Mc 10, 46 – 52
A cada passagem do evangelho somos mergulhados no
contexto em que a mensagem e a vida de Jesus se inseriram. Assim podemos experimentar
um pouco do que viram, ouviram e sentiram os que O seguiam. De minha parte
creio que estou numa terceira viagem com Ele. Já O segui acompanhando os
outros, observava sem conhecê-Lo pessoalmente; já O vi de perto e O segui lado
a lado. Hoje tento aproximar outros para também vê-Lo ao lado, sem
possessividade, exclusivismo ou ufanação. Acho que passei por essas fases!
Continuo a caminhada tentando olhar para os que não
acompanham o nosso ritmo:Aqueles que se afastam ou foram afastados, aqueles que
dão passos lentos na fé e na moral. Penso que esses precisam ser ajudados. Percebo
que, se há muito que ver em Jesus, há muito no que ver também naqueles que não O
enxergam. Nem todos não O veem por que não O queiram. Há alguns impedidos pela
massa dos próprios discípulos. Imagino uma grande peregrinação em que os
últimos também são devotos. Talvez cheguem após os rituais comunitários, mas
quem pode negar que não prestaram culto ao seu padroeiro?
Tenho pensado muito nos gestos provocativos de Jesus.
Ele tem demonstrado aos discípulos, nesses textos de São Marcos, que no Seu caminho
há muita gente à margem de Israel (a religião) e de Roma (o governo) e,
portanto, dos discípulos. Não somos atores no palco da sociedade. O ser humano,
ainda que desempenhe papeis, é a mesma pessoa interior. Jesus está
reconciliando e equilibrando a humanidade dividida, inclusive em si mesma. As
pessoas, dentro ou fora das igrejas, no trato com os seus semelhantes, estão
sendo elas mesmas. A máscara, símbolo do teatro, quem sabe, esteja mal usada!
O palco da cena se dá em Jericó, uma das cidades mais
antigas que se tem conhecimento. Quando estive lá, em novembro de 2008, ouvi
dizer que possuía mais de 11.000 anos. Portanto, a cidade mais antiga ainda
existente. Segundo a Tradição, foi à sua volta que o diabo levou Jesus para a
tentação do poder (Mt 4, 8 – 9). Jesus conhecia bem as suas ruas e mazelas.
Jericó desde cedo atraiu e encantou as pessoas, mas o que chama a atenção de
Jesus não são as suas riquezas, mas as suas dores.
46 Jesus saiu de Jericó junto com seus discípulos e uma
grande multidão.
O filho de Timeu, Bartolomeu, cego e mendigo, estava sentado
à beira do caminho.
Este cego tem pai, mas é mendigo. Será que é filho
unigênito de pais falecidos, um órfão ou um abandonado? Se o nome do pai é
conhecido ele já foi alguém. Centros comerciais e riquezas temporais têm altos
e baixos. A dita ‘maldição’ da cegueira vendou mais os olhos dos concidadãos,
irmãos na fé, que dos próprios cegos. Se não tirarmos os tampões e travas dos
nossos olhos também não enxergaremos quem está à beira da estrada que escolhemos
trilhar (Cf. Mt 7, 5).
47 Quando ouviu dizer que Jesus, o nazareno,estava passando,
começou a gritar:
“Jesus, filho de David, tem piedade de mim!”
48 Muitos o repreendiam para que se calasse. Mas ele gritava
mais ainda:
“Filho de David, tem piedade de mim!”
Gritam as pessoas e grita o
cego. Uns gritam com os outros. Mas por que queriam que ele se calasse? Acaso
atrapalhava ouvirem Jesus? Ou ecoa em seus ouvidos um clamor rotineiro calado
ao longo da construção da cidade? Escravidão, mortes ou impostos, inúmeras são
as situações que gritam injustiça, na eloquência do sangue de Abel (Cf. Hb 12,
24). A personalidade forte, livre e esperançosa de Bartimeu não se deixa
intimidar e faz escândalo; grita ainda mais alto, porque não grita com as
pessoas; clama para ser ouvido por Jesus.
49 Então Jesus parou e disse: “Chamai-o”...
Não sei se foram as mesmas
pessoas que o mandavam calar, mas dessa vez os que foram ao cego mudaram o
discurso: “Coragem, levanta-te, Jesus te chama!” O bom de tudo isso é que
sempre haverá alguém que se importa e que faz a coisa certa. Quem clama por
ajuda precisa de quem ajude, ainda que seja ‘apenas’ levando a Jesus. Ignorar
quem sofre pode ser uma das piores atitudes de uma pessoa que se diga de
religião, vejamos o exemplo do Bom Samaritano (Lc 10, 30 – 37).
50 O cego jogou o manto, deu um pulo e foi até Jesus. 51
Então Jesus lhe perguntou:
“O que queres que eu te faça?” O cego respondeu: “Mestre, que
eu veja!”
52 Jesus disse: “Vai, a tua fé te curou”.
No mesmo instante, ele recuperou a vista e seguia Jesus pelo
caminho.
Embora esse encontro seja antecedido de um chamado de
Jesus, não se trata aqui de uma vocação especial, mas universal. Quem vai a Ele
escuta algo como: “do que precisas?”. Em geral, quase toda oração é de
petições. Ao que me parece, a novidade aqui está na resposta do cego: “que eu
veja!” parecem obvias, pergunta e resposta, mas quantos sabem pedir exatamente
o que precisam? Quando não, pedimos e achamos que precisamos de tanta coisa que
o essencial realmente fica invisível aos olhos, se me permitem a paráfrase com
o que disse a raposa ao pequeno príncipe.
Penso que os longos anos de cegueira ajudaram Bartimeu
a enxergar além dos olhos; a ouvir mais e a prestar a atenção no que não via; a
ser mais cauteloso com as palavras, porém, com uma língua mais solta e
adestrada, mais incisiva e afiada, ao menos desta vez convenceu Jesus. Bartimeu
se tornou um homem discreto, invisível, mas presente. Foi capaz de perceber que
Jesus estava perto. Sua fraqueza aparente e estranheza da comunidade lhe conferiram
capacidades e possibilidades que o habilitaram ao seguimento do Mestre.
De fato, cada um deixa o tudo que possui (Cf. Mc 10,
21). O cego só possuía o manto. Era sua casula; sua pequena casa, sua proteção
no frio da noite e sua sombra no sol escaldante do dia. Era sua sobrepeliz, sua
outra pele, pois o encobria de cima a baixo e o tornava reconhecível à
distância. Era o seu hábito de monge, porque o isolava na clausura do anonimato
e da invisibilidade entre os irmãos. Mas essa veste virou fantasia no teatro
daquela cidade. O salto que deu deixou sua antiga vida no chão e virou passado.
Somente agora ele vê, não precisa mais se esconder.
Desejo a todos uma semana abençoada, de encontro com
Jesus e de descoberta do que é mesmo essencial aos que creem.
Glória ao
Pai e ao Filho e ao Espírito Santo...
Tobias Barreto – SE, 25.10.2015
Pe. Adeilton Santana Nogueira
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