus é a ponte e a escada da humanidade. Tudo se resume no fato de Ele
ser a Luz. A obra prima de Deus. O primogênito de toda criatura, (Col 1, 15) de
onde decorre todo o resto. “Faça-se a luz e a luz se fez”. (Gn 1,3) “Gerado,
não criado”, como se reza no credo católico. A Vida da vida, pois “por Ele é
que tudo foi feito.” (Col 1, 16) É a intervenção de Jesus no mundo que
equilibra qualquer força opositora, mesmo a nossa própria degenerescência, ou
seja, aquilo que há de mais obscuro em nós mesmos, não o mal externo, mas a
escuridão interior, uma inclinação tendenciosa, ou se preferir, “o lado escuro
da força”, como no filme Guerra nas Estrelas.
Estes versos apontam para algo inusitado. Quando a dor for
insuportável; quando sentir que está na maior tribulação da sua vida; quando
estiver à beira do abismo; quando a sua luz se apagar e tudo parecer trevas;
então aí se verá a glória e, no seu limite, descobrirá que a cruz é alavanca
que rolou a pedra da ressurreição. Ergue-te, ó grão, pois enterrado tu és
semente e teu destino é brotar! Alça voo, ó ave peregrina, pois, se não há
galhos ou chão, tu tens asas!
27 Ele enviará os anjos aos quatro cantos da terra
e reunirá os eleitos de Deus de uma extremidade à outra da terra.
Os eleitos, os que se deixaram eleger e os que se
candidataram. De fato, na nossa religião, não há lugar para pretensões
ambiciosas. Nem se compra o dom de Deus (At 8, 18 – 20), nem se arroga méritos
sobre ele. Mas se ingressa no grupo dos discípulos e espera seu nome ser
chamado no Livro do Cordeiro.
Percebeu como este evangelho trata do apocalipse de Marcos?
Sua estrutura apresenta aquele dia das revelações finais e do destino de todos
nós. Não seria exagero nosso enxergar nos quatro cantos da terra, além da Rosa
dos Ventos, os quatro Cavaleiros do Apocalipse que desfecharão aquela hora de
peste, guerra, fome e morte, bem como da coroação dos mártires, dos pacíficos,
dos solidários e dos justos; lá se encontrarão os eleitos. Como sabê-los?
Certamente não serão os causadores das desgraças, mas as suas vítimas. Assim se
concluirá o Armagedom.
28 Aprendei, pois, da figueira esta parábola:
quando seus ramos ficam vedes e as folhas começam a brotar, sabeis que o
verão está perto.
A sabedoria do Evangelho só é loucura para aqueles que o
desprezam. A Boa Nova de Jesus se fundamenta em duas bases que Ele uniu como
ninguém: a sabedoria de Deus e a sabedoria popular. Uma Ele conheceu no céu, a
outra aqui na terra. Quantas vezes Jesus falava de Deus e do céu a partir da
terra? Isto indica que a lei natural não está contra a lei de Deus, mas é seu
resumo. Daí porque quando não conseguirmos mais entender o que lemos na
natureza precisamos ir às fontes.
A verdadeira sabedoria é aquela que conduz ao conhecimento
das fontes originais. Em muito a ciência reclama a sua vez na história da
humanidade, já que outros saberes perderam seu espaço, no entanto, sem
reconhecer quem lhe deu fundamentos, melhor, quem tem as respostas que ela
procura. Tanto mais se faça ciência, mais se aproximará das origens e
fundamentos, da causa primeira e última de todas as coisas. Assim o foi com a
“Partícula de Deus”, assim será com o “Pentaquark” e todas as novas descobertas
ou confirmações.
Em tudo, meu leitor, fixa bem o teu olhar e entenda; perceba
o mundo à sua volta; enxerga além de um palmo adiante do nariz; vê além do
próprio umbigo; viva, mas vivencie, coma, mas deguste; aprenda, mas explique e transforme;
creia, reze, mas “brilhe a sua luz perante os homens para que eles vendo as
suas boas obras glorifiquem a Deus.” (Mt 5, 16)
29 Assim também, quando virdes acontecer estas coisas, ficai sabendo que
o Filho do homem está próximo, às portas. 30 Em verdade vos digo, esta geração
não passará até que tudo isso aconteça;
No início do cristianismo, a demora da segunda volta de
Jesus foi quem levou os cristãos a se organizarem e se estruturarem para
esperar aquele tremendo dia. Esta é uma intenção que não deveria ser esquecida.
Nós não estamos reunidos hoje para nos encontrarmos simplesmente, como se esta
fosse a finalidade das assembleias cristãs ou a sustentação das instituições
religiosas que congregamos ou ainda que aquele dia não estivesse mais próximo. Ele
está às portas, lembremos isto! Os cristãos se reuniam para esperar o Senhor.
31 O céu e a terra passarão, mas as minhas palavras não passarão.
32 Quanto àquele dia e hora, ninguém sabe, nem os anjos do céu nem o
Filho, mas somente o Pai.
Às vezes tenho a infeliz impressão de que não esperamos mais
a Sua volta. Não nos preparamos mais para o desfecho de nossas vidas. Nós temos
nos preocupado tanto com a manutenção do status
quo, em deixar as coisas como estão, e esquecemos que tudo isso passará;
nada há de ficar como está. “Agora, pois, permanecem a fé, a esperança e o
amor, estes três, mas o maior destes é o amor.” (1 Cor 13, 13) Vejam se não
pregamos mais umas coisas que, embora necessárias, dão lugar à essencial. Estou
convencido de que precisamos mudar alguns temas e a forma de apresentar as nossas
pregações. E você, o que você acha?
Esperemos sempre no Senhor! Aguardemos a sua feliz chegada.
Que Ele não se acanhe em ingressar em nossa vida, nem sempre preparada, jamais
digna de Sua visita, mas sempre necessitada. Disso Ele sabe! Tenha uma
abençoada semana e nos amemos. Rezemos uns pelos outros!
Glória ao Pai e ao Filho e ao Espírito Santo...
15.11.2015
Pe. Adeilton Santana Nogueira