sábado, 9 de janeiro de 2016

TUDO FLUI

Batismo de Jesus
Lc 3, 15 – 16. 21 – 22

Presépios desarmados, pisca-piscas desligados, árvores guardadas, o natal terminou. Tantas luzes, tantos presentes, tanta fartura, tanta comida, tanta gente, tanta alegria! Boas festas! Feliz Ano Novo! Reencontros, visitas, viagens, paisagens, lembranças e saudades, tudo encanta nesse tempo.

Lembro-me de uma casa, em uma cidade onde fui pároco, em que todas as luzes ficavam acesas e eram coloridas. Não só a árvore da porta de casa era de natal, mas toda a casa era natalina. Sempre me encantou o jeito de ser daquela senhora. A sua alta idade combinava muito bem com a sua alta estima.

Mas as festas do natal não acabaram. Como diz Pe. Zezinho, na música Estou Pensando em Deus, “Tudo seria bem melhor se o natal fosse um dia...” Até os cristãos se doparam da matemática da publicidade, do reflexo condicionado, do causa-efeito da propaganda, que leva a transformar em produto tudo que encanta aos olhos e desperta o desejo. Até as festas religiosas se tornaram mercadoria de venda. A pressa do mundo já acabou o natal e se prepara para as novas promoções e pacotes de viagem. No mundo das cópias até a fé se torna fugaz e esvanece ao anúncio da próxima curtição. Inclusive, algumas igrejas sabem usar muito bem dessa estratégia maquiavélica sob a máscara da modernidade. Acho que preciso ler Marx de novo!

Ainda falta uma celebração: a festa litúrgica do Batismo do Senhor. Talvez esta nos situe bem no final desse Tempo Litúrgico que, para nós católicos, finda hoje. Como as nossas meditações pretendem uma reflexão sobre os evangelhos do domingo, algo menos pastoral, mais pessoal, indagar a consciência e a atitude de cada cristão. Seja em qual igreja congregue, convido o leitor, mesmo o não aderente, a seguir com esta leitura despretensiosa.

15 O povo estava na expectativa e todos se perguntavam no seu íntimo se João não seria o Messias.

Aqui poderíamos contextualizar a cena do batismo e a atualidade dessa festa do Batismo do Senhor nos dias atuais, em que a religião está desempenhando o seu papel entre os homens. Já parou pra pensar como é quase inevitável que os homens de Deus se destaquem? A própria massa dos seguidores os promove. A necessidade de sinais se manifesta de diversas formas e fazemos das pessoas sacramentais do que almejamos. Creio que a verdade sobre isto é que, de fato, precisamos de pessoas que nos garantam ser verdade o que dizem. A melhor forma de fazê-lo é, de fato, demonstrá-lo em si mesmas. Como diria S. Paulo: “Sede meus imitadores como eu sou de Cristo.” (1 Cor 11, 1) Assim ninguém se ufana ou rouba o protagonismo de Cristo. A Igreja é Sua e é Ele quem age e vive em nós (Cf. At 17, 28).

16 Por isso, João declarou a todos: “Eu vos batizo com água, mas virá aquele que é mais forte do que eu. Eu não sou digno de desamarrar a correia de suas sandálias. Ele vos batizará no Espírito Santo e no fogo”.

Eis um exemplo de como ser discípulo ou mesmo um líder cristão. O Batista é desses que não se digna brilhar mais do que a luz. O seu batismo diz respeito à purificação do corpo, muito mais do que um banho de asseio ou pura estética. O rito, provavelmente herdado dos Essênios, demonstra a passagem do sacrifício externo de animais nos ‘altares de Deus’ (Cf. Lv 6, 13) para uma atitude de convertido (Cf. Sl 50, 16 – 17). A pessoa que foi batizada (mergulhada) é o sacrifício (feita sagrada). O batizado foi ‘separado’, dado a Deus.

Algo curioso é que não se lê que alguém tenha se batizado, ou melhor, derramado água sobre si mesmo. Há quem questione sobre batizar crianças ou adultos, porém, talvez, não tenha se dado conta de que mesmo Jesus foi mergulhado por alguém e que isto que faz o batismo. O mergulho comum qualquer um pode se jogar e até se afogar, se não tiver socorro, mas o batismo cristão é, desde sua origem, uma participação comunitária e não uma exposição social. Criança ou adulto, todos somos ajudados no mergulho em Deus. Quem batiza não é maior do que aquele que é batizado, é apenas alguém que conhece o caminho das águas, que tudo lava e leva.

Talvez a consciência da participação no batismo de alguém seja a grande diferença de uma pessoa que oferece a Cristo, à religião e o seu semelhante. Ser ponte para as águas pode ajudar ateus e crentes na reconciliação com Deus. Somos todos ponte para alguém e para alguma coisa. Pois o sejamos o melhor possível, já que a ponte não é o destino, nem é o caminho, é apenas um atalho. Não só batizei como fui escolhido para padrinho por diversas vezes. Este é um parentesco que une mais intimamente os irmãos na fé, quando somos escolhidos para ser alguém mais próximo e até ser chamado de ‘meu’.

21 Quando todo o povo estava sendo batizado, Jesus também recebeu o batismo. E, enquanto rezava, o céu se abriu 22 e o Espírito Santo desceu sobre Jesus em forma visível, como pomba. E do céu veio uma voz: “Tu és o meu Filho amado, em ti ponho o meu bem querer”.

Outra coisa curiosa é o Imaculado banhar-se sem arrependimento; lavar o que já está limpo; o fogo mergulhado na água. Como diria Heráclito: “Tudo flui.” Dessa vez o que flui não é o rio, mas as águas que escorrem da emersão de Jesus banham o Jordão em fervura desigual. São as águas que caem que não são mais as mesmas, pois foram lavadas no corpo gerado imaculado do Messias. Seu batismo banha as águas e as mergulha no fogo e no Espírito que também lhe faz sombra. Há uma nova geração do mundo. Como no Gênesis, o Espírito paira sobre as águas e a voz é ouvida, e Deus diz, não mais ‘faça-se’ (Cf. Gn 1, 3), mas “Eis”, ou melhor, “Tu és o meu Filho amado.” Está feito; a criação está ‘terminada’; chegou ao seu ápice.

Se até Jesus rezava, como pode ser que passemos sem este diálogo entre filho e pai? Quando me perguntaram por que Jesus rezava, sendo ele Deus com o Pai, respondi que não se conversa com alguém apenas por necessidade, mas também por proximidade. Esses dois extremos disputam lugar no nosso coração, e acabam demonstrando o grau de intimidade entre as pessoas. Logo, o batismo de Jesus, assim como o nosso, expressa o grau de proximidade com Deus, na medida em que tanto a nossa pureza nos aparenta a sua divindade quanto o diálogo que temos com Ele.

Batizar em Nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo nos faz cristãos e, por isso, como em Jesus, mergulha a pessoa em Deus Pai e no seu Espírito. Agora lhe pergunto: Você se sente uma pessoa mergulhada em Deus? Inundada de Deus? Com Deus Se derramando de dentro para fora? Pois é, como em qualquer mergulho, há sinais de quem se molhou e de quem nada no caminho das águas do batismo cristão. Sei que alguns não nos ensinaram a mergulhar direito, por isso eu insisto, só não deixe de continuar rezando.

Eu desejo que o Espírito Santo lhe faça sombra e que jamais esqueça que você é fruto do amor do Divino Pai. Tenha uma semana abençoada!

Glória ao Pai e ao Filho e ao Espírito Santo...
Barra dos Coqueiros – SE, 10.01.2016

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