Como havia me
referido no primeiro texto: SER, ANGÚSTIA E MORTE, introdução deste projeto de
propor uma conversa a três: o autor dessas ideias, o filósofo Martin Heidegger,
você, meu leitor, e eu, seu mordomo, agora iniciamos de fato.
Portanto esta
primeira fase apresenta algumas terminologias próprias do filósofo, termos e
conceitos heideggerianos fundamentais para toda a filosofia, como o são os
significados de ENTE e de SER, bem como o DASEIN, expressão alemã, língua
original do autor, que é sua palavra-síntese para designar o SER-AÍ, em sua
existência e presença situada. Ainda veremos o conceito de EXISTÊNCIA enquanto
abertura e desvelamento do ser; o conceito de MUNDO e seu caráter de mundanidade,
o de SER-NO-MUNDO e SER-COM-OUTRO, e a capacidade unicamente humana de lhes dar
sentido e encontrar sentido.
Não nos
enganemos, este parágrafo acima está longe de ser uma panorâmica; é um voo tão
raso, mas já mostra a profundidade dessas águas em que mergulharemos e quão
cristalina é sua vista, se imersos no pensamento do autor. Como toda leitura
filosófica, a melhor maneira é uma visão despretensiosa e sem preconceitos. Todavia,
caro leitor, faça-nos um obséquio, volte e releia este texto, sobretudo o parágrafo
acima; se quiser leia só ele. Já leu? Então continuemos.
Estes conceitos
passam a ser o fundamento da nossa exposição e merecem máxima apreensão,
compreensão e memória, nesta construção filosófica. A compreensão desses termos
revelará uma semântica própria do pensador em questão, perceberemos que são
conceitos próprios e, portanto, entendê-los é mister para quem deseja
compreender suas ideias de SER, ANGÚSTIA E MORTE.
O problema fundamental da
filosofia de Heidegger, como um todo, não é a existência, mas a questão do
Ser, que ele desenvolve em sua obra principal Ser e Tempo, no horizonte da existência, mas em
seu pensamento posterior aborda no campo de uma certa filosofia da história e
de uma reflexão aliada à poesia.
Problema é, no senso comum, algo
de complicado que precisa ser resolvido. Desta vez não é diferente na
filosofia. O que é o Ser? O que é Ser? O Ser se define pelo que vemos dele ou
por aquilo que ele diz, demonstra, de si mesmo? O Ser é em sua essência ou em
sua existência? Quais fatores condicionam a compreensão do Ser das coisas? Isto
muda com o passar dos tempos? São perguntas simples e pouco fundamentadas em
Martin Heidegger, porém nos ajudam a perceber a mobilidade de conteúdo, do que
se pode dizer do Ser; portanto a mobilidade semântica, a mudança de significado
do que são as coisas em seu íntimo. A nossa própria vida o demonstra muito bem.
Quantas vezes já mudamos de ideia sobre nós mesmos! Quantas músicas, quantos
estilos em nossas pinturas, quanta poesia ainda se dirá para definir as coisas?
Apesar de tanto questionamento
solto por aí, o ponto de partida de Heidegger, onde ele coloca o problema do
Ser, é o ‘esquecimento do ser’.
Para chegar ao seu diagnóstico, o filósofo examinará toda a tradição filosófica
ocidental, começando com Platão e se estendendo até Nietzsche. Segundo ele, desde
os primeiros filósofos gregos o pensamento não teria distinguido adequadamente
a diferença entre ENTE e SER, entre o que existe simplesmente como uma coisa,
tudo que está aí, e entre o que é enquanto Ser, o sentido da coisa que existe
aí e que existe, inclusive, antes dela existir.
Olha já a ideia se clareando!
Convencionou-se entender que Ente seja tudo que há, até o imaginário, não
necessariamente real, além do concreto e do palpável, e o Ser aquela ideia tão
evidente das coisas que nos dê a impressão de possuí-la, ainda que
abstratamente, em nosso pensamento e coração e que pré-existe como fundamento
dos Entes. Talvez contrariássemos o filósofo se chamássemos de Ente – ‘coisa’ e
de Ser – ‘ele’. Não se estranha a opção de referir-se ao Ser em Heidegger pelo DASEIN,
palavra-síntese para o SER-AÍ, e a importância de sua existência como presença
situada percebida e significante.
Prestemos atenção para o fato de
que investigar o Ser do Ente não é a mesma coisa do que investigar a maneira
como, no ente, manifesta o ser, que neste caso é o Ser enquanto tal. É certo
que o Ser só se dá no Ente, mas isto não significa que pode ser reduzido ao Ser
do Ente, como se o Ser fosse a essência do Ente, pois Ente é já tudo o que está
aí, mas Ser é quando o Ente é percebido para mim, a sua manifestação
existencial.
Para Heidegger, o tema do ser,
com o qual começou o pensamento ocidental com os pré-socráticos, portanto, tem
de ser novamente levantado a partir de uma ontologia fundamental, ou
seja, de um estudo do Ser na busca de suas teorias originais, e isto tomando
como fio condutor o único Ente que tem a possibilidade de questionar o Ser, que
é o homem. Pois o homem é dentre todos os Entes o único que compreende o Ser, o
sentido do fato de que ele é, de que existe, daí porque ele insiste na análise
existencial do Ente para se compreender o sentido do Ser.
A compreensão do Ente é a
descoberta do Ser. Ambos conceitos só se confundirão no anonimato de um deles.
É na palidez do Ser, na perda de sentido para quem o observa, que ele se
confunde com uma entidade qualquer. O próprio homem projeta suas entidades,
suas categorias como seres postiços, como espantalhos de si mesmo, como a
morte, a felicidade, os deuses; enquanto isso esconde o Ser em si mesmo, que é
o conceito mais próprio de quem ele é, ele e suas coisas, o Ser e os Entes.
Para Heidegger não se trata do
Ser do Ente, mas do Ser além do Ente e daquilo que o Ser é aos olhos de quem o
interpreta. Veja o leitor se essas ideias não lhe despertam também o interesse
de investigar a si mesmo e as coisas à sua volta; veja também se descobriu o
Ser que se esconde sob as aparências de entidades que se elegem como se fossem
autônomas e absolutas, como se tivessem vida própria e ainda dessem sentido à
vida e ao existir, por si mesmas. Será que são os Entes que possuem o Ser e
lhes dão sentido e identidade ou é o Ser que dá sentido ao ente e, portanto,
precisa ser descoberto e até ser nomeado para dar significado às aparências e
fantasmas de nossa vida?
Espero ter provocado o
investigador que existe em você e que passe a olhar diferente para tudo que o
rodeia. Não precisa concordar comigo ou com Martin, basta que não se conforme
mais com o modo como vê as coisas, elas estão muito prontas e certinhas,
acomodadas, e as coisas continuam nos confundindo naquilo que são de fato. Não
custa se perguntar de novo que coisa é para mim cada pessoa ou objeto, que
significado tem ou dei a elas e se são de fato o que parecem. Coragem! Se são,
ótimo! Se não são, ótimo que descobrimos há tempo.
27.01.16
Nenhum comentário:
Postar um comentário