quarta-feira, 30 de dezembro de 2015

AMOR PRA RECOMEÇAR

Festa da Sagrada Família de Jesus, Maria e José
Lc 2, 41 – 52

A família é um patrimônio inalienável da humanidade. É a forma mais original da atração mútua que exerce cada um sobre o seu semelhante. É a prova mais contundente de que a vida é convivência. Qualquer conceito ainda se mostra uma tênue tentativa de dizer o que é a união entre as pessoas.

Se quiséssemos assinalar onde nasceu a instituição da família cometeríamos diversos enganos e erros, não apenas de datação ou registro, científicos, sociais e antropológicos. Cometeríamos erros contra a religião se a definíssemos apenas como uma criação sua. Mas talvez pudéssemos acertar se disséssemos que a família precede a religião, ainda que encontrasse nela o seu sentido mais sublime.

Ao ser comparada com a vida divina, do amor entre Deus Pai e Deus Filho, ou ao se tornar o meio pelo qual Deus Filho entra no mundo, a família é entendida na religião no âmbito da  plenitude do plano divino da criação e salvação. Aquilo que supostamente Adão e Eva formaram para a base familiar, os patriarcas e as matriarcas evoluíram até o seu clímax na família de Jesus, Maria e José.

Mas Deus escolheu uma família em construção. O casal de Nazaré não era uma família ainda, nem eram pessoas amadurecidas. Pelo contrário, José, muito provavelmente, já vinha de uma família com filhos e viuvez. Já criara sua estabilidade profissional, pois era conhecida a sua profissão, e ainda possuía dote para outra esposa. Quem sabe procurava uma companheira para terminar de cuidar de seus filhos. Sua noiva, Maria, era jovem, inexperiente, apesar de ser provada em situações em que poucos suportariam, a exemplo de toda a sequência de fatos a partir da anunciação do anjo até a fuga para o Egito, inclusive, no resguardo do parto.

Decididamente a família de Nazaré, berço de Jesus, foi uma família conturbada, mesmo que ninguém ouse chamá-la de ‘problemática’. Não foi uma família comum; sua paz sempre esteve ameaçada; logo a viuvez alcançou Maria; a morte sempre os acompanhou e orientou o destino de todos. Há muito mistério na síntese da família de Jesus, muito mais do que possamos descrever nesta mensagem do evangelho.

Família sem conflitos não é humana. A trama dos entendimentos está presente na vida pessoal, pois os conflitos de interesses residem na luta de cada um em decidir sobre sua inteligência ou vontade. Saber e querer já constrangem individualmente, ademais intrigaria aos que habitam sob o mesmo teto. Família que fosse entendida apenas como união de corpos trairia a palavra que diz “Os dois serão uma só carne” (Mt 10, 8). Tal conceito é ainda tão amplo.

De igual modo ‘ser uma só carne’ pode ser entendida de maneira corporal, na união da cópula sexual, bem como de maneira simbólica e espiritual. Não pretendo me deter sobre a sua realidade sexual e genital, uma vez que já demanda tanta polêmica de gênero no conceito de família. Sem dirimir esta há outra realidade que merece universal importância. A família é um corpo único. Talvez esta seja uma dimensão que mereça mais atenção que as polêmicas. Enquanto se discute se há família entre homossexuais, pode ignorar que todos, indistintamente, nascemos de uma família. Esta é a realidade mais proeminente. Arriscaria dizer que cada ser humano tende à família porque ela é a estrutura humana para qual se dirigem todas as nossas aspirações, ou melhor, a finalidade de toda ação humana. O homem age em razão da família.

O parágrafo acima é uma ousadia conceitual, reconheço. Mas o leitor observe comigo se o jeito de ser família de cada um não está presente nas demais realidades de sua vida, em que está presente. Lembre-se daquele ditado “costume de casa vai à praça.” Talvez ele queira dizer justamente isto. Mas me refiro a algo além. Não é que levemos para a sociedade os costumes familiares, mas transformamos em familiar tudo em volta de onde estamos presentes.

A amizade e a inimizade, a concórdia e a discórdia, o amor e a paixão, o desprezo e a separação, a união e a tolerância ou o ódio e a disputa, não há experiência social que assim o seja antes de ser familiar ou que suas causas não envolvam situações muito próximas do parentesco. A nossa tendência em estender a estrutura familiar à sociedade anseia a uniformidade e hereditariedade. Os modos de criança e crises da adultez determinam de qual tipo de família viemos e qual o tipo que estamos construindo.

O que Jesus fez ao ingressar na sua família veio provar que ‘quem sai aos seus não degenera’. Ele mesmo diz que tudo o que aprendeu de Seu Pai Ele nos ensinou (Cf. Jo 8, 26); várias vezes Ele Se refere a situações que aprendeu em casa, tipo: “minha mãe e meus irmãos são todos os que fazem a vontade de meu Pai” (Lc 8, 21) e “não se faça a minha, porém a Sua vontade seja feita” (Lc 22, 42). Vejamos se não foi esse o Seu projeto: “Amai-vos uns aos outros como Eu vos amei” (Jo 15, 12), ou se preferir, transformar em Sua família todas as pessoas da Terra.

Esta tarefa, familiarizar a existência, é algo tão espontâneo que o leitor mais distraído poderia discordar de uma visão tão universalista. Não precisa concordar, todavia vale a pena se perguntar se não mede as pessoas e o ambiente a partir das próprias realidades, se elas estão em acordo e se trazem os mesmos confortos e seguranças de casa. Esta é uma divina aventura que precede a criação. No seio da Santíssima Trindade aquilo que a família seria já era gestada. Desde que os homens se unem às suas mulheres a família é o que é: um só corpo bem unido. Assim como queremos que todo grupo de pessoas seja!

Desejo que você seja família, “que você tenha a quem amar e quando estiver bem cansado ainda exista amor pra recomeçar.” (Roberto Frejat)

Glória ao Pai e ao Filho e ao Espírito Santo...
Tobias Barreto – SE, 27.12.2015

Um comentário:

  1. Artigo muito eloquente. Uma definição de família a luz da vivência do ser humano. Este ser que é complexo e ao mesmo tempo simples quando tem a formula para todas as familias que é o amor.

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