domingo, 8 de novembro de 2015

POBRES MILAGROSOS

Mc 12, 38 – 44
A cada domingo vimos partilhando o evangelho que é lido mundialmente em todas as missas católicas, salvo alguma situação particular, orientados pela visão sinótica de São Marcos evangelista que, segundo a tradição, apesar de muito novo, já acompanhava seus pais no discipulado de Jesus. Marcos também viajou a derradeira vez de Pedro a Roma, onde recolheu as suas pregações e,mais tarde, compilou o seu evangelho.
Sinóticos que dizer ‘a mesma visão’, referindo-se também aos evangelhos de Mateus e Lucas. Porém, sabemos que, dos três evangelistas, o único apóstolo foi Mateus. Logo, dos três sinóticos, apenas um foi testemunha ocular, o que leva a crer que havia outros olhos, a saber, outras fontes dos feitos e ditos de Jesus, e não os próprios autores.
Digo isto porque Marcos estava em Roma quando escreveu o seu evangelho. Pedro fora martirizado, crucificado de cabeça para baixo; a comunidade estava desolada sem os seus maiores bispos. Mesmo com outros discípulos na sucessão tudo era muito recente, dramático e as distâncias não ajudavam a comunicação com Jerusalém e outros centros fervorosas, inclusive com as missões paulinas, dispersas entre os pagãos. Alguns se adiantavam em escrever e falar sobre Jesus. As contendas entre os pregadores já começavam, bem como os sínodos para dirimi-las. A fim de não se perder a memória da vida de Jesus e guardar o essencial de seus ensinamentos eles precisavam de uma catequese segura e fiel.
Nem tudo poderia ser escrito em palavras, pois Jesus também não escreveu nada. Começa-se então a definir o conteúdo da pregação, a saber, contar a vida de Jesus. Nisto consistiam as primeiras pregações que definiram a estrutura dos evangelhos e sua validade. A infância, a pregação pública, a paixão, morte e ressurreição, tornaram-se a estrutura dos evangelhos, o que descartou, na época, outros textos que chamamos de apócrifos, pois não eram usados nas comunidades; apesar de hoje causar alguma curiosidade. Por este mesmo motivo não entraram no cânon da Bíblia. Jesus nunca foi espalhafatoso, esnobe, nem mesmo miraculista. Sua vida foi simples, escondida e rejeitada, inclusive pelos próprios seguidores, conterrâneos ou parentes.
Embora Ele não se abalasse com uma popularidade controversa, havia um grupo de judeus que O incomodava frequentemente: a classe dos fariseus. Ser fariseu se tornou sinônimo de hipócrita; uma pessoa que não vive o que prega. Mas a origem dos fariseus é mais bonita do que esta má fama; diz respeito à volta do exílio da Babilônia para reconstrução do Templo e da cidade de Jerusalém, após o edito de Círo. Aquele pequeno grupo, ‘resto’ de Israel, de onde descende o termo fariseu, traz de volta a memória dos anciãos, dos patriarcas e da cultura bíblica que puderam conservar. Voltam como guardiões da fé e se tornam intérpretes e doutores da Lei, perante os seus irmãos, inclusive os que ficaram na miséria da cidade espoliada.
No entanto, ao que parece, a eleição lhes sobre à cabeça e de intérpretes passam a ditadores, de ‘resto’ passam a casta seleta, de guardiões a senhores, e a cultura bíblica vira ideologia em seus trajes e trejeitos. Jesus que a tudo observa se depara em uma situação corriqueira, mas muito atual se mudamos as personagens. Senão vejamos!
38 Jesus dizia, no seu ensinamento a uma grande multidão: “Tomai cuidado com os doutores da lei! Eles gostam de andar com roupas vistosas, de ser cumprimentados nas praças públicas; 38 gostam das primeiras cadeiras nas sinagogas e dos melhores lugares nos banquetes.”
Viraram figuras alegóricas, Superstars ou “Famosos”, numa linguagem mais atual. Lembro-me do finado D. Tepe quando nos contara de uma criança que o confundira com o Chacrinha, pelas suas vestes de bispo. Imagino esses fariseus com tantos filactérios, chales de oração, túnicas com senetas nas franjas, verdadeiras árvores de natal ambulantes, mais vistosas que Elke Maravilha. Sei que cada indumentária tem sua descrição e significado, seu simbolismo bíblico; porém Jesus alerta sobre a perda desses valores, quando as roupas viram apenas ornamento e a eleição se transforma em altivez. Eles sentem prazer em parecer melhores e maiores do que os seus irmãos.
40 “Eles devoram as casas das viúvas, fingindo fazer longas orações. Por isso eles receberão a pior condenação.”
Não bastasse serviço e vocaçao virarem arrogância, eles “devoram as casas das viúvas”. Esta nova figura que entra em cena, a viúva, é uma alegoria de Israel e do pecador que vive como alma sem esposo, sujeitos às visitas de ministros que esperam retribuição econômica por seus favores espirituais ou daqueles que se deleitam em longos banquetes às custas dessas senhoras, extorquindo-lhes comida, casa e dinheiro. Suas orações são fingimento e sua prática charlatanismo infernal. Mas não nos preocupemos com esses, “eles receberão a pior condenação”, preocupemo-nos com elas, as pobres e solitárias viúvas que se doam por atenção.
41 Jesus estava sentado no templo, diante do cofre das esmolas, e observava como a multidão depositava as suas moedas o cofre. Muitos ricos depositavam grandes quantias.
Dizem que é na hora da refeição que se conhece o lado animal de cada um. Talvez seja na hora de doar que se conheça o lado humano. Observar quem dá mais ou menos é uma prática comum na igreja, desde Jesus. Não é feio nem errado. O homem livre não se importa com nada que venha de fora, pois não o diminui. Todavia, como tudo que sai do homem pode fazer mal, é ele quem deveria olhar profundamente sempre que for doar. Quem tem mais dá mais, uma vez que dá do que tem. A surpresa será: Tendo muito, dar pouco ou tendo pouco, dar muito.
42 Então chegou uma pobre viúva que deu duas moedas, que não valiam quase nada. 43 Jesus chamou os discípulos e disse: “Em verdade vos digo, esta pobre viúva deu mais do que os outros.”
O rico fez o que devia, mas a pobre fez o que não devia, ou melhor, o que não podia; foi além de si mesma e das expectativas dos outros. Curioso é que ela deu moedas “que não valiam quase nada” e mesmo assim “deu mais do que os outros.” Sobre falar de dinheiro na igreja, está aí uma coisa que deveria precisar pedir, bastaria continuar acreditando na generosidade das pessoas de fé. Não deveria ser assim?
Algumas igrejas falam mais de dinheiro do que de Jesus. Será que o problema dessas instituições está no capital ou na pregação? Igreja não foi feita para se tornar uma potência mundial ou uma multinacional. Igreja é templo; templo é povo; povo é igreja. Meu Deus me perdoe o que vou dizer: mas, talvez as contas não deem para as despesas da igrejas porque as despesas são maiores do que as igrejas. Que igreja é esta que tem tantos ricos, contudo, é sustentada apenas pelos pobres? Ou nem isso!
Parece uma maldição pedir ou fazer campanha. Quanto mais se faz essas coisas, mais precisará continuar fazendo. É um vício que ainda não se entende o quanto o tema e a sua insistência não agradam à devoção. Inclusive, nem toda oferta é dinheiro. Há mais doação de pessoas que de bens, até porque se quer muito mais gente do que os seus bens. Não é verdade?
44 “Todos deram do que tinham de sobra enquanto ela, na pobreza, ofereceu aquilo que possuía para viver.”
Não é porque todos estão em crise econômica que as contas não batem. Segundo este evangelho, precisamos confiar mais; ricos e pobres darem do que tem. Arriscaria em dizer que, talvez, o grande engano, do crente ao pagão, seja fechar a mão e não participar, alegando que não tem nada. Assim como fugir no medo, partilhar na necessidade será um dilema, um risco a se correr, se ainda houver fé. Mas, não será se negando em dar do que tem que se garantirá segurança pessoal, muito menos será mais humanos. Quando a vida é orientada pela espiritualidade o milagre só acontece na provação;  quando a última medida de farinha e a última gota de azeite estiverem no fim.
É lamentável que mesmo em igrejas se queira o milagre para si, mas não queira ser o milagre para o outro. Como disse um padre amigo: “Ele vê de perto o que estamos oferecendo a Ele.” Lembremos que dar é o gesto mais simples do desprendimento, desprender-se é a essência da pobreza e os pobres em espírito herdarão o reino dos céus (Cf. Mt 5, 3). Se a viúva de Sarepta não decidisse saciar a fome do profeta Elias, partilhando consigo a sua última refeição, talvez nunca experimentasse a fartura de uma vasilha repleta de poucas medidas, generosa e miraculosamente renovadas (Cf. 1 Rs 17, 15).
Desejo a todos uma semana mais ousada na fé, mais humana. Seja o milagre de alguém! Faça e seja a sua oferta!

Glória ao Pai e ao Filho e ao Espírito Santo...
Barra dos Coqueiros – SE, 08.11.2015

Pe. Adeilton Santana Nogueira

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