domingo, 25 de outubro de 2015

“O ESSENCIAL É INVISÍVEL AOS OLHOS”

Mc 10, 46 – 52

A cada passagem do evangelho somos mergulhados no contexto em que a mensagem e a vida de Jesus se inseriram. Assim podemos experimentar um pouco do que viram, ouviram e sentiram os que O seguiam. De minha parte creio que estou numa terceira viagem com Ele. Já O segui acompanhando os outros, observava sem conhecê-Lo pessoalmente; já O vi de perto e O segui lado a lado. Hoje tento aproximar outros para também vê-Lo ao lado, sem possessividade, exclusivismo ou ufanação. Acho que passei por essas fases!

Continuo a caminhada tentando olhar para os que não acompanham o nosso ritmo:Aqueles que se afastam ou foram afastados, aqueles que dão passos lentos na fé e na moral. Penso que esses precisam ser ajudados. Percebo que, se há muito que ver em Jesus, há muito no que ver também naqueles que não O enxergam. Nem todos não O veem por que não O queiram. Há alguns impedidos pela massa dos próprios discípulos. Imagino uma grande peregrinação em que os últimos também são devotos. Talvez cheguem após os rituais comunitários, mas quem pode negar que não prestaram culto ao seu padroeiro?

Tenho pensado muito nos gestos provocativos de Jesus. Ele tem demonstrado aos discípulos, nesses textos de São Marcos, que no Seu caminho há muita gente à margem de Israel (a religião) e de Roma (o governo) e, portanto, dos discípulos. Não somos atores no palco da sociedade. O ser humano, ainda que desempenhe papeis, é a mesma pessoa interior. Jesus está reconciliando e equilibrando a humanidade dividida, inclusive em si mesma. As pessoas, dentro ou fora das igrejas, no trato com os seus semelhantes, estão sendo elas mesmas. A máscara, símbolo do teatro, quem sabe, esteja mal usada!

O palco da cena se dá em Jericó, uma das cidades mais antigas que se tem conhecimento. Quando estive lá, em novembro de 2008, ouvi dizer que possuía mais de 11.000 anos. Portanto, a cidade mais antiga ainda existente. Segundo a Tradição, foi à sua volta que o diabo levou Jesus para a tentação do poder (Mt 4, 8 – 9). Jesus conhecia bem as suas ruas e mazelas. Jericó desde cedo atraiu e encantou as pessoas, mas o que chama a atenção de Jesus não são as suas riquezas, mas as suas dores.

46 Jesus saiu de Jericó junto com seus discípulos e uma grande multidão.
O filho de Timeu, Bartolomeu, cego e mendigo, estava sentado à beira do caminho.

Este cego tem pai, mas é mendigo. Será que é filho unigênito de pais falecidos, um órfão ou um abandonado? Se o nome do pai é conhecido ele já foi alguém. Centros comerciais e riquezas temporais têm altos e baixos. A dita ‘maldição’ da cegueira vendou mais os olhos dos concidadãos, irmãos na fé, que dos próprios cegos. Se não tirarmos os tampões e travas dos nossos olhos também não enxergaremos quem está à beira da estrada que escolhemos trilhar (Cf. Mt 7, 5).

47 Quando ouviu dizer que Jesus, o nazareno,estava passando, começou a gritar:
“Jesus, filho de David, tem piedade de mim!”
48 Muitos o repreendiam para que se calasse. Mas ele gritava mais ainda:
“Filho de David, tem piedade de mim!”

Gritam as pessoas e grita o cego. Uns gritam com os outros. Mas por que queriam que ele se calasse? Acaso atrapalhava ouvirem Jesus? Ou ecoa em seus ouvidos um clamor rotineiro calado ao longo da construção da cidade? Escravidão, mortes ou impostos, inúmeras são as situações que gritam injustiça, na eloquência do sangue de Abel (Cf. Hb 12, 24). A personalidade forte, livre e esperançosa de Bartimeu não se deixa intimidar e faz escândalo; grita ainda mais alto, porque não grita com as pessoas; clama para ser ouvido por Jesus.

49 Então Jesus parou e disse: “Chamai-o”...

Não sei se foram as mesmas pessoas que o mandavam calar, mas dessa vez os que foram ao cego mudaram o discurso: “Coragem, levanta-te, Jesus te chama!” O bom de tudo isso é que sempre haverá alguém que se importa e que faz a coisa certa. Quem clama por ajuda precisa de quem ajude, ainda que seja ‘apenas’ levando a Jesus. Ignorar quem sofre pode ser uma das piores atitudes de uma pessoa que se diga de religião, vejamos o exemplo do Bom Samaritano (Lc 10, 30 – 37).

50 O cego jogou o manto, deu um pulo e foi até Jesus. 51 Então Jesus lhe perguntou:
“O que queres que eu te faça?” O cego respondeu: “Mestre, que eu veja!”
52 Jesus disse: “Vai, a tua fé te curou”.
No mesmo instante, ele recuperou a vista e seguia Jesus pelo caminho.

Embora esse encontro seja antecedido de um chamado de Jesus, não se trata aqui de uma vocação especial, mas universal. Quem vai a Ele escuta algo como: “do que precisas?”. Em geral, quase toda oração é de petições. Ao que me parece, a novidade aqui está na resposta do cego: “que eu veja!” parecem obvias, pergunta e resposta, mas quantos sabem pedir exatamente o que precisam? Quando não, pedimos e achamos que precisamos de tanta coisa que o essencial realmente fica invisível aos olhos, se me permitem a paráfrase com o que disse a raposa ao pequeno príncipe.

Penso que os longos anos de cegueira ajudaram Bartimeu a enxergar além dos olhos; a ouvir mais e a prestar a atenção no que não via; a ser mais cauteloso com as palavras, porém, com uma língua mais solta e adestrada, mais incisiva e afiada, ao menos desta vez convenceu Jesus. Bartimeu se tornou um homem discreto, invisível, mas presente. Foi capaz de perceber que Jesus estava perto. Sua fraqueza aparente e estranheza da comunidade lhe conferiram capacidades e possibilidades que o habilitaram ao seguimento do Mestre.

De fato, cada um deixa o tudo que possui (Cf. Mc 10, 21). O cego só possuía o manto. Era sua casula; sua pequena casa, sua proteção no frio da noite e sua sombra no sol escaldante do dia. Era sua sobrepeliz, sua outra pele, pois o encobria de cima a baixo e o tornava reconhecível à distância. Era o seu hábito de monge, porque o isolava na clausura do anonimato e da invisibilidade entre os irmãos. Mas essa veste virou fantasia no teatro daquela cidade. O salto que deu deixou sua antiga vida no chão e virou passado. Somente agora ele vê, não precisa mais se esconder.

Desejo a todos uma semana abençoada, de encontro com Jesus e de descoberta do que é mesmo essencial aos que creem.

Glória ao Pai e ao Filho e ao Espírito Santo...

Tobias Barreto – SE, 25.10.2015

Pe. Adeilton Santana Nogueira

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