Lucas
1, 1 – 4; 4, 14 – 21
2º Domingo
Comum B
Em toda liturgia há uma
gradação como degraus que se vão subindo e descendo, na tentativa de se ter uma
oportunidade de encontro com o autor de todo ritual sagrado, em última volta, o
próprio Jesus. Seja uma liturgia boa ou má celebrada, o intento primeiro e último
é fazê-Lo presente.
Ao longo deste ano, portanto
dessa leitura contínua, vamos seguir a mesma intuição litúrgica e ritual de
apresentar Jesus. Sem o suporte emotivo de um templo e suas artes, em demérito
da acústica do canto e da pregação, apenas o silêncio de sua leitura e essas
mal traçadas linhas nos distam da experiência do, quiçá, autor dessa reflexão.
Continuamos contando a vida
de Jesus e extraindo dela alguns questionamentos para a vida pessoal, não o
contrário. Não questionamos a vida de Jesus, mas a nossa espelhada na Sua. Do mesmo
modo quanto se disse muito sobre Ele, também dizem muitas coisas sobre nós
mesmos. Salva as devidas proporções, a verdadeira lição sobre a vida de alguém
não se encontra nas curiosidades que ela desperta, mas nas respostas que
completam a vida de quem se questiona. Perguntar ao outro é coisa deveras fácil;
prova-o o cotidiano comezinho de quem assim se interessa, mas colocar-se no
lugar do outro e descobrir como trilharia aquelas estradas, ô assunto delicado!
1 Muitas pessoas já
tentaram escrever a história dos acontecimentos que se realizaram entre nós, 2 como nos foram transmitidos
por aqueles que, desde o princípio, foram testemunhas oculares e ministros da
palavra.
Vê se não é
interessante que Lucas afirme haver outros escritos a respeito de Jesus. Nós
acostumamos a achar que apenas o Segundo Testamento fala do Cristo, quando
agora lemos que também os evangelistas leram aqueles escritos mais antigos que
os seus, inclusive de testemunhas oculares, coisa que Lucas não foi, um
evangelista que não foi seu apóstolo, nem seu discípulo, pois não conheceu o
Mestre.
3 Assim sendo, após
fazer um estudo cuidadoso de tudo o que aconteceu desde o princípio, também eu
decidi escrever de modo ordenado para ti, excelentíssimo Teófilo. 4 Deste modo, poderás verificar
a solidez dos ensinamentos que recebeste.
Aqui está o que
fez Lucas: procurou conhecer com acuidade o que diziam de Jesus, foi às fontes,
não se contentou nem com o testemunho isolado daqueles que O conheceram. Não ignorou
seus depoimentos, mas lhes somou os de tantos outros e relatou a quem quer que
fosse (Téo = Deus + filós = amigo) amigo de Deus, os evangelhos da infância, da
vida, paixão, morte e ressurreição de Jesus e a vida das primeiras comunidades. O
seu Evangelho e os Atos dos Apóstolos formavam um livro só, compendiado a fim
de mostrar a saga de Cristo, da Anunciação até um dia comum de Paulo pregando
em sua cabana a pagãos que o procuravam, pois a eles agora foi enviada esta salvação
que vem de Deus e eles a ouvirão (Cf. At 28, 28).
Naquele tempo, 4,14 Jesus voltou para a
Galileia, com a força do Espírito, e sua fama espalhou-se por toda a redondeza.
15 Ele
ensinava nas suas sinagogas e todos o elogiavam.
Logo após o
batismo, Jesus foi levado pelo Espírito ao deserto, onde foi tentado pelo
demônio. Depois é que se dirige à sinagoga de sua terra natal. Não pense o
leitor distraído que essa sucessão se dá de imediato, como cenas cortadas de um
filme, ou como aqueles que assistimos. Consideremos as distâncias e a viagem a
pé, além dos seguidores que se somavam paulatinamente. Há quem pense que Jesus
tinha esse mapa e estratégia bem definido desde que saiu do útero de sua mãe. Não
creio, pois quando se diz que Ele crescia em sabedoria, estatura e graça (Cf.
Lc 2, 52), pode-se pensar que muito da sequência de Sua vida nem Ele definia,
só o Pai sabia (Cf. Mt 24, 36).
16 E veio à cidade de
Nazaré, onde se tinha criado. Conforme seu costume, entrou na sinagoga, no
sábado, e levantou-se para fazer a leitura. 17 Deram-lhe o livro do profeta Isaías.
Abrindo o livro, Jesus achou a passagem em que está escrito: 18“O Espírito do Senhor está
sobre mim, porque ele me consagrou com a unção para anunciar a Boa-nova aos
pobres; enviou-me para proclamar a libertação aos cativos e aos cegos a
recuperação da vista; para libertar os oprimidos 19e para proclamar um ano da
graça do Senhor”.
Ainda ao leitor
menos atento, veja a semelhança desse texto lido por Jesus e o Magnificat que
sua mãe canta a Isabel. É uma letra na boca do povo que aguarda ansiosamente um
bem, a paz e a libertação, a justiça entre as pessoas. Uma letra cantada em
diversas bocas, mas uma única e mesma esperança: a de que Deus seja por nós. O que
não deixa de provar o descrédito entre os homens, em quem não dá mais para
confiar a solução dos nossos problemas. Todavia, Jesus ensinará que nem tanta a
terra nem tanto o céu, é no coração do homem que residem os maus pensamento (Cf.
Mt 15, 19), portanto é através de atitudes humanas, a Seu exemplo, que amaremos
perfeitamente. Jesus põe em nossas mãos a Sua divina missão de passar no mundo fazendo
o bem (Cf. Jo 10, 38).
Citarei apenas
três frases de Jesus em que as atitudes do coração modificam qualquer pessoa.
Após o lava-pés: 1. “Dei-vos o exemplo para que, como eu vos fiz, também vós o
façais” (Jo 13, 15); 2. Ainda na ceia afirma que não existe prova de amor maior
do que este: “dar a vida por seus amigos” (Cf. Jo 15, 13); e 3. O resumo da lei
e dos profetas: “Tudo o que quereis que os homens vos façam, fazei-o vós a
eles.” (Mt 7, 12).
20 Depois fechou o livro,
entregou-o ao ajudante e sentou-se. Todos os que estavam na sinagoga tinham os
olhos fixos nele. 21Então
começou a dizer-lhes: “Hoje se cumpriu esta passagem da Escritura que acabastes
de ouvir”.
Esta atitude,
em dizer ‘hoje se cumpriu’, em trazer para Si a realização da profecia, uma
visível arrogância perante a comunidade que não O via como o Messias sagrado, até
aos primeiros cristãos isso foi uma compreensão posterior à ressurreição, causou
muita desavença naquela hora. Essas, entre outras palavras, encheram os judeus
de cólera, a ponto de quererem apedrejá-Lo. É nesse contexto que Ele diz: “Nenhum
profeta é bem aceito na sua pátria” (Lc, 4, 24).
Desculpem-me os acomodados, mas doa em
quem doer, desde que nos intimidamos e deixamos de atualizar essa profecia,
deixamos de proclamar um ano da graça do Senhor e de cumprir ‘hoje’ esta unção:
evangelizar pobre, libertar pessoas cativas e oprimidas e recuperar a vista a
cegos. Alguns de nós, inclusive ditos ‘religiosos’, preferem o interior de seus
templos, a distância de seus púlpitos, o isolamento de suas secretarias. Guias
cegos de rebanho míope. Nessas igrejas não há libertação de cativeiro, quanto
mais autoritarismo e endeusamento de suas lideranças melhor. Essas autoridades restauram
regime bairrista, com seu fascismo mascarado, de ser o melhor para a comunidade,
quando satisfaz os vícios do ditador autocrata. O governo é maior do que o
indivíduo.
A dica pastoral é que não basta
arrogar-se de possuir a unção do Espírito para esta ou aquela missão, mas
possuir uma atitude diferente daqueles que não possuem tal unção. “Jesus,
porém, os chamou e lhes disse: Sabeis que os governantes deste mundo o
tiranizam, e que os grandes as governam com autoridade. Não seja assim entre
vós. Todo aquele que quiser tornar-se grande entre vós, se faça vosso servo”
(Mt 20, 25 – 26).
Desejo a todos, ungidos ou não, que
façam a diferença e que suas atitudes encham de paz e amor o coração daqueles a
quem Deus o aproximou. Tenham uma semana abençoada!
Glória ao Pai e ao Filho e ao Espírito Santo...
Tobias Barreto – SE, 24.01.2016
Pe.
Adeilton Santana Nogueira
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