Mc 4,26-34
Sabe aquele adágio “se
quiser uma coisa bem feita faça você mesmo”? Pois é, acho que o profeta
Ezequiel já o conhecia. Algumas vezes usa uma forma parecida, como no caso do
‘eu mesmo’, quando quer indicar que Deus vai tomar as rédeas da situação, como
veremos a seguir. É um ditado controverso, porém se é Deus quem faz quem
desfaz?
Apesar de sempre refletir
sobre o evangelho do domingo, desta vez partirei da primeira leitura, ainda que
não o deixe de fora. Essa leitura é um excelente paralelo das comparações de
Jesus, no evangelho de Marcos, no capítulo quatro, e suas alegorias com o reino
de Deus. Em Ezequiel 17, assim diz o Senhor Deus: “Eu
mesmo tirarei um galho da copa do cedro, do mais alto dos seus ramos arrancarei
um broto, e o plantarei sobre um monte alto e elevado.” (v. 22) A citação
lembra outra decisão pessoal de Deus, também em Ezequiel: “Eu mesmo vou
pastorear o meu rebanho”. (Ez 34 ,11) As semelhanças aqui não se encontram
apenas na decisão de fazer pessoalmente algo que confiara aos seus ministros,
mas em se tratar do reino e seus súditos. Já refletimos sobre este último verso
no artigo ‘Pastoral e bondade’, agora vejamos o outro verso.
Acima indicamos que se trata das
metáforas do reino de Deus; vale então destacar algumas figuras. Notemos que o
oráculo diz ‘eu mesmo tirarei um galho da copa do cedro’. Porém, a muda do
cedro não se faz de seus ramos ou brotos, mas de seus frutos. O que pode
indicar, desta vez, com a intervenção de Deus, que o seu crescimento e
vitalidade não dependem do curso natural ou dos conhecimentos técnicos, mas de
quem o plantou. Até porque, mesmo que cresça, se não tiver sido o Pai quem a
plantou ela será arrancada. (Mt 15, 13) O cedro é uma árvore que pode
ultrapassar os 80 metros de altura; de madeira densa e leve, por isso se presta
a diversos tipos de trabalhos, arte e cosmética. É uma árvore frondosa e
generosa, o que contribui com o seu simbolismo bíblico.
Segundo o profeta, Deus planta cedros
em picos de montanha: “Eu o plantarei na alta montanha de Israel. Ele estenderá
seus galhos e dará fruto; tornar-se-á um cedro magnífico, onde aninharão aves
de toda espécie, instaladas à sombra de sua ramagem.” (Ez 17, 23) Quando é Deus
quem semeia uma árvore, ela pode chegar a fazer sombra até a uma montanha, mesmo
com pouca água e pouco oxigênio. Já na hortaliça da mostarda de Jesus (Mt 4,
31), mesmo a menor delas é semelhante aos mais altos cedros. Assim é o reino de
Deus, cresce por dependência direta de quem lhe garante o cultivo e a
vitalidade. Portanto, a confiança dos servos deve estar no Agricultor. É Ele o
dono de tudo, tudo depende dEle. O nosso ofício também é fazer tudo depender
dEle.
Servos e plantas, pastores e rebanho,
segundo o profeta Ezequiel, têm uma lição a aprender. “Então todas as árvores
dos campos saberão que sou eu, o Senhor, que abate a árvore soberba, e exalta o
humilde arbusto, que seca a árvore verde, e faz florescer a árvore seca. Eu, o
Senhor, o disse, e o farei.” (Ez 17, 24) O trabalho pastoral, tem um mérito e
fadiga que não são nossos, em primeira ordem. Foram tomados de nossas mãos pelo
modo desonesto e prepotente como tratamos as coisas de Deus. Foi-nos dado, e
pode ser tirado. O que não pode é prejudicar a plantação. Nem erva daninha, nem
árvore sem fruto, nem árvore clandestina, nenhuma praga prejudicará a colheita.
O reino de Deus é comparado a situações
que têm seu progresso por si mesmas. O nosso Deus vai além das estratégias mais
comuns. Qual o líder que abateria o subalterno altaneiro ou exaltaria o servo
mirrado, trocaria uma árvore verdosa e preferiria uma seca? Na mesma linha poderíamos
perguntar quem confiaria a bolsa a um ladrão (Jo 12, 6) ou a sucessão a um
covarde? (Cf. Mt 26, 73-75) É preciso ver além das aparências. Quem conhece os corações
tão bem que seja capaz de enxergar as intenções ao fundo? Não raro nos
enganamos uns com os outros, e uns aos outros. Eis um dilema crucial na vida
pastoral que tem prejudicado em muito o crescimento da comunidade. Que coisa
traiçoeira é achar que todo crescimento vem de Deus, que todo sucesso é vitória
e que todo fruto é espiritual. Que grande engano é achar que árvores rebaixadas
não serão elevadas ou árvores secas jamais brotarão. Que desgraça é acomodar-se
nas aparências!
O reino de Deus é um governo
surpreendente. Reino se refere a Estado e governo, e ao seu povo. Não nos
enganemos irmãos, que o reino dos céus seja apenas as realidades últimas e
novíssimas da vida espiritual. A teologia tem uma expressão muito feliz para
esta tensão na vida cristã: ‘já, mas não ainda’. Fato é que ele já começou e
rezamos para que “seja assim na terra como no céu” (Cf. Mt 6, 9-13). Porém
muito cuidado, pois, se o mesmo vale para os outros destinos, estamos definindo
na terra a vida após a morte, ou seja, o modo como vivemos aqui define como viveremos
lá.
Sem esperança; sem a quietude da
passividade mística em aguardar as demoras de Deus; sem oração profunda e
continuada, prolongada; sem vida espiritual; “sem fé é impossível agradar a
Deus” (Hb 11 6), visto que andamos por fé e não pelo que vemos (2 Cor 5, 7). O
súdito do reino de Deus é uma pessoa servil e ordeira que pisa este chão, mas
sua pátria e bandeira, seu coração, estão nas alturas a todo o momento (Cf. Col
3, 2). O seu pouso e ninho são altos, na solidão da vida de oração. “E só lhes
falava por meio de parábolas, mas, quando estava sozinho com os discípulos,
explicava tudo.” (Mt 4, 34) Quando estivermos a sós com Ele poderemos entender
como, em sua divina providência, tem governado a nossa vida e continuará dando
o crescimento de tudo aquilo que semeou. Tenha uma boa semana, e confie na
divina providência!
Glória ao Pai e ao Filho e ao Espírito Santo...
14.06.2015
Pe. Adeilton Santana Nogueira
Pe. Adeilton Santana Nogueira
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