Marcos 3,
20 – 35
Imagino as pessoas procurando Jesus. Elas gostavam de
ouvi-lo, Ele não era tradicionalista, suas palavras não eram comuns às dos
Mestres da Lei. Ele falava com autoridade, desde os doze anos que ensinava aos
anciãos no Templo, porém suas palavras não eram institucionais. Há uma novidade
no conteúdo e na forma de dizê-lo. Jesus era uma pessoa pública, as pessoas
gostavam de segui-lo. Mas publicidade e multidão não são o que procuram as
instituições? Por que muitos discursos religiosos não são procurados com a
mesma sede e admiração com que observamos nos evangelhos?
Jesus estava entre muitas pessoas no evangelho em questão,
acabara de pregar na praia, comprimido pela multidão, e libertar um possesso na
sinagoga de Cafarnaum. Essas coisas chamam a atenção. Autoridade na palavra e
convencimento num discurso não institucional, poder de milagres num tempo de
frieza espiritual e religião tolerante às autoridades e espoliações do império.
Surge um dissidente, um ninguém, nem sacerdote era, sua família não descendia
de Levi. Por que então pregava? Também não era fariseu ou intérprete da Lei? Qual
era o seu partido? Era Zelota? Não! Saduceu! Ele não tinha partido, nem
religioso nem político, porque seu coração não era partido. Ele mesmo se
repartiria em alimento verbo e alimento carne. Sabia muito bem o que podia dar às
pessoas que lhes fizesse uma humanidade melhor pela sua humildade.
O método de todo grupo ameaçado é desacreditar as pessoas
que lhes ameaçam a zona de conforto, o status
quo, a posição privilegiada em que se encontram e de onde tiram o seu
sustento. Os mestres da lei que tinham vindo de Jerusalém, estavam dizendo que
era por Belzebu e que pelo príncipe dos demônios é que Jesus expulsava os
demônios (Mc 3, 22). Os mestres da Lei! De Jerusalém! De onde pode vir o
descrédito senão do próprio grupo a pertence? Ou do grupo que se sente
ameaçado.
A resposta de Jesus é magistral. Não se defende, explica, pergunta.
“Pode Satanás expulsar Satanás?” (v. 23) e segue com a máxima que mais parece
um decreto de sentença. Uma sabedoria e uma denúncia ao mesmo tempo. É como um
aviso, inclusive, pois, “se um reino se divide contra si mesmo, ele não poderá
manter-se.” (v. 24) Meus irmãos e minhas irmãs, mas o que foi dizer Ele? Meu
Deus! Se ou quando, não importa, fato é que a divisão de dentro trará a
destruição inevitável à tona. Agora, diga-me, qual instituição ou grupo de
pessoas, família, partido ou religião, que se conhece nesta terra, não apresenta
sinais de divisão? Seja sincero e pense,
há alguma?
Em maior ou menor grau se constata cada vez mais sinais de
esfacelamento e desunião, mesmo nos grandes nomes. Os interesses pessoais
sobressaem aos do próprio juramento. E os sinais do esfacelamento se mostram
inclusive na força dos sacramentos. Não fosse o ex opera operato, a validade de ter sido celebrado legitimamente, o
ex opera operantis, a forma e a
pessoa que celebrou, não se sustentariam mais. Em muitos casos nem uma coisa
nem outro se mantém. Quantos fieis batizados existem confusos, batendo de porta
em porta, ainda procurando uma casa de Deus; quantas Confirmações crismais
esquecidas e não assumidas; quantos matrimônios desfeitos ‘não anulados’, recelebrados,
recém casados e bígamos; quantos fieis precisam crer mais que seus ministros! Quanta
confusão nas doutrinas e nos interesses, mesmo entre irmãos, dos leigos aos
ordenados, é destruição! Graças a Deus que supplet
ecclesia! (a Igreja supre na graça)
Parafraseando Jesus até uma família dividida será destruída.
Que força avassaladora é esta, a divisão, a discórdia, a calúnia? Que boca
maldita a daquele que blasfema pragueja, maldiz! Tem o poder de Satã, destruir.
Diabo de gente! Peço perdão! Não xinguei. É que diabo vem do grego dia+ballein, literalmente ‘lançar entre’,
criar atritos ou acusar. Por isso o acusador é o anjo decaído e o Defensor é Jesus
e o Espírito Santo. ‘Sem chance!’ como dizem por aí na gíria. Não a chances
para quem acusa inocentes. Outros paralelos giram em torno de símbolo, o que
une, e Goel, do hebraico, o defensor
da família. São imagens que merecem outro artigo.
No contexto acima vemos o quanto provoca Jesus tais
afirmações caluniosas sobre a sua pessoa e intenções por que está do lado do
povo e não das instituições corrompidas de sua época. Vê-se também por que é
pecado contra o Espírito Santo atribuir uma autoria malograda. Transferir a
origem da ação, mudar a sequência dos fatos, criar enredos, acusar pessoas,
fere antes de mais à verdade. Jesus é a verdade (Jo 14, 6), logo toda mentira
ou calúnia atinge a sua natureza divina. É imperdoável e se destruirá por si
mesma, não subsistirá nem se sustentará a mentira.
Este é outro contexto no qual Jesus apresentará outra máxima
sentencial. A estreia de sua mãe no evangelho de são Marcos é uma afirmação
exemplar. Jesus acaba de falar do risco da família divida e das pessoas que se
valem de mentiras para valorar sua prática e posições religiosas. Eis que entra
em cena aquela que soube amar um marido que nunca a desposou e a quem foi fiel
como mulher, sendo esposa de Deus, melhor, sendo cumpridora exímia da vontade
do Pai. Está em sua boca, nos evangelhos, a frase: “Eis aqui a serva do Senhor,
faça-se em mim segundo a sua vontade.” (Lc 1,38) Mas dessa vez a ouvimos de
Jesus.
Quando apresentam a Jesus a sua mãe e parentes ele se volta às
pessoas que, dúbias e tíbias, envenenavam-se das incertezas sobre Ele, lançadas
pelas autoridades religiosas, ainda que o admirassem. Creio que, naquele dilema
de credibilidade e na presença de sua mãe, Ele relembrou a história que ela,
com certeza, contara desde sua infância, de como o anjo Gabriel a tinha
encontrado e falado sobre sua maternidade divina e de como ela tinha acreditado
e se entregado, rendendo-se à vontade de Deus, como a única saída e fortaleza
para enfrentar todas as dificuldades que viriam para uma mulher judia, grávida
sem marido, sem casamento, sem idade, sem sustento, totalmente confiante em
Deus e não na própria família, nome ou reputação, tradições ou dogmas de sua
religião, que de maneira alguma confirmariam ser ela a eleita, a preferida,
entre todas escolhida. Quem a visse jamais diria que estava certa. Apenas ela,
neste mundo, sabia quem era: toda de Deus.
E sentença final vem como fruto de um processo de julgamento
público que vale para identificar a todos os que se dizem na verdade e de
verdade. “Aquele que faz a vontade de Deus, esse é meu irmão, minha irmã e
minha mãe.” (v. 35) Não são cargos ou diplomas, carimbos ou vestes, carros ou casas,
salários ou espólios. A identidade cristã é uma identidade de dentro para fora.
Há uma pergunta que sempre me ajudou nesta constatação e na decisão pela vontade
divina: JESUS FARIA ASSIM? Espero que também ajude o leitor a descobrir quando
algo ou alguém está ou não cumprindo a vontade de Deus. Tenha uma boa
meditação!
Glória ao Pai e ao Filho e ao Espírito Santo...
Excelente artigo reverendíssimo, realmente se perguntar:JESUS FARIA ASSIM?" ajuda bastante em nossas ações. Que Deus nos ajude a procurar fazer sempre a Sua e não a nossa vontade.
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