sábado, 12 de dezembro de 2015

ESPERANDO E REMANDO

Lucas 3, 10 – 18
3º DOMINGO DO ADVENTO

O Advento é um tempo dentro do tempo. Celebra o ingresso de Cristo no mundo e na história da humanidade. É outra forma de expressar a métrica de Deus, extremamente diferente da nossa. Definitivamente o tempo de Deus não é o nosso (Cf. Eclo 3, 1 – 8). Mil anos para nós é como um dia de Deus que passou (Cf. 2 Pd 3,8).

Como não se perder nas horas de Deus? Nosso tempo é tão limítrofe! Quando pensamos nas horas elas já se passaram. Tudo que fazemos é passado. Até esta leitura já se foi antes que você a termine de ler. Para mim que a escrevo, quando você a ler, já terminei há tempos de escrevê-la! Quem decidir medir o passar do tempo se prepare para uma frustração. É que o tempo das horas é contraditório. As horas que passam não param. Logo, o curso das horas dá a impressão de que o tempo continuado é um só ininterrupto. Por isso, as mesmas pessoas que dizem “as horas não passam” podem também se admirarem “como as horas passam rápido”.

A fruição do tempo é como a correnteza de um rio; a depender da sua fluidez temos a impressão de celeridade ou de estagnação. Não se engane o observador, a densidade de uma corrente não está na altura de suas ondas, mas na força do leito; nem as margens nem o vento que lhe agita por cima, mas na turbulência do encontro e no volume do deságue. É para onde o rio se dirige, a sua inclinação e a sua profundidade darão velocidade para a sua confluência.

Com as pessoas não seria diferente. O que nos move é o destino; não aquela entidade incorpórea, fantasmagórica da sorte, que atormenta a todos com as suas determinações viciosas. Destino é o local para onde nos dirigimos e que deixa de sê-lo quando chegamos. Não se iluda o amante que o seu destino é o enlace; não se engane o profissional que o seu destino é o trabalho; não vacile o piedoso que o seu destino seja o Céu. Se assim o fosse seriamos os mais fracassados dos investidores.

O que espero é que haja algo além do que dizem ser o destino. O que entendemos por destino, se for a ideia de meta a ser alcançada, superada a ideia de sorte hipotética, é a chegada. Um novo recomeço; a continuidade da vida e, portanto, do tempo. Mesmo neste mundo temporal o amante precisa continuar após o enlace; o profissional necessita aperfeiçoar-se e o piedoso sabe que Deus é o motivo pelo qual ele vai ao céu.

Entendo que aquilo que nos atrai é ainda maior do que a própria atração. Sejam quais forem as categorias com as quais definimos nossa existência e seus anseios, seus sonhos e planos, ainda assim sua realização se mostrará algo mais belo, mais realizador e, portanto, jamais nos contentaremos com as paradas. Este é o ser humano: a cada chegada um recomeço, mesmo no céu.

O Advento é este recomeço, mesmo para quem não chegou nele ainda. Para quem ainda não se preparou, não aplainou seu coração, as semanas percorrem o seu curso normal, vão diligentes desaguar na noite bela. Levados pela correnteza do tempo litúrgico todos desembocaremos no encontro do Natal. É inevitável que isto aconteça, até porque já aconteceu há dois mil anos. Nós é que estamos navegando nas águas por onde milhões já trafegaram. Vamos irmão, destemidos em águas profundas, barcas singrando rio tão denso, rico em seus afluentes que o enchem de mais embarcações, todos nos destinamos ao mar, à praia, ao porto. Portanto alcem as suas velas ao vento! Força nos remos!

10 As multidões perguntavam a João: “que devemos fazer?” 11 João respondia:
“Quem tiver duas túnicas dê uma a quem não tem; e quem tiver comida faça o mesmo!”

Não se viaja com muito porque há muito que conquistar no destino. Esta é a tábua do juízo final: “(...) Estive nu e me vestistes, com fome e me destes de comer” (Cf. Mt, 25, 35s), regra de ouro da verdadeira religião (Cf. Tg 1, 27); o programa inicial do Batista, o seu ‘primeiro mandamento’ ou chamem como quiserem. Vestir-se cobre a nudez e a vergonha do pecado original (Cf. Gn 3, 8 – 11) e alimentar-se sacia a fome da sedução, pacto entre Eva e a serpente (Cf. Gn3, 6). São duas atitudes extremamente simples, mas que revelam o caráter dos verdadeiros santos, solucionam os maiores problemas sociais da humanidade e finalmente dissolvem o xadrez selvagem do materialismo.

12 foram também para o batismo cobradores de impostos, e perguntaram a João: “Mestre, que devemos fazer?” 13 João respondeu: “Não cobreis mais do que foi estabelecido”.

A corrupção não é apenas um tema político. Veja como toca a essência da relação com Deus. Todos querem saber “o que devemos fazer”. Mas que pergunta fundamental! Através dela muitos, senão todos, podemos descobrir a revolução mais importante das nossas vidas: ‘o que eu posso fazer?’ Talvez a centralidade moral da religião deva circular em torno desta incógnita. Talvez muitas descobertas se façam a partir desta resposta: “Não cobreis mais do que foi estabelecido”, ou seja, não tire do outro o que não te pertence! Ainda me pergunto se pudéssemos ler nesta frase o seguinte: ‘conserva no outro o que lhe pertence’, não só ‘não tire’, mas ‘conserva’!

14 Havia também soldados que perguntavam: “E nós, que devemos fazer?” João respondia: “Não tomeis à força dinheiro de ninguém, nem façais falsas acusações;
ficai satisfeitos com os vossos salários!”

Nem roubo, nem calúnia. Aqui não estão apenas dúvidas de tantos que procuravam o batismo de João, parecem também se tratar dos conselhos morais, uma lista amadurecida de atitudes que cada um, e não apenas os grupos isolados da perícope, podem assumir como suas. São conselhos aparentemente em preparação ao batismo, todavia lembre o leitor que São Lucas escreve seu evangelho mais de cinquenta anos depois da morte de Jesus e de João Batista. Há aqui um resumo, curiosamente bem atual, para a religião e para a sociedade dos nossos dias. De fundo, podemos ler um ‘cuide de sua vida!’ E se for importar com o seu semelhante que seja para lhe fazer o bem.

15 O povo estava na expectativa e todos se perguntavam no seu íntimo se João não seria o Messias. 16 Por isso, João declarou a todos: “Eu vos batizo com água, mas virá aquele que é mais forte do que eu. Eu não sou digno de desamarrar a correia de suas sandálias.
Ele vos batizará no fogo e no Espírito Santo.

Houve até quem dissesse que Jesus era a reencarnação de João Batista (Cf. Mc 8, 28), tamanha era a força, popularidade e testemunho daquele homem, a ponto de quase ofuscar Jesus. Ele chega a admitir que há uma necessidade de que ele diminua para que Cristo cresça. Eis o sinal, a moral do religioso, como canta Pe. Zezinho:
“Quando a gente encontra Deus, quer ficar cada dia menor, quer ver Deus cada dia maior no coração de cada pessoa. Quando a gente encontra Deus, quando encontra de verdade a grande luz, Diz o que disse João ao falar de Jesus: não, não, não, não sou a luz, mas conheço quem dela veio! Sou somente um religioso. Sou somente um religioso.”

17 Ele virá com a pá na mão: vai limpar sua eira e recolher o trigo no celeiro; mas a palha ele a queimará no fogo que não se apaga”.
18 e ainda de muitos modos, João anunciava ao povo a Boa-Nova.


Confesso ao bom leitor que mesmo os apóstolos tiveram as suas incompreensões perante Jesus. Esta seria a minha com o batista. Ele acabou de falar tão belamente de Jesus: “(...) Ele vos batizará no fogo e no Espírito Santo”. Por que mudou o tom e aplicou o fogo divino para queimar os que são como palha, secos e inférteis, sem nutrientes nem utilidade, a não ser para feno, comida pro gado ou compor paredes de argila? Decididamente a maior história de amor entre o céu e a terra não traz um romantismo ingênuo. Há algo de catastrófico no amor que não é amado. Há uma perda incomensurável, um preço de sangue, um desfecho de vida ou morte, cuja interatividade evangélica definirá o gênero desta ‘epopeia’ cristã. O que escolhe: a vida ou a morte? (Cf. Dt 30, 15.19)

Desejo a todos uma excelente semana de revisão e de tomada de boas atitudes, sobretudo de confiança em Deus. Deixe-se conduzir por Ele!

Glória ao Pai e ao Filho e ao Espírito Santo...
Barra dos Coqueiros – SE, 13.12.2015
Pe. Adeilton Santana Nogueira

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