Jo 6, 41 – 51
Na semana passada havíamos dito que
aprofundaríamos a imagem do alimento ingerido que se converte em um só ser
junto a quem o ingere. Na verdade o que pretendemos é dizer diferente, pois S.
Agostinho já nos tinha explicado o que ocorre na refeição sagrada. Ele parte do
cenário de uma guerra onde quem é mais poderoso vence o mais fraco e diz que na
comunhão do Corpo de Cristo não é Ele, como alimento, quem se transforma no
comungante, mas aquele que o recebe é quem vai se configurando a Cristo.
Na digestão comum é um pouco
parecido com isto. Quando nos alimentamos, as substâncias, discretamente, são distribuídas
em nosso organismo trazendo vitalidade ou mesmo alguma anormalidade. Mas as
diferenças da mesa de Jesus e das nossas são bem maiores que as suas
semelhanças. O alimento que é Jesus é de vida eterna e, por isso, se traz
condenação é porque foi tomado indignamente (1Cor 11, 27).
41 Os judeus começaram a murmurar a respeito
de Jesus porque havia dito: “Eu sou o pão que desceu do céu”.
Este capítulo sexto de São João
ainda será lido por mais dois domingos. Há muito que aprofundar nesta catequese
do Pão da Vida. Estamos no meio do Ano Litúrgico, como já afirmamos, e estamos
sendo preparados para a decisão mais importante do cristão: viver Jesus. Esta é
uma mudança de mentalidade que diz respeito a toda a vida, ou melhor, à vida
inteira. Sem pedaços, sem horários repartidos, do tipo ‘é a minha vida’ ou
‘faço o que quero’.
A figura do alimento se presta para
esta imagem da necessidade vital e da humildade de que a vida não está dentro
de nós, em nós mesmos como se fosse algo que se nutra sem alguma recarga
externa. A vida que temos nos foi dada, e continua sendo dada, e é encontrada
de fora para dentro. Assim como o alimento ela é cultivada e colhida; nasce
fora, mas deve ser ingerida, saboreada, digerida e convertida novamente em ação
externa de cultivo da própria vida. Essa dinâmica circular é envolvente. Lembra
a vida divina que não se encarcerou nos céus, mas nos criou e se dirige a nós.
42 Eles comentavam: “Não é este Jesus, o
filho de José? Não conhecemos seu pai e sua mãe? Como então pode dizer que
desceu do céu?”
Há um mistério cósmico, físico quântico,
em tudo que fazemos e somos. Estamos, inevitavelmente, ligados uns aos outros.
Há uma sequência ultratemporal e espacial na vida de cada um de nós, que nos
intervala e nos faz ser de todos, nunca sozinha. Não posso dizer ‘minha vida’
quando há tantas pessoas ligadas a mim, mesmo sem intimidade. Mesmo que não as
ame, dependemos delas e elas dependem de nós. É incrível o laço que une as
vidas. É quase inacreditável a corrente que nos prende.
43 Jesus respondeu: “Não murmureis entre
vós. Ninguém pode vir a mim, se o Pai que me enviou não o atrai. E eu o
ressuscitarei no último dia. 45 Está escrito nos profetas: ‘Todos serão
discípulos de Deus’. ora, todo aquele que escutou o Pai e por ele foi
instruído, vem a mim. 46 Não que alguém já tenha visto o Pai. Só aquele que vem
de junto de Deus viu o Pai.
É que Jesus não se refira à Sua
vida, e à vida que Ele dá, sem antes aludir ao seu Pai. Ele dá, mas daquilo que
recebeu (Cf. Jo 10, 17); Ele veio ao mundo, porém foi enviado (Cf. Jo 6, 38);
Ele prega, mas daquilo que ouviu o Pai dizer (Cf. Jo 8, 28). Que belo texto
para ser lido no dia dos Pais, como neste segundo domingo de agosto de 2015.
Tentaram identificá-lo com a sua família terrena, mas logo Ele os alça num patamar
ainda mais superior. Somos todos de uma família comum que se origina e se
estende aos céus.
47 Em verdade, em verdade vos digo, quem
crê, possui a vida eterna. 48 Eu sou o pão da vida. 49 Vossos pais comeram o
maná no deserto e, no entanto, morreram.
Jesus não vem simplesmente nos
buscar, como querem alguns cristãos do arrebatamento. Estes vivem à espera de
ser retirados desta vida, por vezes dolorosa, indigna e indesejável. Todavia
Jesus não nos alheia do mundo, não pede que sejamos tirados dele, mas que
sejamos mais fortes que o mal (Cf. Jo 17, 15). Quem se alimenta dEle,
cotidianamente, não será vencido pelas mortes e perdas ininterruptas dessa vida
presente aqui no mundo, não há morte para quem dEle se alimenta; costumo dizer
que não há perdas em Deus.
50 Eis aqui o pão que desce do céu: quem
dele comer, nunca morrerá.
A eucarístia, do grego EU = bem +
KHARIZESTHAI (KHARIS = graça) ‘boas graças, bem dizer’, é nome dado a todo o
ritual da liturgia da missa, mas também ao pedaço de pão sem fermento, à hóstia
(sacrifício), que se consagra no altar. É Jesus em Corpo, sangue, alma e
divindade. É Ele, porque disse de Si mesmo: ‘Eu sou’ e ‘Isto é o Meu corpo...
Isto é o Meu sangue’. Não creio ter sido simplista, por não fazer longas citações
dos teólogos clássicos ou dos mais citados, tampouco do magistério eclesiástico,
preferi citar ipsissima verba Christi.
Ele é quem melhor fala de Si.
51 Eu sou o pão vivo descido do céu. Quem
comer deste pão viverá eternamente. E o pão que eu darei é a minha carne dada
para a vida do mundo”.
Há, além do que foi dito acima,
outra tônica necessária a estas palavras da própria boca de Jesus. Além de
entendermos que Jesus é, e não apenas está na hóstia consagrada, precisamos
aprofundar sua fala de que o alimento que é a Sua carne literal, vertida em pão
e pão vertido em carne, é a Sua carne “dada para a vida do mundo”. Muito se lê
que esta doação ocorre no alto da cruz. Quando a Sua carne é macerada e
exposta. Mas também se lê que toda a vida de Cristo é entrega e doação,
rendição e oferta de Si mesmo. Cristo já se doa desde a concepção virginal de
Maria Santíssima, no anúncio do anjo, ou mesmo no diálogo trinitário de Sua
encarnação. A dimensão do serviço toma a expressão material, dialética e
histórica, da verdadeira comunhão eucarística e do verdadeiro testemunho de fé.
Servir seria a materialidade da vida em Cristo, para alguns. Há até quem diga
que “quem não vive para servir, não serve para viver”.
No entanto a expressão: “a minha
carne dada para a vida do mundo” se referiria a toda a existência de Cristo na
carne. Arriscaria em dizer que, se Ele passou no mundo fazendo o bem (Cf. At 10,
38) a vida do servo é fazer o bem. Há momentos em que o professor não leciona,
nem está estudando ou preparando aulas, como há momentos na vida do padre em
que ele não está celebrando, ou mesmo de hábito sacerdotal.
O que quero dizer é que haverá um
dado momento na vida em que tudo nos será tirado, seja no descanso, seja no
banho de asseio ou em outra situação mais drástica. Nessa hora, em que nos
faltará qualquer expressão externa de quem nos sentimos por dentro ou de como
nos veem, o que seremos de fato? O Cardeal Koreano Van Thuan, na solitária
aprisionado, não podia celebrar a missa de preceito, segundo me contou Pe.
Tanag, colega em um curso na Itália, também Koreano. Quando estivermos
prostrados pela idade ou enfermidade, ou quando simplesmente nos tirarem as
possibilidades, como serviremos? Como o ser Jesus eucarístico poderá continuar
se dando ‘para a vida do mundo’?
Desejo a você que descubra como a
eucaristia, alimento do cristão, pode lhe transformar em um cristão mais
parecido com Jesus, ao ponto de que também se diga quando você passar: eis uma
pessoa boa, alguém que faz o bem. O bem está na raiz da palavra ‘eucaristia’,
por isso testifica e legitima todo serviço cristão. O ‘fazer’ precisa ‘ser’, do
contrário trairá a essência da vida. O mesmo Jesus que faz o bem é Aquele que é
a Vida (Cf. Jo 14, 6). De fato, quem O recebeu e se alimentou dEle se parecerá
com Ele. Não deve ser à toa que ‘bem’ em grego seja ‘EU’. Sem querer ferir a
semântica da língua, acho que merece pensar nisto. Boa semana! Esteja bem! Seja
bom (boa)! E feliz dia dos pais!
Glória ao Pai e ao Filho e ao
Espírito Santo...
09.08.2015
Pe.
Adeilton Santana Nogueira
Nenhum comentário:
Postar um comentário