domingo, 14 de junho de 2015

Um galho da copa do cedro

Mc 4,26-34

Sabe aquele adágio “se quiser uma coisa bem feita faça você mesmo”? Pois é, acho que o profeta Ezequiel já o conhecia. Algumas vezes usa uma forma parecida, como no caso do ‘eu mesmo’, quando quer indicar que Deus vai tomar as rédeas da situação, como veremos a seguir. É um ditado controverso, porém se é Deus quem faz quem desfaz?

Apesar de sempre refletir sobre o evangelho do domingo, desta vez partirei da primeira leitura, ainda que não o deixe de fora. Essa leitura é um excelente paralelo das comparações de Jesus, no evangelho de Marcos, no capítulo quatro, e suas alegorias com o reino de Deus. Em Ezequiel 17, assim diz o Senhor Deus: “Eu mesmo tirarei um galho da copa do cedro, do mais alto dos seus ramos arrancarei um broto, e o plantarei sobre um monte alto e elevado.” (v. 22) A citação lembra outra decisão pessoal de Deus, também em Ezequiel: “Eu mesmo vou pastorear o meu rebanho”. (Ez 34 ,11) As semelhanças aqui não se encontram apenas na decisão de fazer pessoalmente algo que confiara aos seus ministros, mas em se tratar do reino e seus súditos. Já refletimos sobre este último verso no artigo ‘Pastoral e bondade’, agora vejamos o outro verso.

Acima indicamos que se trata das metáforas do reino de Deus; vale então destacar algumas figuras. Notemos que o oráculo diz ‘eu mesmo tirarei um galho da copa do cedro’. Porém, a muda do cedro não se faz de seus ramos ou brotos, mas de seus frutos. O que pode indicar, desta vez, com a intervenção de Deus, que o seu crescimento e vitalidade não dependem do curso natural ou dos conhecimentos técnicos, mas de quem o plantou. Até porque, mesmo que cresça, se não tiver sido o Pai quem a plantou ela será arrancada. (Mt 15, 13) O cedro é uma árvore que pode ultrapassar os 80 metros de altura; de madeira densa e leve, por isso se presta a diversos tipos de trabalhos, arte e cosmética. É uma árvore frondosa e generosa, o que contribui com o seu simbolismo bíblico.

Segundo o profeta, Deus planta cedros em picos de montanha: Eu o plantarei na alta montanha de Israel. Ele estenderá seus galhos e dará fruto; tornar-se-á um cedro magnífico, onde aninharão aves de toda espécie, instaladas à sombra de sua ramagem.” (Ez 17, 23) Quando é Deus quem semeia uma árvore, ela pode chegar a fazer sombra até a uma montanha, mesmo com pouca água e pouco oxigênio. Já na hortaliça da mostarda de Jesus (Mt 4, 31), mesmo a menor delas é semelhante aos mais altos cedros. Assim é o reino de Deus, cresce por dependência direta de quem lhe garante o cultivo e a vitalidade. Portanto, a confiança dos servos deve estar no Agricultor. É Ele o dono de tudo, tudo depende dEle. O nosso ofício também é fazer tudo depender dEle.

Servos e plantas, pastores e rebanho, segundo o profeta Ezequiel, têm uma lição a aprender. “Então todas as árvores dos campos saberão que sou eu, o Senhor, que abate a árvore soberba, e exalta o humilde arbusto, que seca a árvore verde, e faz florescer a árvore seca. Eu, o Senhor, o disse, e o farei.” (Ez 17, 24) O trabalho pastoral, tem um mérito e fadiga que não são nossos, em primeira ordem. Foram tomados de nossas mãos pelo modo desonesto e prepotente como tratamos as coisas de Deus. Foi-nos dado, e pode ser tirado. O que não pode é prejudicar a plantação. Nem erva daninha, nem árvore sem fruto, nem árvore clandestina, nenhuma praga prejudicará a colheita.

O reino de Deus é comparado a situações que têm seu progresso por si mesmas. O nosso Deus vai além das estratégias mais comuns. Qual o líder que abateria o subalterno altaneiro ou exaltaria o servo mirrado, trocaria uma árvore verdosa e preferiria uma seca? Na mesma linha poderíamos perguntar quem confiaria a bolsa a um ladrão (Jo 12, 6) ou a sucessão a um covarde? (Cf. Mt 26, 73-75) É preciso ver além das aparências. Quem conhece os corações tão bem que seja capaz de enxergar as intenções ao fundo? Não raro nos enganamos uns com os outros, e uns aos outros. Eis um dilema crucial na vida pastoral que tem prejudicado em muito o crescimento da comunidade. Que coisa traiçoeira é achar que todo crescimento vem de Deus, que todo sucesso é vitória e que todo fruto é espiritual. Que grande engano é achar que árvores rebaixadas não serão elevadas ou árvores secas jamais brotarão. Que desgraça é acomodar-se nas aparências!

O reino de Deus é um governo surpreendente. Reino se refere a Estado e governo, e ao seu povo. Não nos enganemos irmãos, que o reino dos céus seja apenas as realidades últimas e novíssimas da vida espiritual. A teologia tem uma expressão muito feliz para esta tensão na vida cristã: ‘já, mas não ainda’. Fato é que ele já começou e rezamos para que “seja assim na terra como no céu” (Cf. Mt 6, 9-13). Porém muito cuidado, pois, se o mesmo vale para os outros destinos, estamos definindo na terra a vida após a morte, ou seja, o modo como vivemos aqui define como viveremos lá.


Sem esperança; sem a quietude da passividade mística em aguardar as demoras de Deus; sem oração profunda e continuada, prolongada; sem vida espiritual; “sem fé é impossível agradar a Deus” (Hb 11 6), visto que andamos por fé e não pelo que vemos (2 Cor 5, 7). O súdito do reino de Deus é uma pessoa servil e ordeira que pisa este chão, mas sua pátria e bandeira, seu coração, estão nas alturas a todo o momento (Cf. Col 3, 2). O seu pouso e ninho são altos, na solidão da vida de oração. “E só lhes falava por meio de parábolas, mas, quando estava sozinho com os discípulos, explicava tudo.” (Mt 4, 34) Quando estivermos a sós com Ele poderemos entender como, em sua divina providência, tem governado a nossa vida e continuará dando o crescimento de tudo aquilo que semeou. Tenha uma boa semana, e confie na divina providência!

Glória ao Pai e ao Filho e ao Espírito Santo...
14.06.2015
Pe. Adeilton Santana Nogueira

Nenhum comentário:

Postar um comentário