domingo, 28 de junho de 2015

USE AS CHAVES!

Mt 16, 13-19
13. Chegando ao território de Cesaréia de Filipe, Jesus perguntou a seus discípulos:
 No dizer do povo, quem é o Filho do Homem?

Entre o evangelho deste domingo e a solenidade dos apóstolos Pedro e Paulo, a temática a ser abordada deixou muitos colegas divididos, creio eu, como estou agora. Ambas se completam, porém trazem reflexões que merecem, cada uma, o seu próprio artigo. Sem hierarquizar alguma ordem de importância tentarei apresentar algumas breves reflexões acerca de ambos.

Na missa que presidi, a primeira questão que me veio foi: por que, na maioria das vezes, ou nos casos mais conhecidos, todos aqueles que se dedicam à Igreja, como a uma esposa amada, tem um destino tão cruel quanto o martírio desses apóstolos e dos demais, a exceção de João que passou ileso do banho de azeite fervente? Não apenas pelo fato de a sorte do discípulo não ser maior que a do seu mestre (Cf. Mt 10, 24), mas aplico também ao objeto de seu amor, pois é grande o mistério do amor de Cristo à sua igreja (Ef 5, 32), ao ponto de Paulo fazer este vínculo: esposos amem suas mulheres como Cristo amou a Igreja (Ef 5, 25). Assim compara discípulo a esposo.

O que vemos na vida comum talvez nos ajude a entender o que ocorre na Igreja, uma vez que são os mesmos atores que desempenham seus papeis em ambos cenários. Qual o sentimento mais comum que tem levado os apaixonados a atitudes tão incruentas de violência? Ou o que levaria alguém a querer e até conseguir afastar um amado de quem ele ama? Acaso o vilão também ama a mesma pessoa? Seria então o ciúme, a venda nos olhos que tem cegado tantos de outrora quanto os de agora, até cometerem atos de assassinato para afastarem os amores da esposa?

Desde antes de Cristo, desde Adão, nas figuras bíblicas da Igreja, o amor à esposa sempre foi pago com um preço alto. Refiro-me no âmbito espiritual, e entenda aqui esposa por aquela figura adornada da única beleza que encantaria o seu esposo divino. Entendam-se estas comparações: esposa com a Nova Jerusalém (Cf. Ap 21, 9s), o povo redimido, portanto a Igreja imaculada e o esposo com o Cristo (Cf. Jo 3, 29). Esta é para mim uma situação intrigante: o modo como tentam separar o esposo da esposa, todas as vezes em que se amam.

Vendo os martírios de Pedro e Paulo, sem ignorar a história primitiva da Igreja, entendo que nem sempre o amor daqueles que desposam a única esposa de Cristo, por antonomásia, a Igreja, a conquistam pacificamente. Assim como “o reino dos céus padece violência e só os violentos entrarão nele” (Mt 11, 12), essa mesma violência alcança a vida do cristão de diversas maneiras.

A violência do cristão não é uma violência comum. O uso cristão da violência é haurir dela sua impetuosidade, veemência, força, ardor, intensidade. Ouso em dizer que precisamos de cristãos violentos, corajosos o suficiente para que sejam capazes de se violentarem pela cruz de Cristo, loucura deste mundo, e que sejam rejeitados pelos ímpios (1Cor 1, 18), não seus cúmplices. O testemunho das primeiras comunidades declara ser uma ‘necessidade’ que “se passe por muita tribulação para entrar no reino de Deus” (At 14, 22).

Igreja e Reino de Deus estão fundamentalmente entrelaçados. A Igreja existe em função do Reino, ela é o seu portal. Não é um fim em si mesma, mas se abre para acolher e preparar todos quantos queiram dele participar. O Reino é celeste e a Igreja terrestre. Ela é sua porta e escada. Nosso Senhor lhe faculta as chaves do céu. A Igreja faz as vezes de uma camareira. Está para destinar os hospedes aos seus aposentos e lhes servir. Mas como esposa faz as vezes do esposo, em quase tudo. Tem a autoridade da propriedade, mas não a sua posse. Está para o zelo, não para o comércio. Tem as chaves, mas não se engana, não é viúva. Não se desfaz de nada do que lhe foi confiado pelo esposo, uma vez que o esposo também não perdera nenhum bem de herança (Jo 18, 9). O segredo das chaves é o mesmo dos dons e dos talentos (Cf. Mt 25, 14-30), o mesmo dos administradores ainda que infiéis (Cf. Lc 16, 1-13), eu arriscaria em dizer que o segredo é ‘usá-las’!
14. Responderam: Uns dizem que é João Batista;
outros, Elias; outros, Jeremias ou um dos profetas.

As chaves são dadas no contexto da profissão de fé de Pedro. Em meio a tantas opiniões vagas e heresias, mentiras sobre quem é Jesus, eis uma afirmação diferente daquela dos demônios antes dos porcos (Mt 8, 28-34), pois não apenas o reconhece como Filho de Deus, mas como o Messias. Esta profissão é feita por um homem fraco na fé, que afunda em meio ao vento e agito do mar (Mt 14, 30), pois deixou de manter os olhos fixos em Jesus; um apóstolo que nega sua própria identidade para se livrar da condenação (Cf. Lc 22, 54-57), que teme enfrentar Jerusalém ao lado do seu Mestre (Cf. Mt 16, 22). Apesar de toda esta fraqueza Pedro faz uma afirmação que revela sua espiritualidade e sua intimidade com o Pai eterno.
15. Disse-lhes Jesus: E vós quem dizeis que eu sou?
16. Simão Pedro respondeu:Tu és o Cristo, o Filho de Deus vivo!
17. Jesus então lhe disse: Feliz és, Simão, filho de Jonas,
porque não foi a carne nem o sangue que te revelou isto, mas meu Pai que está nos céus.

Convicção e chaves. O que você faria se as tivesse? Não sei sua resposta. Mas sei que Jesus entregou duas coisas naquela hora a Pedro: a edificação da sua Igreja e as chaves que ele já tinha no início da obra. A entrega das chaves costuma ser a última coisa de uma edificação. Até o seu término ela está aberta a todos os trabalhadores e em fase de acabamento recebe tapumes. Suas portas e fechaduras costumam ser as últimas coisas.

Que obra diferente é a Igreja de Cristo. Não são as portas em função do edifício, mas o prédio que será construído em função da fechadura. Deverá ser planejada segundo a fechadura para a qual aquelas chaves servem. Não só abre e fecha, mas liga e desliga. E nós sabemos que na teologia católica o desligar ao qual Jesus se refere é desligar do poder do mal personificado em satanás.
18. E eu te declaro:  tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja;
as portas do inferno não prevalecerão contra ela.

As chaves podem desligar o mal. Será que entendi bem? “O que for ligado na terra será ligado no céu e o que for desligado na terra será desligado no céu.” Meu Deus, já vem me indagando, quanta confiança! Sei que ninguém erra em confiar, muito menos Deus. Mas não sei o que ocorre conosco que não temos sabido o que fazer com tanta confiança. Se me permitem continuar eu diria ou apelaria, até gritaria, se preciso fosse: USE AS CHAVES! Abra! Desligue! Pois sei que seria muito melhor que guardá-las como relíquia ou usá-las para fechar ou ligar algo ou alguém ao Mal. Pois se Nosso Senhor as abriu na ascensão, ele não daria as chaves para que trancássemos aquelas portas. Ainda mais, quem arriscaria fechar as portas que Deus abriu?
19. Eu te darei as chaves do Reino dos céus: tudo o que ligares na terra será ligado nos céus,
e tudo o que desligares na terra será desligado nos céus.


Que portas se abram para ti! Tenha uma boa semana e feliz festa de Pedro e Paulo, chaves e espada da Igreja!

Glória ao Pai e ao Filho e ao Espírito Santo...

28.06.2015
Pe. Adeilton Santana Nogueira

http://diariosergipano.com.br/site/2015/07/05/use-as-chaves/

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