Mc 12, 38 – 44
A cada domingo vimos partilhando o evangelho que é lido mundialmente
em todas as missas católicas, salvo alguma situação particular, orientados pela
visão sinótica de São Marcos evangelista que, segundo a tradição, apesar de muito
novo, já acompanhava seus pais no discipulado de Jesus. Marcos também viajou a
derradeira vez de Pedro a Roma, onde recolheu as suas pregações e,mais tarde,
compilou o seu evangelho.
Sinóticos que dizer ‘a mesma visão’, referindo-se também aos evangelhos
de Mateus e Lucas. Porém, sabemos que, dos três evangelistas, o único apóstolo
foi Mateus. Logo, dos três sinóticos, apenas um foi testemunha ocular, o que
leva a crer que havia outros olhos, a saber, outras fontes dos feitos e ditos
de Jesus, e não os próprios autores.
Digo isto porque Marcos estava em Roma quando escreveu o seu
evangelho. Pedro fora martirizado, crucificado de cabeça para baixo; a comunidade
estava desolada sem os seus maiores bispos. Mesmo com outros discípulos na
sucessão tudo era muito recente, dramático e as distâncias não ajudavam a comunicação
com Jerusalém e outros centros fervorosas, inclusive com as missões paulinas,
dispersas entre os pagãos. Alguns se adiantavam em escrever e falar sobre Jesus.
As contendas entre os pregadores já começavam, bem como os sínodos para
dirimi-las. A fim de não se perder a memória da vida de Jesus e guardar o
essencial de seus ensinamentos eles precisavam de uma catequese segura e fiel.
Nem tudo poderia ser escrito em palavras, pois Jesus também
não escreveu nada. Começa-se então a definir o conteúdo da pregação, a saber, contar
a vida de Jesus. Nisto consistiam as primeiras pregações que definiram a
estrutura dos evangelhos e sua validade. A infância, a pregação pública, a
paixão, morte e ressurreição, tornaram-se a estrutura dos evangelhos, o que
descartou, na época, outros textos que chamamos de apócrifos, pois não eram
usados nas comunidades; apesar de hoje causar alguma curiosidade. Por este
mesmo motivo não entraram no cânon da Bíblia. Jesus nunca foi espalhafatoso,
esnobe, nem mesmo miraculista. Sua vida foi simples, escondida e rejeitada,
inclusive pelos próprios seguidores, conterrâneos ou parentes.
Embora Ele não se abalasse com uma popularidade controversa,
havia um grupo de judeus que O incomodava frequentemente: a classe dos fariseus.
Ser fariseu se tornou sinônimo de hipócrita; uma pessoa que não vive o que
prega. Mas a origem dos fariseus é mais bonita do que esta má fama; diz
respeito à volta do exílio da Babilônia para reconstrução do Templo e da cidade
de Jerusalém, após o edito de Círo. Aquele pequeno grupo, ‘resto’ de Israel, de
onde descende o termo fariseu, traz de volta a memória dos anciãos, dos
patriarcas e da cultura bíblica que puderam conservar. Voltam como guardiões da
fé e se tornam intérpretes e doutores da Lei, perante os seus irmãos, inclusive
os que ficaram na miséria da cidade espoliada.
No entanto, ao que parece, a eleição lhes sobre à cabeça e de
intérpretes passam a ditadores, de ‘resto’ passam a casta seleta, de guardiões
a senhores, e a cultura bíblica vira ideologia em seus trajes e trejeitos. Jesus
que a tudo observa se depara em uma situação corriqueira, mas muito atual se
mudamos as personagens. Senão vejamos!
38 Jesus dizia, no seu ensinamento a uma
grande multidão: “Tomai cuidado com os doutores da lei! Eles gostam de andar
com roupas vistosas, de ser cumprimentados nas praças públicas; 38 gostam das
primeiras cadeiras nas sinagogas e dos melhores lugares nos banquetes.”
Viraram figuras alegóricas, Superstars ou “Famosos”, numa linguagem mais atual. Lembro-me do
finado D. Tepe quando nos contara de uma criança que o confundira com o
Chacrinha, pelas suas vestes de bispo. Imagino esses fariseus com tantos
filactérios, chales de oração, túnicas com senetas nas franjas, verdadeiras árvores
de natal ambulantes, mais vistosas que Elke Maravilha. Sei que cada indumentária
tem sua descrição e significado, seu simbolismo bíblico; porém Jesus alerta sobre
a perda desses valores, quando as roupas viram apenas ornamento e a eleição se
transforma em altivez. Eles sentem prazer em parecer melhores e maiores do que
os seus irmãos.
40 “Eles devoram as casas das viúvas,
fingindo fazer longas orações. Por isso eles receberão a pior condenação.”
Não bastasse serviço e vocaçao virarem arrogância, eles “devoram
as casas das viúvas”. Esta nova figura que entra em cena, a viúva, é uma
alegoria de Israel e do pecador que vive como alma sem esposo, sujeitos às
visitas de ministros que esperam retribuição econômica por seus favores
espirituais ou daqueles que se deleitam em longos banquetes às custas dessas senhoras,
extorquindo-lhes comida, casa e dinheiro. Suas orações são fingimento e sua
prática charlatanismo infernal. Mas não nos preocupemos com esses, “eles
receberão a pior condenação”, preocupemo-nos com elas, as pobres e solitárias
viúvas que se doam por atenção.
41 Jesus estava sentado no templo, diante do
cofre das esmolas, e observava como a multidão depositava as suas moedas o
cofre. Muitos ricos depositavam grandes quantias.
Dizem que é na hora da refeição que se conhece o lado animal
de cada um. Talvez seja na hora de doar que se conheça o lado humano. Observar quem
dá mais ou menos é uma prática comum na igreja, desde Jesus. Não é feio nem
errado. O homem livre não se importa com nada que venha de fora, pois não o diminui.
Todavia, como tudo que sai do homem pode fazer mal, é ele quem deveria olhar profundamente
sempre que for doar. Quem tem mais dá mais, uma vez que dá do que tem. A surpresa
será: Tendo muito, dar pouco ou tendo pouco, dar muito.
42 Então chegou uma pobre viúva que deu duas
moedas, que não valiam quase nada. 43 Jesus chamou os discípulos e disse: “Em
verdade vos digo, esta pobre viúva deu mais do que os outros.”
O rico fez o que devia, mas a pobre fez o que não devia, ou
melhor, o que não podia; foi além de si mesma e das expectativas dos outros. Curioso
é que ela deu moedas “que não valiam quase nada” e mesmo assim “deu mais do que
os outros.” Sobre falar de dinheiro na igreja, está aí uma coisa que deveria precisar
pedir, bastaria continuar acreditando na generosidade das pessoas de fé. Não deveria
ser assim?
Algumas igrejas falam mais de dinheiro do que de Jesus. Será
que o problema dessas instituições está no capital ou na pregação? Igreja não
foi feita para se tornar uma potência mundial ou uma multinacional. Igreja é
templo; templo é povo; povo é igreja. Meu Deus me perdoe o que vou dizer: mas,
talvez as contas não deem para as despesas da igrejas porque as despesas são
maiores do que as igrejas. Que igreja é esta que tem tantos ricos, contudo, é
sustentada apenas pelos pobres? Ou nem isso!
Parece uma maldição pedir ou fazer campanha. Quanto mais se
faz essas coisas, mais precisará continuar fazendo. É um vício que ainda não se
entende o quanto o tema e a sua insistência não agradam à devoção. Inclusive, nem
toda oferta é dinheiro. Há mais doação de pessoas que de bens, até porque se quer
muito mais gente do que os seus bens. Não é verdade?
44 “Todos deram do que tinham de sobra enquanto
ela, na pobreza, ofereceu aquilo que possuía para viver.”
Não é porque todos estão em crise econômica que as contas não batem.
Segundo este evangelho, precisamos confiar mais; ricos e pobres darem do que
tem. Arriscaria em dizer que, talvez, o grande engano, do crente ao pagão, seja
fechar a mão e não participar, alegando que não tem nada. Assim como fugir no
medo, partilhar na necessidade será um dilema, um risco a se correr, se ainda
houver fé. Mas, não será se negando em dar do que tem que se garantirá
segurança pessoal, muito menos será mais humanos. Quando a vida é orientada
pela espiritualidade o milagre só acontece na provação; quando a última medida de farinha e a última
gota de azeite estiverem no fim.
É lamentável que mesmo em igrejas se queira o milagre para si,
mas não queira ser o milagre para o outro. Como disse um padre amigo: “Ele vê de
perto o que estamos oferecendo a Ele.” Lembremos que dar é o gesto mais simples
do desprendimento, desprender-se é a essência da pobreza e os pobres em
espírito herdarão o reino dos céus (Cf. Mt 5, 3). Se a viúva de Sarepta não decidisse
saciar a fome do profeta Elias, partilhando consigo a sua última refeição, talvez
nunca experimentasse a fartura de uma vasilha repleta de poucas medidas,
generosa e miraculosamente renovadas (Cf. 1 Rs 17, 15).
Desejo a todos uma semana mais ousada na fé, mais humana. Seja
o milagre de alguém! Faça e seja a sua oferta!
Glória ao Pai e ao Filho e ao Espírito
Santo...
Barra dos
Coqueiros – SE, 08.11.2015
Pe. Adeilton Santana Nogueira
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