sábado, 19 de dezembro de 2015

ALEGRIA DE ALGUÉM

Lucas 1, 39 – 45
4º DOMINGO DO ADVENTO

Tudo tem um fim. E que bom que o tem! Mesmo o tempo termina. O Tempo é Cronos, o deus mítico filho do Céu estrelado e da Terra. Destronou o pai e passou a engolir os filhos para não ser destronado também; somente Zeus escapara e libertara os irmãos. É sábia a mitologia de Homero quando conta que a história do pai do tempo era cheia de medo e disputas e que somente o seu exílio trouxe a imortalidade aos seus filhos. Enquanto se vive na Era de Cronos tudo é medido com mesquinhez e desconfiança.

Cronos também engolira Kairós, pois ele discordava de seu pai e defendia um tempo oportuno para cada coisa, o momento certo, a oportunidade que chega e passa, aquela hora que é única. Mesmo que dependa das horas, Kairós captura o tempo e o torna exclusivo. Era isso que Cronos odiava: não ser dono de tudo.

De Sêneca, que ensinou a S. Paulo, à filosofia existencialista e escolas espirituais, os defensores do tempo que passa, deixando de lado os mitos e inspirados no sol que renasce todos os dias, chamam de quotidie morior, a morte do cotidiano. Heidegger ou Edith Stein poderiam ter dito: “Todos os dias enfrento a morte.” ( 1 Cor 15, 31) Se tudo passa, tudo tem um novo começo. Eles defendem que este momento deve mesmo passar e que surja outro. A doutrina do quotidie morior inspira o entusiasmo e a esperança. Como diria S. Tereza de Jesus: “Tudo passa, só Deus basta!” Pois que venham novos “hoje”, novos momentos depois que estes nos deixem, graças a Deus!

Ainda mais do que foi dito acima, o tempo que estamos falando nesses domingos é outro. O Advento é um tempo cristão além do mítico ou filosófico. Aquele que há de vir, não se sujeita ao tempo que se mede nem ao tempo que se experimenta e passa. Não é algo externo que lhe dá sentido, mas Ele mesmo é quem significa o instante que se mede e a eternidade que não se conhece.

O evangelho de hoje se dá num contexto esperado e é relatado com imagens já conhecidas do povo bíblico. Lucas não era jornalista, mas médico. Mesmo que o fosse contaria essa história de forma que o povo a pudesse ler. Assim os evangelistas escreveram suas notícias acerca de Jesus, compondo um cenário comum a todos, mas apenas compreensível pelos que se contextualizavam. Assim o Espírito escrevia, a várias mãos e naquele tempo, palavras de vida eterna que evocavam antigas tradições e esperanças que gritavam aos ouvidos dos presentes: “Hoje meus olhos viram a Salvação”.

Os relatos evangélicos têm uma solenidade de construção, uma introdução, estrutura e estilo próprios. Eles têm localização temporal, pessoalidade, geografia, psicologia, moral e política, mas sobretudo teologia. Não se leia um texto sagrado buscando referências técnicas precisas sem o dado da fé e do recurso das alegorias e imagens. Sem elas não se poderia construir uma cena que falasse ao leitor além das letras e do tempo. O simbólico se insere no mundo dos sonhos, dos anseios e das reflexões. É por isso que até o nome de Maria se assemelha ao das grandes mulheres bíblicas como a irmã de Moisés e a sua história repagina outras tantas sagas matriarcais do Velho Testamento.

39 Naqueles dias, Maria partiu para a região montanhosa,
dirigindo-se, apressadamente, a uma cidade da Judeia.

Maria é de Nazaré da Galileia e vai a Isabel na Judeia, atravessando um deserto montanhoso. Sujeita a ladrões, feras e ameaçada de ser apedrejada pela gravidez sem marido; ela se apressa. A distância entre as cidades é de mais de 130 quilômetros e será feita mais uma vez. A próxima será quando o recenseamento obrigar José e Maria a se dirigirem a Jerusalém. Daquela vez não dará tempo de chegar e Jesus nascerá em Belém. Muitos pregadores se detiveram nas pressas de Maria, sem perceber outros temas tão importantes como a união política das famílias e tradições entre Galileia e Judeia, dominadas por Roma; a travessia a pés secos no mar de areia; a solidão, coragem e a maturidade de uma adolescente. Reservo-me, todavia, apenas em apontar ao leitor esses temas e reflexões possíveis.

40 Entrou na casa de Zacarias e cumprimentou Isabel. 41 Quando Isabel ouviu a saudação de Maria, a criança pulou no seu ventre e Isabel ficou cheia do Espírito Santo.

O tema das alegrias messiânicas já se descortina. A alegria é a saudação do anjo: “Ave-alegra-te!” Maria não chega sozinha, já está grávida, e o motivo de sua alegria vai com ela. É portadora da esperança, sua cumpridora e transmissora. Neste dilema temporal o sobrenatural se revela. Todos estão cheios do Espírito Santo. Quem tem Deus contagia, exala graça, pois transborda Aquele que não se conteve nos céus, nem se aprisionará nos corações, ainda que puros.

42 Com um grande grito, exclamou:
“Bendita és tu entre as mulheres e bendito é o fruto do teu ventre!”

A primeira parte desta saudação é trazida do Cântico da juíza Débora à vitória de Jael, mulher responsável pela libertação de Israel quando derrota o general Sísera, o opressor, com as próprias mãos. (Jz 5,24 – 27) Mas “o fruto bendito” é o “Filho do Altíssimo”. Como não saudá-la, ó Maria? Como não reconhecer em sua história a esperança de um povo, desta vez sem violência? Como não amar o honrar aquela que acreditou? Como não gritar: “És bendita”?

43 Como posso merecer que a mãe do meu Senhor me venha visitar?

Aqui está outra saudação antiga. Desta vez reconhecendo a semelhança entre a Arca da Aliança, que continha uma porção do maná do deserto e as duas tábuas da Lei e Maria, mãe de Jesus. Aconteceu que o Rei Davi teve medo de que a Arca ficasse com ele e exclamou: “Como virá a Arca do Senhor para ficar em minha casa?” (2 Sam 6,9) E a mandou para casa de Obed-Edon, com quem passara três meses abençoando a sua família. A Arca sempre foi venerada e temida por ser a santa presença de Deus no meio do seu povo.

44 Logo que a tua saudação chegou aos meus ouvidos,
 a criança pulou de alegria no meu ventre.

Há outros paralelos entre a passagem de Davi e esta de Isabel. Até o júbilo de João pode ser comparado às danças e saltos do Rei na presença da Arca. (2 Sam 6, 5.14) São a descendência de Jesus e seus precursores dando sinais de que o tempo é este e de que o esperado já se cumpre. Já, mas ainda não! Ainda precisa se atualizar e deixar de ser alegoria, simbologia, comparativos e se tornar realidade no aqui e agora da história de cada um. Enquanto assistirmos ao espetáculo do Natal ou o protagonizarmos com fetiches e fantasias pessoais ele não será a presença tão esperada, mas apenas a representação dela, uma quimera bem contada, uma peça bem encenada, riscos em que incorrem as festas religiosas engolidas pelo desfecho do fim de ano, pela gana do comércio e comoção dos amigos. Não estamos celebrando ou comemorando o próprio projeto, lembre-se disto!

45 Bem-aventurada aquela que acreditou,
porque será cumprido o que o Senhor lhe prometeu”.

Eis a diferença: crer. O cumprimento da promessa não diz respeito à fé. Ledo engano achar que Deus precisa que se creia. Não é a fé que desperta o poder divino, senão por vezes o reclama, mas o poder emana dEle como o aroma das flores. A diferença é que quem crê percebe o milagre acontecer e pode participar dele; quem não crê não o testemunha, embora ele ocorra um palmo diante do nariz.

As luzes piscam e as árvores frutificam estrelas; presentes abertos e comida sobrando; muita companhia e confraternização. Há mais luz, cor, fartura e pessoas. Todos estão felizes!Todos? Pois antes do Natal procure um triste e lhe faça feliz. Boas Festas!

Glória ao Pai e ao Filho e ao Espírito Santo...
Tobias Barreto – SE, 19.12.2015

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