quarta-feira, 27 de janeiro de 2016

02 A DISTINÇÃO DOS CONCEITOS DE HEIDEGGER: ENTE E SER


Como havia me referido no primeiro texto: SER, ANGÚSTIA E MORTE, introdução deste projeto de propor uma conversa a três: o autor dessas ideias, o filósofo Martin Heidegger, você, meu leitor, e eu, seu mordomo, agora iniciamos de fato.

Portanto esta primeira fase apresenta algumas terminologias próprias do filósofo, termos e conceitos heideggerianos fundamentais para toda a filosofia, como o são os significados de ENTE e de SER, bem como o DASEIN, expressão alemã, língua original do autor, que é sua palavra-síntese para designar o SER-AÍ, em sua existência e presença situada. Ainda veremos o conceito de EXISTÊNCIA enquanto abertura e desvelamento do ser; o conceito de MUNDO e seu caráter de mundanidade, o de SER-NO-MUNDO e SER-COM-OUTRO, e a capacidade unicamente humana de lhes dar sentido e encontrar sentido.

Não nos enganemos, este parágrafo acima está longe de ser uma panorâmica; é um voo tão raso, mas já mostra a profundidade dessas águas em que mergulharemos e quão cristalina é sua vista, se imersos no pensamento do autor. Como toda leitura filosófica, a melhor maneira é uma visão despretensiosa e sem preconceitos. Todavia, caro leitor, faça-nos um obséquio, volte e releia este texto, sobretudo o parágrafo acima; se quiser leia só ele. Já leu? Então continuemos.

Estes conceitos passam a ser o fundamento da nossa exposição e merecem máxima apreensão, compreensão e memória, nesta construção filosófica. A compreensão desses termos revelará uma semântica própria do pensador em questão, perceberemos que são conceitos próprios e, portanto, entendê-los é mister para quem deseja compreender suas ideias de SER, ANGÚSTIA E MORTE.

O problema fundamental da filosofia de Heidegger, como um todo, não é a existência, mas a questão do Ser, que ele desenvolve em sua obra principal Ser e Tempo, no horizonte da existência, mas em seu pensamento posterior aborda no campo de uma certa filosofia da história e de uma reflexão aliada à poesia.

Problema é, no senso comum, algo de complicado que precisa ser resolvido. Desta vez não é diferente na filosofia. O que é o Ser? O que é Ser? O Ser se define pelo que vemos dele ou por aquilo que ele diz, demonstra, de si mesmo? O Ser é em sua essência ou em sua existência? Quais fatores condicionam a compreensão do Ser das coisas? Isto muda com o passar dos tempos? São perguntas simples e pouco fundamentadas em Martin Heidegger, porém nos ajudam a perceber a mobilidade de conteúdo, do que se pode dizer do Ser; portanto a mobilidade semântica, a mudança de significado do que são as coisas em seu íntimo. A nossa própria vida o demonstra muito bem. Quantas vezes já mudamos de ideia sobre nós mesmos! Quantas músicas, quantos estilos em nossas pinturas, quanta poesia ainda se dirá para definir as coisas?

Apesar de tanto questionamento solto por aí, o ponto de partida de Heidegger, onde ele coloca o problema do Ser, é o ‘esquecimento do ser’. Para chegar ao seu diagnóstico, o filósofo examinará toda a tradição filosófica ocidental, começando com Platão e se estendendo até Nietzsche. Segundo ele, desde os primeiros filósofos gregos o pensamento não teria distinguido adequadamente a diferença entre ENTE e SER, entre o que existe simplesmente como uma coisa, tudo que está aí, e entre o que é enquanto Ser, o sentido da coisa que existe aí e que existe, inclusive, antes dela existir.

Olha já a ideia se clareando! Convencionou-se entender que Ente seja tudo que há, até o imaginário, não necessariamente real, além do concreto e do palpável, e o Ser aquela ideia tão evidente das coisas que nos dê a impressão de possuí-la, ainda que abstratamente, em nosso pensamento e coração e que pré-existe como fundamento dos Entes. Talvez contrariássemos o filósofo se chamássemos de Ente – ‘coisa’ e de Ser – ‘ele’. Não se estranha a opção de referir-se ao Ser em Heidegger pelo DASEIN, palavra-síntese para o SER-AÍ, e a importância de sua existência como presença situada percebida e significante.

Prestemos atenção para o fato de que investigar o Ser do Ente não é a mesma coisa do que investigar a maneira como, no ente, manifesta o ser, que neste caso é o Ser enquanto tal. É certo que o Ser só se dá no Ente, mas isto não significa que pode ser reduzido ao Ser do Ente, como se o Ser fosse a essência do Ente, pois Ente é já tudo o que está aí, mas Ser é quando o Ente é percebido para mim, a sua manifestação existencial.

Para Heidegger, o tema do ser, com o qual começou o pensamento ocidental com os pré-socráticos, portanto, tem de ser novamente levantado a partir de uma ontologia fundamental, ou seja, de um estudo do Ser na busca de suas teorias originais, e isto tomando como fio condutor o único Ente que tem a possibilidade de questionar o Ser, que é o homem. Pois o homem é dentre todos os Entes o único que compreende o Ser, o sentido do fato de que ele é, de que existe, daí porque ele insiste na análise existencial do Ente para se compreender o sentido do Ser.

A compreensão do Ente é a descoberta do Ser. Ambos conceitos só se confundirão no anonimato de um deles. É na palidez do Ser, na perda de sentido para quem o observa, que ele se confunde com uma entidade qualquer. O próprio homem projeta suas entidades, suas categorias como seres postiços, como espantalhos de si mesmo, como a morte, a felicidade, os deuses; enquanto isso esconde o Ser em si mesmo, que é o conceito mais próprio de quem ele é, ele e suas coisas, o Ser e os Entes.

Para Heidegger não se trata do Ser do Ente, mas do Ser além do Ente e daquilo que o Ser é aos olhos de quem o interpreta. Veja o leitor se essas ideias não lhe despertam também o interesse de investigar a si mesmo e as coisas à sua volta; veja também se descobriu o Ser que se esconde sob as aparências de entidades que se elegem como se fossem autônomas e absolutas, como se tivessem vida própria e ainda dessem sentido à vida e ao existir, por si mesmas. Será que são os Entes que possuem o Ser e lhes dão sentido e identidade ou é o Ser que dá sentido ao ente e, portanto, precisa ser descoberto e até ser nomeado para dar significado às aparências e fantasmas de nossa vida?

Espero ter provocado o investigador que existe em você e que passe a olhar diferente para tudo que o rodeia. Não precisa concordar comigo ou com Martin, basta que não se conforme mais com o modo como vê as coisas, elas estão muito prontas e certinhas, acomodadas, e as coisas continuam nos confundindo naquilo que são de fato. Não custa se perguntar de novo que coisa é para mim cada pessoa ou objeto, que significado tem ou dei a elas e se são de fato o que parecem. Coragem! Se são, ótimo! Se não são, ótimo que descobrimos há tempo.
27.01.16

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