quarta-feira, 20 de janeiro de 2016

VINHO NAS VEIAS E SANGUE NOS OLHOS

Jo 2, 1 – 11
Bodas de Caná
1º Domingo Comum B

Assim começa o Tempo Comum, dedicado à vida pública e comum de Jesus, Seu dia a dia, se bem que Jesus não tinha nada de comum na Sua vida pública. Seus afazeres foram todos sacramentais, dos gestos às palavras. Assim Ele reescrevia com a Sua vida a vida de cada um de nós. Quem mais fez isso?

A vida de Jesus é pública desde que foi concebido em Maria virgem. Aos poucos foi reunindo pessoas em torno de Si. Algumas aparições Suas são relatadas sempre com maestria pelos evangelistas. Há sempre uma solene descrição de Sua presença. Cada história é um relato bem construído, com começo meio e fim. Cada cena sozinha é completa, mas também completa um grande quebra cabeça que até hoje tentamos inserir nossas pequenas peças.

1 Houve um casamento em Caná da Galileia. A mãe de Jesus estava presente. 2 Também Jesus e seus discípulos tinham sido convidados para o casamento. 3 Como o vinho veio a faltar, a mãe de Jesus lhes disse: “Eles não têm mais vinho”.

Mãe, filho e discípulos, todos são pessoas sociais. Apesar de convidados, estão atentos à festa como se fosse sua responsabilidade. Religiosos enfurnados ou devotos carolas, que não deixam as paredes do templo e de suas casas para conviverem no mínimo de normalidade, apontam não o pecado da sociedade, mas para a esquizofrenia de suas neuroses e medos mais íntimos. A religião urge de pessoas mais engajadas no mundo e não somente em seus espelhos narcisistas.

Desta vez o cenário está em uma festa de casamento. Parece que o código da Bíblia é assim: começar com o fim. Se o Gênesis começa com a revelação do paraíso, Jesus começa com a revelação das núpcias do cordeiro que desposa a sua Igreja. Há um simbolismo muito grande nestas cenas. Elas precisam ser vistas no conjunto do ensinamento de Jesus. Cada situação que Ele passa traz uma nova chave que abre outra porta do viver cristão. Esta, por exemplo, levantou em mim uma questão curiosa. Não foi somente o vinho que faltara, eles também não tinham enchido as talhas para purificação.

4 Jesus respondeu-lhe: “Mulher, por que dizes isto a mim? Minha hora ainda não chegou”. 5 Sua mão disse aos que estavam servindo: “Fazei o que ele vos disser”.

Uma vez disse a minha mãe que ela não era apenas a melhor mãe que eu conhecia, mas que era a melhor pessoa de todas. Não a diminuí enquanto mãe quando a classifiquei melhor enquanto ser humano. Penso que ao chamar de mulher Jesus a vê mais amplamente, bem como identifica as mulheres à Sua mãe, não pela maternidade, mas pelas atitudes de confiança incondicional que ela tem nEle (“Fazei o que ele vos disser”).

 6 Estavam seis talhas de pedra colocadas aí para a purificação que os judeus costumam fazer. Em cada uma delas cabiam mais ou menos cem litros.

Sim, agora entra a polêmica! Como aqueles judeus não tinham se preparado para os rituais de purificação e enchido aquelas talhas de água? Aquela família, amiga da sagrada família, ao que parece, não praticava as abluções do judaísmo conservador, portanto poderiam ser judeus reformistas. Ainda mais poderia indicar que algumas práticas antigas e externas já perderam sentido.

7 Jesus disse aos que estavam servindo: “Enchei as talhas de água”. Encheram-nas até a boca. 8 Jesus disse: “A gora tirai e levai ao mestre-sala”. Eles levaram. 9 O mestre-sala experimentou a água, que se tinha transformado em vinho. Ele não sabia de onde vinha, mas os que estavam servindo sabiam, pois eram eles que tinham tirado a água.

Quando estive na casa onde supostamente ocorrera esse milagre, em novembro de 2008, lá estava uma dessas talhas parecidas com nossos potes de barro, ainda presente em algumas cozinhas do interior. Lá também vi que os apaixonados jogavam moedas e bilhetes esperando alcançar algum novo milagre. Não joguei nem deixei nada, mas ainda trago a admiração de uma casa tão pequena para uma festa de casamento. Acredito que, se foi ali, a cena se deu mesmo no interior da casa o que confirma a intimidade dos convivas sagrados. A festa mesma ocorreria do lado de fora da casa, onde se pode acolher mais pessoas. Os problemas de casa, de fato, acontecem e se resolvem, em sua maioria, dentro de casa.

10 O mestre-sala então chamou o noivo e lhe disse: “Todo mundo serve primeiro o vinho melhor e, quando os convidados já estão embriagados, serve o vinho menos bom. Mas tu guardaste o vinho bom até agora!”

Tanto o mestre-sala quando o vinho são novidades da segunda etapa desta narrativa. A embriaguez legitimada por Jesus, a alusão repetida em outros evangelhos de um mordomo, um intermediário entre a comunidade e o milagre, papel dos ministros religiosos, o vinho vertido da água da purificação, indicam figuras escondidas no texto que merecem uma meditação e estudo mais aprofundados. Mas já indicam a temática geral desse Tempo litúrgico.

Jesus começa aqui vertendo água em vinha, mas terminará seu ministério público vertendo o vinho de outra celebração, sua páscoa, em seu sangue. Naquele dia da Nova e Eterna Aliança, o noivo será Jesus e o mordomo cada um dos apóstolos reunidos. Maria não mais precisará dizer: “Fazei o que ele vos disser”, pois o próprio noivo não deixará mais faltar vinho. Ele mesmo dirá de Si: “Dei-vos o exemplo para que, como eu vos fiz, assim façais também vós” (Jo 13, 15) e “Fazei isto em memória de mim” (Lc 22, 19).

11 Esse foi o início dos sinais de Jesus. Ele o realizou em Caná da Galileia e manifestou a sua glória, e seus discípulos creram nele.

Eu desejo que, ainda que falte a pureza, jamais lhe falte a graça de Cristo e ainda que haja vinho em suas veias não lhe falte o sangue nos olhos. Não seja um cristão de festas, mas de martírio. Fica com Deus e tenha uma semana abençoada!

Glória ao Pai e ao Filho e ao Espírito Santo...
Barra dos Coqueiros – SE, 17.01.2016
Pe. Adeilton Santana Nogueira

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