Lucas 3, 10 – 18
3º DOMINGO DO ADVENTO
O Advento é um tempo dentro do
tempo. Celebra o ingresso de Cristo no mundo e na história da humanidade. É outra
forma de expressar a métrica de Deus, extremamente diferente da nossa. Definitivamente
o tempo de Deus não é o nosso (Cf. Eclo 3, 1 – 8). Mil anos para nós é como um
dia de Deus que passou (Cf. 2 Pd 3,8).
Como não se perder nas horas de
Deus? Nosso tempo é tão limítrofe! Quando pensamos nas horas elas já se
passaram. Tudo que fazemos é passado. Até esta leitura já se foi antes que você
a termine de ler. Para mim que a escrevo, quando você a ler, já terminei há
tempos de escrevê-la! Quem decidir medir o passar do tempo se prepare para uma
frustração. É que o tempo das horas é contraditório. As horas que passam não
param. Logo, o curso das horas dá a impressão de que o tempo continuado é um
só ininterrupto. Por isso, as mesmas pessoas que dizem “as horas não passam” podem
também se admirarem “como as horas passam rápido”.
A fruição do tempo é como a correnteza
de um rio; a depender da sua fluidez temos a impressão de celeridade ou de
estagnação. Não se engane o observador, a densidade de uma corrente não está na
altura de suas ondas, mas na força do leito; nem as margens nem o vento que lhe
agita por cima, mas na turbulência do encontro e no volume do deságue. É para
onde o rio se dirige, a sua inclinação e a sua profundidade darão velocidade para
a sua confluência.
Com as pessoas não seria diferente. O
que nos move é o destino; não aquela entidade incorpórea, fantasmagórica da
sorte, que atormenta a todos com as suas determinações viciosas. Destino é o
local para onde nos dirigimos e que deixa de sê-lo quando chegamos. Não se iluda
o amante que o seu destino é o enlace; não se engane o profissional que o seu
destino é o trabalho; não vacile o piedoso que o seu destino seja o Céu. Se assim
o fosse seriamos os mais fracassados dos investidores.
O que espero é que haja algo além do
que dizem ser o destino. O que entendemos por destino, se for a ideia de meta a
ser alcançada, superada a ideia de sorte hipotética, é a chegada. Um novo
recomeço; a continuidade da vida e, portanto, do tempo. Mesmo neste mundo
temporal o amante precisa continuar após o enlace; o profissional necessita aperfeiçoar-se
e o piedoso sabe que Deus é o motivo pelo qual ele vai ao céu.
Entendo que aquilo que nos atrai é
ainda maior do que a própria atração. Sejam quais forem as categorias com as quais
definimos nossa existência e seus anseios, seus sonhos e planos, ainda assim
sua realização se mostrará algo mais belo, mais realizador e, portanto, jamais
nos contentaremos com as paradas. Este é o ser humano: a cada chegada um
recomeço, mesmo no céu.
O Advento é este recomeço, mesmo
para quem não chegou nele ainda. Para quem ainda não se preparou, não aplainou
seu coração, as semanas percorrem o seu curso normal, vão diligentes desaguar na
noite bela. Levados pela correnteza do tempo litúrgico todos desembocaremos no
encontro do Natal. É inevitável que isto aconteça, até porque já aconteceu há dois mil anos. Nós é que estamos navegando nas águas por onde milhões já trafegaram.
Vamos irmão, destemidos em águas profundas, barcas singrando rio tão denso,
rico em seus afluentes que o enchem de mais embarcações, todos nos destinamos ao
mar, à praia, ao porto. Portanto alcem as suas velas ao vento! Força nos remos!
10 As multidões perguntavam a João: “que
devemos fazer?” 11 João respondia:
“Quem tiver duas túnicas dê uma a quem não
tem; e quem tiver comida faça o mesmo!”
Não se viaja com muito porque há
muito que conquistar no destino. Esta é a tábua do juízo final: “(...) Estive nu
e me vestistes, com fome e me destes de comer” (Cf. Mt, 25, 35s), regra de ouro
da verdadeira religião (Cf. Tg 1, 27); o programa inicial do Batista, o seu ‘primeiro
mandamento’ ou chamem como quiserem. Vestir-se cobre a nudez e a vergonha do
pecado original (Cf. Gn 3, 8 – 11) e alimentar-se sacia a fome da sedução,
pacto entre Eva e a serpente (Cf. Gn3, 6). São duas atitudes extremamente simples,
mas que revelam o caráter dos verdadeiros santos, solucionam os maiores
problemas sociais da humanidade e finalmente dissolvem o xadrez selvagem do materialismo.
12 foram também para o batismo cobradores de
impostos, e perguntaram a João: “Mestre, que devemos fazer?” 13 João respondeu:
“Não cobreis mais do que foi estabelecido”.
A corrupção não é apenas um tema
político. Veja como toca a essência da relação com Deus. Todos querem saber “o
que devemos fazer”. Mas que pergunta fundamental! Através dela muitos, senão
todos, podemos descobrir a revolução mais importante das nossas vidas: ‘o que
eu posso fazer?’ Talvez a centralidade moral da religião deva circular em torno
desta incógnita. Talvez muitas descobertas se façam a partir desta resposta: “Não
cobreis mais do que foi estabelecido”, ou seja, não tire do outro o que não te
pertence! Ainda me pergunto se pudéssemos ler nesta frase o seguinte: ‘conserva
no outro o que lhe pertence’, não só ‘não tire’, mas ‘conserva’!
14 Havia também soldados que perguntavam: “E
nós, que devemos fazer?” João respondia: “Não tomeis à força dinheiro de ninguém,
nem façais falsas acusações;
ficai satisfeitos com os vossos salários!”
Nem roubo, nem calúnia. Aqui não
estão apenas dúvidas de tantos que procuravam o batismo de João, parecem também
se tratar dos conselhos morais, uma lista amadurecida de atitudes que cada um,
e não apenas os grupos isolados da perícope, podem assumir como suas. São conselhos
aparentemente em preparação ao batismo, todavia lembre o leitor que São Lucas escreve
seu evangelho mais de cinquenta anos depois da morte de Jesus e de João
Batista. Há aqui um resumo, curiosamente bem atual, para a religião e para a sociedade
dos nossos dias. De fundo, podemos ler um ‘cuide de sua vida!’ E se for importar
com o seu semelhante que seja para lhe fazer o bem.
15 O povo estava na expectativa e todos se
perguntavam no seu íntimo se João não seria o Messias. 16 Por isso, João declarou
a todos: “Eu vos batizo com água, mas virá aquele que é mais forte do que eu. Eu
não sou digno de desamarrar a correia de suas sandálias.
Ele vos batizará no fogo e no Espírito Santo.
Houve até quem dissesse que Jesus
era a reencarnação de João Batista (Cf. Mc 8, 28), tamanha era a força,
popularidade e testemunho daquele homem, a ponto de quase ofuscar Jesus. Ele
chega a admitir que há uma necessidade de que ele diminua para que Cristo cresça.
Eis o sinal, a moral do religioso, como canta Pe. Zezinho:
“Quando a gente encontra Deus, quer ficar
cada dia menor, quer ver Deus cada dia maior no coração de cada pessoa. Quando
a gente encontra Deus, quando encontra de verdade a grande luz, Diz o que disse
João ao falar de Jesus: não, não, não, não sou a luz, mas conheço quem dela
veio! Sou somente um religioso. Sou somente um religioso.”
17 Ele virá com a pá na mão: vai limpar sua
eira e recolher o trigo no celeiro; mas a palha ele a queimará no fogo que não
se apaga”.
18 e ainda de muitos modos, João anunciava
ao povo a Boa-Nova.
Confesso ao bom leitor que mesmo os
apóstolos tiveram as suas incompreensões perante Jesus. Esta seria a minha com
o batista. Ele acabou de falar tão belamente de Jesus: “(...) Ele vos batizará
no fogo e no Espírito Santo”. Por que mudou o tom e aplicou o fogo divino para
queimar os que são como palha, secos e inférteis, sem nutrientes nem utilidade,
a não ser para feno, comida pro gado ou compor paredes de argila? Decididamente
a maior história de amor entre o céu e a terra não traz um romantismo ingênuo. Há
algo de catastrófico no amor que não é amado. Há uma perda incomensurável, um
preço de sangue, um desfecho de vida ou morte, cuja interatividade evangélica definirá
o gênero desta ‘epopeia’ cristã. O que escolhe: a vida ou a morte? (Cf. Dt 30,
15.19)
Desejo a
todos uma excelente semana de revisão e de tomada de boas atitudes, sobretudo de
confiança em Deus. Deixe-se conduzir por Ele!
Glória ao Pai e ao Filho e ao Espírito Santo...
Barra dos Coqueiros – SE, 13.12.2015
Pe.
Adeilton Santana Nogueira
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