quinta-feira, 31 de dezembro de 2015

EIS A TUA MÃE

Maria, Mãe de Deus
Lc 2, 16 – 21

Sempre será um dilema falar de Ano Novo e da Mãe de Deus numa única festa. Mas desde que não descuremos do tema da esperança, para onde ambas convergem, não será difícil decidir sobre o que enfatizar, uma vez que o recomeço tão falado nesse dia é apenas uma figura diante da vida nova que brota do seio virginal de Maria de Nazaré.

Não é só o ano que recomeça, mas toda história que se conta de novo de um modo diferente. A mesma história, dessa vez, lida com os óculos de Jesus, a saber, na ótica do Evangelho. Assim o broto de Israel não arrebenta a criação. Não é um dilúvio ou o mar que se fecha e afoga a impiedade, não são pragas apocalípticas ou guerras sanguinárias em nome de Deus, mas apenas um rebento que surge miraculosamente, um rei entre os pobres, o filho de Deus nascido de uma mulher.

Em nada a saga de Maria deixa a desejar das antigas e míticas estórias das intervenções dos deuses sobre este mundo. Mas, incomparavelmente o seu desfecho supera inclusive a expectativa das profecias. Mesmo as Escrituras não diziam que o Messias seria Deus encarnado. Jamais se imaginava que em Jesus também se realizariam os anseios míticos contados desde os primeiros povos que habitavam esta terra. Esta esperança, de Deus entre os homens, já havia sido superada pelas razões e investigações humanas. Porém, Deus não nos trai jamais; tudo que está escrito nas estrelas Ele ainda levará a termo.

Penso que o dogma da Mãe de Deus seja o que menos precisava de um decreto ou decisão documental, posterior àquela citação do próprio anjo. O relato evangélico, em muito, deveria bastar à religião e prevalecer sobre a teologia e não ser apenas uma referência, ainda que sua fundamentação mais preciosa, mas, em inúmeros casos, deveria bastar por si próprio. Por que ainda é necessário afirmar algo tão claro e em duas passagens, do evangelho da infância, como anunciou o anjo Gabriel: “o ente que nascerá de ti será chamado filho do Altíssimo” (Lc 1, 35) e a admiração de Isabel: “a que me vem que a mãe do meu Senhor venha me visitar?” (Lc 1, 43)

Sei bem que certos contextos nos forçam a reafirmar verdades absolutas que não precisariam ser questionadas não fossem a incredulidade alheia e suas maledicências em negar aquilo que lhes obriga a seguir. Por não aceitarem a amplitude da mensagem e da Pessoa de Jesus, certos tolos atentaram contra a Palavra de Deus. Entretanto, como a verdade é a busca última da razão e a soma de suas descobertas, era inevitável que, debaixo de tantas dúvidas, chegassem à derradeira afirmação, e ao mesmo ponto de partida, de que se Maria é a mãe de Jesus, se Jesus é o filho de Deus, se Jesus e o Pai são um (Jo 10, 30), se quem O vê, vê o Pai (Jo 14, 9), se Ele é Senhor e Deus (Jo 20, 28), seria trair a inteligência não entender a maternidade divina de Maria e não afirmar que ela é a mãe de Jesus Deus, portanto a mãe de Deus Jesus.

Tudo o que se diz de Maria se afirma também de Jesus. Se lhe chamamos de mãe de Deus é porque Jesus, seu filho, é Deus; se lhe chamamos de Imaculada é porque ela, cheia do Espírito Santo (Lc 1, 28), não continha pecado; se lhe consideramos Virgem é por que sua concepção é obra do Espírito Santo e não concurso de homem algum (Lc 1, 34); se lhe proclamamos Assunta aos céus é porque não se manchou a arca do Salvador, nem poderia ter se corrompido o corpo que gerou a vítima de expiação dos nossos pecados (Cf. 1 Jo 2, 2). Assim, incansavelmente falaríamos de Maria, Santíssima, reconhecendo nela os dons de Deus e a sua bem-aventurança: “Feliz és tu porque creste” (Lc 1, 45). A virtude de Maria é ser como as matriarcas que a precederam e foram preparando a imagem daquela que lhes daria pleno sentido, ser a mãe do Messias esperado.

Controvérsias à parte, ainda merece uma atenção especial os diálogos entre Jesus e sua mãe. São como que já o cumprimento da última profecia sobre si mesma, de que todas as gerações a proclamarão bendita, (Lc 1, 48) segundo o seu canto do Magnificat. Ainda na infância, retornando da Páscoa em Jerusalém, Jesus lhe revela ter aprendido a lição de casa: cuidar das coisas do seu Pai (Cf. Lc 2, 49). Já adulto não resiste à intervenção de sua mãe em Caná da Galileia e faz a vontade dela, ainda que a Sua hora não tenha chegado (Cf. Jo 2, 4). Toma o exemplo de sua mãe no cumprimento da vontade do Pai para demonstrar qual é o verdadeiro parentesco ou modelo de seguimento que Ele espera dos Seus discípulos: “Minha mãe e meus irmãos são todos aqueles que ouvem a Palavra de Deus e a praticam.” (Lc 8, 21) E, por fim, entregando a vida também entrega a própria mãe ao discípulo que mais amava: “Mulher, eis ai o teu filho.” (Jo 19, 26)

Jesus chama Maria de mulher na Galiléia e em Jerusalém, no início do seu ministério público e no final dele, para restaurar a imagem desfigurada por Eva. A maior prova de amor também estava sendo dada por aquela que oferecia na cruz o seu maior sacrifício. Penso também que nas entrelinhas de “Prova de amor maior não há do que dar a vida pelos amigos” (Jo 15, 13) também poderíamos ler: ‘darei quem me deu amor que me deu a vida’, assim o amor é generoso ao extremo, pois nada ficou para Si, nem na vida, nem na morte. Jesus não deixou ninguém sozinho: “Eis aí a tua mãe. E daquela hora em diante o discípulo a levou para casa.” (Jo 19, 27) Sem Ele, estamos uns com os outros e “Onde dois ou mais se reunirem em meu nome ali estarei.” (Mt 18, 20) Assim também se realiza o seu sonho de que sejamos um assim como o Pai e Ele são um (Cf. Jo 17, 21).

A esperança não se desfaz nas dores da nossa vida, ainda que em seu desfecho mais dramático. A esperança se renova a cada fim, assim como a verdade vem à tona a cada negação de suas afirmações.  Em Maria recomeça a história de um povo, ao se cumprirem as suas profecias.  Essas promessas de Deus reinauguram novas esperanças para outros povos, dentre os quais fomos alcançados. Assim nos contagiam e passamos a fazer parte de outra família, cultura e religião. Somos todos filhos de Deus, irmãos de Jesus, portanto filhos de Maria, desde quando ela aceitou ser coberta pela sombra do Espírito Santo (Cf. Lc 1,35) e gerar o primogênito, primícia da nova humanidade (Cf. Cl 1, 15).

Desejo que no ano novo tudo em sua vida ganhe novo sentido e que consiga terminar antigos projetos para começar outros novos e esperançosos. Que este seja o melhor ano da sua vida!

Glória ao Pai e ao Filho e ao Espírito Santo...
Tobias Barreto – SE, 01.01.2016

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