domingo, 2 de agosto de 2015

NÃO TENHA FOME

João 6, 24 – 36

A fome do mundo é um dos temas mais recorrentes da contemporaneidade e das causas sociais, um dos maiores escândalos da humanidade e dos países mais desenvolvidos. As estatísticas confirmam que o problema não é a escassez de comida ou a falta de produção. Segundo a ONU, só o Brasil desperdiça mais de 26.3 milhões de toneladas de comida. Aquilo que jogamos fora renderia 131,5kg de comida para cada um dos 13 milhões que ainda passam fome em nosso país ou 3,76kg para cada um do planeta. Porém, estes são dados ainda de 2013, das contas da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO).

A proposta de Jesus, que não é ecônomo nem agrônomo, é “dai-lhes vós mesmos de comer”. A saída cristã para o problema da fome no mundo começa com uma constatação ainda mais íntima. Jesus diz que, mesmo nós os saciados, jamais viremos a sentir fome novamente. Começo as meditações de hoje já concluindo que quando Jesus for nosso alimento não haverá famintos no mundo. Se dEle nos alimentarmos jamais a fome nos dominará. Sim, você sabe que a fome também domina quem não dá de comer a quem está faminto? São pessoas insaciáveis. Comem tanto, comem tudo. Alimentam-se de vidas frágeis. São gananciosas. O vazio em suas vidas é como o inferno, queimam vidas e sempre se alegram em incinerar mais uma.

24. Quando a multidão viu que Jesus não estava ali nem os seus discípulos, subiram às barcas e foram à procura de Jesus, em Cafarnaum. 25. Quando o encontraram no outro lado do mar, perguntaram-lhe: “Rabi, quando chegaste aqui?”

Não seria exagerado afirmar que a nossa primeira busca é pela saciedade. Mesmo os animais buscam o seu conforto, bem estar e segurança. Isto é vital e está na natureza humana. Porém, esses irmãos do evangelho de hoje fizeram disto um ideal de vida e, ao que parece, Jesus denuncia a sua preguiça, comodismo e falsa reputação. Procuram-No para ter suas necessidades satisfeitas. Não raro encontramos cristãos nesta fase inicial da fé mal alicerçada por não encontrar alguém que lhes repreenda de imediato.

26. Jesus respondeu: “Em verdade, em verdade eu vos digo, estais me procurando não porque vistes sinais, mas porque comeste pão e ficastes satisfeitos.

Notemos que o Mestre da verdade nem sequer se dá ao desprazer de lhes responder à pergunta ‘quando chegaste aqui’. Jesus reconhece de imediato que este não era o interesse de seus seguidores. Em minha vida pastoral, conheci algumas pessoas que não hesitariam em dizer que Jesus foi mal educado ou até grosso nessa resposta. Por vezes Jesus tem um estilo de tolerância zero, no entanto não o classificaria um bruto. Entendamos que há correções que exigem a intempestividade do momento. Jesus, como outros pastores de almas, sabe que “um pequeno erro no princípio acaba por tornar-se grande no fim”, como nos ensina S. Tomás de Aquino no prólogo de O Ente e a Essência, citando Aristóteles. Não foi grosseiro romper de início ideias mal formadas sobre Ele. Jesus não promove  vantagens e conforto, não é o seu estilo de vida nem o seu ensinamento.

27. Esforçai-vos não pelo alimento que se perde, mas pelo alimento que permanece até a vida eterna e que o Filho do homem vos dará. Pois este é quem o Pai marcou com seu selo”.

Este ideal é um selo, uma marca. Assim poderemos reconhecer os assinalados. Há de per si um sinal naqueles e naquilo que vem de Deus. A marca é Cristo. Seu jeito, seu estilo, sua Pessoa. Todo o Seu ser. Conhecê-Lo será a maior aventura da existência de uma pessoa. No verso 28  já se percebe alguma conversão quando Lhe perguntaram: “Que devemos fazer para realizar as obras de Deus?” e Jesus responde: “A obra de Deus é que acrediteis naquele que Ele enviou”. Crer nEle então é o caminho desta aventura. A epopeia do conhecimento de Quem Ele é e a adesão à Sua Pessoa implicam numa verossimilhança transformadora de um no outro. Não é de se estranhar por que a figura do alimento é o grande ícone desta experiência. Depois de ingerido, alimento e quem o come se tornam um só. Esta imagem discorreremos na continuidade deste capítulo, nos próximos domingos.

30. Eles responderam: “Que sinal realizas, para que possamos ver e crer em ti? Que obra fazes? 31. Nossos pais comeram o Maná no deserto, como está na Escritura: ‘Pão do céu deu-lhes a comer’”.

A fé não é uma decisão fácil. A faculdade de crer é um dom nato, mas a adesão da fé e o consequente consentimento da razão não parecem ser uma tarefa simples. Daí por que as pessoas mais simples sentirão facilidade. Já são simples e com simplicidade veem as coisas. Nós outros sempre estamos à procura dos fatos e seus enredos. Quem fez, por que fez, como foi, quem disse, e assim as pessoas se escondem e se revelam em meio ao que se diz delas. Quase não sobra espaço para quem são nelas mesmas ou o que dizem de si próprias.

No mundo das coisas a nossa preocupação se verte para os feitos escandalosos e surpreendentes, privilegiando os charlatões de meia cura. Anunciam paliativos e soluções imediatas fantasiadas de tradição, mas que falsificam a origem das religiões. Esta será sempre Deus em quem o coração do fiel deve descansar e restaurar as suas forças. Sinais facilmente podem ser forjados; bons ou maus podem ser inventados. Quem busca provas sempre as terá em suas mãos e lábios para confirmar os seus enganos. Satanás usou a Escritura, esta qualidade de infieis também a usa.

32. Jesus respondeu: “Em verdade, em verdade vos digo: não foi Moisés que vos deu o pão que vem do céu. É meu Pai quem vos dá o verdadeiro pão do céu. 33. Pois o pão de Deus é aquele que desce do céu e dá vida ao mundo”.

Jesus é senhor da contradição, pois a resolve, mas não do engano ou da mentira. Estas são falácias dos covardes e preguiçosos. A afirmação que nega a autoria de Moisés do milagre do pão do céu é verdadeira e negativa. Imagino como foi difícil para os judeus ouvirem tal proposição. Coube a Jesus o ônus da prova de tal assertiva: “É meu Pai quem vos dá o verdadeiro pão do céu”. Impossível cair em contradição diante de uma revelação dessas. Não se pode negar a autoria original de Deus, mesmo que se queira promover alguém pelo bem que fez.

34. Então pediram: “Senhor, dá-nos sempre desse pão”. 35. Jesus lhes disse: “Eu sou o pão da vida. Quem vem a mim não terá mais fome e quem crê em mim nunca mais terá sede”.

Ir ao encontro de Jesus pelo bem que fez ou atribuir a outrem a sua autoria são contradições cristãs que acabam negando o objeto de nossa fé. O desfecho dessa catequese do pão da vida é apenas uma primeira etapa para as lições posteriores. Ensinamentos ainda maiores estão por vir e o fiel precisa amadurecer, precisa evoluir, precisa passar desse estágio para ser capaz de aderir à fé verdadeira e não ao marketing religioso, da propaganda da imagem de bonzinho que alguns insistem em se esconder, negando a Deus a autoria de suas ações, fazendo sem alocução divina, sem respeito às tradições locais ou perpetuidade, apenas por modismos e lucros. Alguns ainda fazem laboratório pastoral ‘para ver se dá certo’, como se o povo de Deus fosse massa de manobra.

Não ter mais fome ou sede, esta é a promessa. Se de fato estamos nele não há fome alguma. Se não nos saciamos, se há um vazio em nós, a receita do Senhor não foi seguida e a massa estragou, solou, não assou. Esse pão não tem sabor, está cru, queimou, não sei. Só sei que não está alimentando, não está saciando, não sobra. Temos oferecido um pão diferente daquele da promessa. Um padeiro humilde veria o que ocorreu urgentemente para não perder clientes ou adoecer os que se arriscam em comer. Um padeiro humilde reconheceria que desta vez errou o ponto, pois o seu nome, a sua marca, está em jogo.

A pessoa com fome precisa também mover-se em busca do que comer. Criticar a má serventia sem tentativa de acerto é maldade e falsidade, a verdadeira contradição, duas negativas. O fiel ou discípulo que não se esmera em seu sustento espiritual não sabe o que busca, não sabe o que encontrou, não reconhece quem lhe visita, quem lhe dá a paz. Não sabe em que crê. Por isso sua religião é morta e sua prática é vazia. Não há sentido no que faz, pois nem ele sabe por que ou para quem se destina. Não há religação em sua religião por que não há extremos nessa ponte. Quando souber a quem procura talvez se Lhe dirija um passo. Esta fé fantasma vira vedetismo e se oferece aos deuses do tempo e do momento, na prática da religião do leilão, onde ‘quem dá mais’ leva. Ainda pior, onde a oferta for maior do que a procura os preços caem e os presentes nem sempre levam. Numa comunidade de pouca busca a liquidação nem sempre é justa e as leis de mercado se confundem com a ficção do teatro para fidelizar o cliente. O produto vira uma marca e o conteúdo uma propaganda. O sabor mesmo não importa mais.

A samaritana, por sua vez, provou de uma água que jamais lhe devolveria a sede (Jo 4, 1 – 41); esses discípulos encontraram um pão de conversão e uma certeza que lhes reformulou a fé, e que jamais lhes devolveria a fome: Jesus. É Ele quem se faz alimento. Se dele nos alimentarmos não seremos pessoas insaciáveis e famintas à procura do que nos preencha o vazio da vida. Ainda mais poderemos dá-Lo em alimento a tantos outros. Se não é assim que fechem as padarias, pois servem pães estragados, seja por falsos padeiros, seja por atravessadores mercenários que estragam o pão e diluem o leite, ou ainda para o desperdício da vizinhança.

Desejo que você encontre excelentes padeiros, os melhores, para ser bem servido um alimento salutar que sacia e rejuvenesce, que se partilha com generosidade, manufaturado de uma receita antiga e que melhora a cada fornada. Desejo aos meus irmãos que servem o pão dos anjos, o Pão de Deus, a lembrança de que a iguaria que damos foi ‘o Pai quem deu’. É o Pão descido do céu o dom mais precioso de um sacerdote, a última coisa que podem lhe tirar, portanto a última coisa que ele deixe de fazer. Parabéns padre!

Glória ao Pai e ao Filho e ao Espírito Santo...
02.08.2015

Nenhum comentário:

Postar um comentário