Epifania do Senhor
Mt 2, 1 – 12
A magia sempre esteve ligada à
curiosidade assim como a guerra e o jogo à sabedoria e ao conhecimento. A
ciência não nasceu das quimeras míticas, mas precisou delas na sua infância
racional. A faculdade de ler o mundo, seus fenômenos, as pessoas e a si mesmo
estruturaram as diversas formas de saber e evoluíram as pessoas que defenderam
o seu modo de pensar e de se expressar. Apesar de diversas incompreensões
históricas, quanto ao modo de conhecer as coisas, hoje nosso olhar e gratidão
se volta aos magos do Oriente.
1 Alguns magos do Oriente chegaram a
Jerusalém,
A tradição preferiu chamá-los de
reis, o Evangelho os chama de magos. Assim eram os que praticavam as ciências
ocultas, o conhecimento do espírito, da inteligência, das coisas pensadas e das
entidades sentidas. Assim o movimento dos astros não passou despercebido e as
plantas passaram a curar enfermidades, mas o melhor remédio sempre foi um
conselho dado com sabedoria. A curiosidade levou o homem investigativo a
aprender com a observação além do comum das criaturas, no empíreo universal,
nos costumes das gerações e suas culturas, do interior das matas ao profundo
das águas. Assim esses homens seguiram a magia da estrela de Belém.
2 “Onde está o rei dos judeus, que acaba de
nascer? Nós vimos a sua estrela no Oriente e viemos adorá-lo.”
O fenômeno por si já descrevia que
algo de primeira grandeza estava acontecendo. Uma estrela veio nos visitar. Não
apenas; ela anuncia Quem é maior do que ela. Para onde todas as forças cósmicas
se dirigem e de quem surgiram. O criador se fez criatura. O rei pastor é
apresentado em sua coorte. Reis, pastores e anjos o cortejam. Os santos e a
natureza compõem este momento de adoração.
O Oriente era o mundo conhecido, o
mundo antigo, ali representado com os seus sábios notáveis e seu conhecimento,
ora prostrado reverente em adoração ao Verbo encarnado, Sabedoria de Deus. A
razão e a fé se reencontram celebrando sua reconciliação. O objeto de toda
investigação, a razão última de todas as coisas despertou a fé em uma
configuração cósmica. Ser fiel ao que se acredita não trai a conclusão da
verdade que se busca. Não foi engano seguir uma constatação só porque no final
dela se concluiu diferente. Essa busca levou até o resultado final, fazendo com
que a sua ‘negação’, inclusive, fosse o seu maior argumento. Não se trai quem
busca a verdade assim como não se erra por amar. Porém é necessário coragem
para assistir ao esvanecer das estrelas e paciência para esperar o resplendor
da verdade.
3 Ao saber disso, o rei Herodes ficou
perturbado, assim como toda a cidade de Jerusalém.
Desde a saudação do anjo a Maria que
perturbar-se tornou rotina nas personagens do natal. Podemos dizer que, se há
muita perturbação no Seu nascimento, Jesus veio perturbar a comodidade do status quo, essa mania de mesmice. Assim
são as novas descobertas. Não dá para saber se o abalo de ânimos entre Herodes
e o resto da cidade era o mesmo, se estavam satisfeitos com o seu governo e
lamentavam sua decadência ou se torciam para que a descendência de Davi retomasse
os tempos áureos de sua monarquia.
6 “E tu, Belém, terra de Judá, de modo algum
és a menor entre as principais cidades de Judá, porque de ti sairá um chefe que
vai ser o pastor de Israel, o meu povo.”
A política de Jesus é outra. Todavia,
quando aprenderemos que o seu reino não é deste mundo (Cf. Jo 18, 36) ou que os
pensamentos de Deus não são os nossos (Is 55, 8)? Destrona os poderosos e eleva
os humildes (Lc 1, 52), mas deixa que fiquem poderosos e, se não for fiel,
depois destrona; espera que sejam humildes, senão jamais serão elevados por
Deus e, ainda que estejam por cima, sua altivez será puro orgulho, arrogância e
prepotência. Assim são os reis que não são pastores. Em Jesus essas coisas não
se dividem, ele é o chefe que arrebanha, pois a promessa de Deus é de que
enviaria pastores a Israel, segundo o Seu coração (Cf. Jr 3, 15).
8 “Ide e procurai obter informações exatas
sobre o menino.
E, quando o encontrardes, avisai-me, para
que também eu vá adora-lo.”
Este rei é tirano e mau. É um meio-irmão
judeu megalomaníaco e espoliador a serviço do poder do império romano. Mata sob
a máscara da adoração, sacrifica a própria família em suas loucuras, medos e
paixões reais, um monstro que sacrifica crianças em ódio a tudo que o ameace e
faz dos nascidos sob a luz da estrela do Oriente o sangue derramado no parto de
Jesus. No batismo dos protomártires, não sabia Herodes, ele manchava de sangue
as portas das casas dos primogênitos, talvez alguma que rejeitara ser hospedaria
no natal em Belém, mas que, desta vez, a morte dos filhos dos judeus não fora
poupada pela praga do compatriota tão impiedoso quanto o faraó de Moisés. O seu
fim também não foi sem dor, que Deus o tenha!
11 Quando entraram na casa, viram o menino
com Maria, sua mãe.
Ajoelharam-se diante dele, e o adoraram.
Depois abriram seus cofres e lhe ofereceram
presentes: ouro, incenso e mirra.
Jesus é de todos. Ele é o odre novo em
barris velhos, a nova costura que arrebenta sempre que tentarem remendar e
esconder rasgos antigos. (Cf. Mt 9, 16s) Ele é a rocha que se abre para que as
águas escorram abundantemente a todos que têm sede. (Cf. Nm 20, 8; Jo 7, 37)
Quando entenderemos esta abertura das portas dos céus? (Cf. Jo 10; Ap 3, 8) Não
podemos querer os presentes dos que O buscam ou nos honrar que adorem em nossos
altares ou ainda que deixem o seu caminho e mudem para a nossa estrada sem
abrirmos acesso para que todos possam chegar. Sejam pobres ou ricos, pecadores,
santos ou anjos, sigam seus animais ou estrelas, as portas precisam estar
abertas. A decisão de encontrá-Lo é do peregrino, portanto não convém
selecionar quem deve adorá-Lo.
A mística já viu no ouro a realeza,
no incenso a divindade e na mirra a Paixão do Cristo. Seu nascimento anuncia
toda a Sua vida. Mas também podem ser vistos, no simbolismo dos presentes, a
alquimia, os deuses e a bruxaria, rendidos os antigos saberes e forças Àquele
pelo qual tudo foi feito (Cf. Col 1, 16; Rm 11, 36), a forma de toda matéria. Ainda
precisamos abrir nossos cofres! Ainda precisamos render nossos bens! Seja o
conhecimento acumulado que não se abre ao novo nem à fé, sejam os bens
acumulados que nos dão a esperança sem Deus. Aquilo do qual não abrimos mão,
que é mais importante do que nós mesmos, o nosso Isaac (Gn 22, 1 – 18), ou o
talento confiado, um dia será pedido por Aquele que colhe o que não plantou (Mt
25, 26). Se Lhe abríssemos os nossos cofres o que Lhe ofertaríamos?
O catolicismo também vem abrindo os
seus cofres e aberto a mão de algumas de suas antigas seguranças. Tem pedido
perdão e reconhecido seus erros, seus enganos e nos ensinado que é possível
errar sem pecar, a exemplo dela, que não se entende pecadora. Ela tem,
ultimamente, muito mais do que no passado, se aberto aos mais diferentes
membros e reinaugurado uma prática tardia, ela tem rejeitado o proselitismo e
reintegrado nos céus os homens de boa vontade, inclusive os ateus. Uma Igreja
que não vai mais atrás dos que estão fora talvez consiga enxergar os que
ficaram e lhes servir melhor. Talvez esta hospedaria de passagem acolha os
peregrinos transeuntes que decidem ficar mais tempo do que pretendiam e, ainda,
talvez consiga ritmar a sua marcha de peregrina junto a todos que O buscam.
12 Avisados em sonho para não voltarem a
Herodes, retornaram para a sua terra, seguindo outro caminho.
Ao que parece, não há conhecimento
que não mude algo em quem o descobre. Os magos ainda se comunicam com os sonhos
e os interpretam, mas suas atitudes são orientadas por outra sabedoria que não
está a serviço deste mundo ou dos poderes terrenos. Que bom é retornar e poder
enxergar tudo de novo e de maneira diferente, ver melhor, ver outras coisas e
poder modificá-las ainda mais, sobretudo a si mesmo! Não há sabedoria, fé ou
religião mais necessária do que aquela que nos converte de fato.
Depois de conhecerem Jesus, os magos
convertem sua sabedoria a uma nova realidade e apontam para um conhecimento que
desde cedo deveria ter sido melhor conduzido na história da humanidade. Não
importa quem ilumine quem, fé e razão se encontram. Não dá mais para servir aos
mesmos ídolos e compactuar com os mesmo esquemas e conchavos depois de
encontrar a quem tem palavras de vida eterna (Cf. Jo 6, 68), ainda que alguns
queiram atravessar esse caminho e ser mais importantes do que o centro. Todo
poder foi dado a Jesus (Cf. Mt 28, 18) e não aos chefes deste mundo que o
tiranizam, mesmo que sejam de religião. Que eles também O encontrem e O adorem
e Lhe abram seus cofres!
Mudar é preciso, sempre. Desejo que a
luz de Deus brilhe mais do que quaisquer fantasias em sua vida e que você O
adore em espírito e verdade. Que este seja o melhor ano da sua vida!
Glória ao Pai e ao Filho e ao Espírito Santo...
Tobias Barreto – SE, 03.01.2016
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