Lucas 1, 39 – 45
4º DOMINGO DO ADVENTO
Tudo tem um fim. E que bom que o
tem! Mesmo o tempo termina. O Tempo é Cronos,
o deus mítico filho do Céu estrelado e da Terra. Destronou o pai e passou a engolir
os filhos para não ser destronado também; somente Zeus escapara e libertara os
irmãos. É sábia a mitologia de Homero quando conta que a história do pai do
tempo era cheia de medo e disputas e que somente o seu exílio trouxe a
imortalidade aos seus filhos. Enquanto se vive na Era de Cronos tudo é medido com mesquinhez e desconfiança.
Cronos
também engolira Kairós, pois ele
discordava de seu pai e defendia um tempo oportuno para cada coisa, o momento
certo, a oportunidade que chega e passa, aquela hora que é única. Mesmo que
dependa das horas, Kairós captura o
tempo e o torna exclusivo. Era isso que Cronos
odiava: não ser dono de tudo.
De Sêneca, que ensinou a S. Paulo, à
filosofia existencialista e escolas espirituais, os defensores do tempo que
passa, deixando de lado os mitos e inspirados no sol que renasce todos os dias,
chamam de quotidie morior, a morte do
cotidiano. Heidegger ou Edith Stein poderiam ter dito: “Todos os dias enfrento
a morte.” ( 1 Cor 15, 31) Se tudo passa, tudo tem um novo começo. Eles defendem
que este momento deve mesmo passar e que surja outro. A doutrina do quotidie morior inspira o entusiasmo e a
esperança. Como diria S. Tereza de Jesus: “Tudo passa, só Deus basta!” Pois que
venham novos “hoje”, novos momentos depois que estes nos deixem, graças a Deus!
Ainda mais do que foi dito acima, o
tempo que estamos falando nesses domingos é outro. O Advento é um tempo cristão
além do mítico ou filosófico. Aquele que há de vir, não se sujeita ao tempo que
se mede nem ao tempo que se experimenta e passa. Não é algo externo que lhe dá
sentido, mas Ele mesmo é quem significa o instante que se mede e a eternidade
que não se conhece.
O evangelho de hoje se dá num
contexto esperado e é relatado com imagens já conhecidas do povo bíblico. Lucas
não era jornalista, mas médico. Mesmo que o fosse contaria essa história de
forma que o povo a pudesse ler. Assim os evangelistas escreveram suas notícias
acerca de Jesus, compondo um cenário comum a todos, mas apenas compreensível
pelos que se contextualizavam. Assim o Espírito escrevia, a várias mãos e
naquele tempo, palavras de vida eterna que evocavam antigas tradições e
esperanças que gritavam aos ouvidos dos presentes: “Hoje meus olhos viram a
Salvação”.
Os relatos evangélicos têm uma
solenidade de construção, uma introdução, estrutura e estilo próprios. Eles têm
localização temporal, pessoalidade, geografia, psicologia, moral e política,
mas sobretudo teologia. Não se leia um texto sagrado buscando referências
técnicas precisas sem o dado da fé e do recurso das alegorias e imagens. Sem
elas não se poderia construir uma cena que falasse ao leitor além das letras e
do tempo. O simbólico se insere no mundo dos sonhos, dos anseios e das
reflexões. É por isso que até o nome de Maria se assemelha ao das grandes
mulheres bíblicas como a irmã de Moisés e a sua história repagina outras tantas
sagas matriarcais do Velho Testamento.
39 Naqueles dias, Maria partiu para a região
montanhosa,
dirigindo-se, apressadamente, a uma cidade
da Judeia.
Maria é de Nazaré da Galileia e vai
a Isabel na Judeia, atravessando um deserto montanhoso. Sujeita a ladrões,
feras e ameaçada de ser apedrejada pela gravidez sem marido; ela se apressa. A
distância entre as cidades é de mais de 130 quilômetros e será feita mais uma
vez. A próxima será quando o recenseamento obrigar José e Maria a se dirigirem
a Jerusalém. Daquela vez não dará tempo de chegar e Jesus nascerá em Belém. Muitos
pregadores se detiveram nas pressas de Maria, sem perceber outros temas tão
importantes como a união política das famílias e tradições entre Galileia e
Judeia, dominadas por Roma; a travessia a pés secos no mar de areia; a solidão,
coragem e a maturidade de uma adolescente. Reservo-me, todavia, apenas em
apontar ao leitor esses temas e reflexões possíveis.
40 Entrou na casa de Zacarias e cumprimentou
Isabel. 41 Quando Isabel ouviu a saudação de Maria, a criança pulou no seu
ventre e Isabel ficou cheia do Espírito Santo.
O tema das alegrias messiânicas já
se descortina. A alegria é a saudação do anjo: “Ave-alegra-te!” Maria não chega
sozinha, já está grávida, e o motivo de sua alegria vai com ela. É portadora da
esperança, sua cumpridora e transmissora. Neste dilema temporal o sobrenatural
se revela. Todos estão cheios do Espírito Santo. Quem tem Deus contagia, exala
graça, pois transborda Aquele que não se conteve nos céus, nem se aprisionará
nos corações, ainda que puros.
42 Com um grande grito, exclamou:
“Bendita és tu entre as mulheres e bendito é
o fruto do teu ventre!”
A primeira parte desta saudação é
trazida do Cântico da juíza Débora à vitória de Jael, mulher responsável pela libertação
de Israel quando derrota o general Sísera, o opressor, com as próprias mãos.
(Jz 5,24 – 27) Mas “o fruto bendito” é o “Filho do Altíssimo”. Como não
saudá-la, ó Maria? Como não reconhecer em sua história a esperança de um povo,
desta vez sem violência? Como não amar o honrar aquela que acreditou? Como não
gritar: “És bendita”?
43 Como posso merecer que a mãe do meu
Senhor me venha visitar?
Aqui está outra saudação antiga. Desta
vez reconhecendo a semelhança entre a Arca da Aliança, que continha uma porção
do maná do deserto e as duas tábuas da Lei e Maria, mãe de Jesus. Aconteceu que
o Rei Davi teve medo de que a Arca ficasse com ele e exclamou: “Como virá a
Arca do Senhor para ficar em minha casa?” (2 Sam 6,9) E a mandou para casa de
Obed-Edon, com quem passara três meses abençoando a sua família. A Arca sempre
foi venerada e temida por ser a santa presença de Deus no meio do seu povo.
44 Logo que a tua saudação chegou aos meus
ouvidos,
a
criança pulou de alegria no meu ventre.
Há outros paralelos entre a passagem
de Davi e esta de Isabel. Até o júbilo de João pode ser comparado às danças e
saltos do Rei na presença da Arca. (2 Sam 6, 5.14) São a descendência de Jesus
e seus precursores dando sinais de que o tempo é este e de que o esperado já se
cumpre. Já, mas ainda não! Ainda precisa se atualizar e deixar de ser alegoria,
simbologia, comparativos e se tornar realidade no aqui e agora da história de
cada um. Enquanto assistirmos ao espetáculo do Natal ou o protagonizarmos com
fetiches e fantasias pessoais ele não será a presença tão esperada, mas apenas a
representação dela, uma quimera bem contada, uma peça bem encenada, riscos em
que incorrem as festas religiosas engolidas pelo desfecho do fim de ano, pela
gana do comércio e comoção dos amigos. Não estamos celebrando ou comemorando o
próprio projeto, lembre-se disto!
45 Bem-aventurada aquela que acreditou,
porque será cumprido o que o Senhor lhe
prometeu”.
Eis a diferença: crer. O cumprimento
da promessa não diz respeito à fé. Ledo engano achar que Deus precisa que se
creia. Não é a fé que desperta o poder divino, senão por vezes o reclama, mas o
poder emana dEle como o aroma das flores. A diferença é que quem crê percebe o
milagre acontecer e pode participar dele; quem não crê não o testemunha, embora
ele ocorra um palmo diante do nariz.
As luzes piscam e as árvores
frutificam estrelas; presentes abertos e comida sobrando; muita companhia e confraternização.
Há mais luz, cor, fartura e pessoas. Todos estão felizes!Todos? Pois antes do
Natal procure um triste e lhe faça feliz. Boas Festas!
Glória ao Pai e ao Filho e ao Espírito Santo...
Tobias Barreto – SE, 19.12.2015
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