Mc 10, 35 – 45
A carreira cristã é tão promissora por si mesma que
não precisaria de competições, a não ser aquela da pratica do bem. Vejamos quem
faz o melhor ao seu semelhante, sem olhar a quem, sem alardes, sem
merchandising, sem que a mão esquerda o saiba (Cf. Mt 6, 3).
Se o bem cristão, que é feito ao semelhante, vênia ao
bom samaritano, não é algo do que ostentar-se imagine o bem a si mesmo! Seguir
a Cristo para ufanar-se da condição de discípulo, ou das facilidades sociais da
fé em comunidade, ou mesmo usar da piedade alheia, da credulidade ingênua de
algum fiel, para privilégios e vantagens frente aos menos favorecidos não seria
incorrer nesta perícope?
Acredito que aqui também se enquadre uma reflexão
sobre as vantagens sociais e políticas na comunidade, as facilitações perante
as necessidades pessoais ou institucionais, desde que se busque o mérito do
título e a exaltação do ser de Cristo, como se fosse algo do que tirar
vantagens. Nós mascaramos demais nossa autoridade religiosa perante a sociedade
encurtando caminhos burocráticos, gastando nomes e comprometendo pessoas. O
tirânico de tudo isso ainda reside no fato de, posteriormente, ainda assim nos
apresentarmos inimputáveis e livres de qualquer demérito. Aqueles que nos fazem
favores ainda escutam nossos sermões ‘proféticos’ e ‘imparciais’ sobre
corrupção, cumplicidade e obscuridade econômica.
35 Tiago e João, filhos de Zebedeu, foram a Jesus e lhe
disseram: “Mestre, queremos que faças por nós o que vamos pedir”. 36 Ele
perguntou: “O que quereis que eu vos faça?” 37 Eles responderam: Deixa-nos
sentar um à tua direita e outro à tua esquerda, quando estiveres na tua
glória!”
Esta situação é deveras curiosa. Não temos como saber
a real intenção desses apóstolos. Até aqui Jesus não os critica. Apenas os questionará
sobre essa possibilidade. Esse pedido pode estar carregado de um zelo e amor em
codividir o peso da responsabilidade em solidariedade ao que veem Ele passar.
Por isso a assertiva da resposta: “Vós não sabeis o que pedis. Por acaso podeis
beber o cálice que eu vou beber? Podeis ser batizados com o batismo com que eu
devo ser batizado?” Jesus questiona se estão de fato dispostos às consequências
de um tal pedido.
Em agosto de 2004, quando estive no interior da Basílica
de S. João do Latrão, em Roma, tive a sorte de conhecer uma freira brasileira que
me mostrou a caixa onde está a túnica de S. João apóstolo. Ela falava dele como
mártir, pois tinha sido fervido em azeite, de onde saiu ileso. Porém permaneceria
na ilha-prisão de Patmos, na Grécia, onde escreveu o seu evangelho e o
Apocalipse. Segundo ela S. João terminara seus dias muito respeitado pelos
demais presidiários, inclusive pelos soldados.
Já o seu irmão, Tiago Maior, não teve a mesma sorte.
Por volta do o ano 44, sendo o primeiro bispo de Jerusalém, foi perseguido e
acusado de ser cristão. Seu acusador se converte diante do seu testemunho, o
que o leva à decapitação, sob o governo de Herodes Agripa I, amigo do imperador Calígula.
Estes são relatos de como o cálice de Cristo
transborda e é derramado (Mt 26, 28); uma vez batizado nas águas no Jordão, Cristo
ainda receberia outro batismo para unir a si aqueles que sem as águas se
purificariam no ritual incruento do martírio, em rios de sangue. É por isso que
esses apóstolos responderão: “Podemos.” Referindo-se à mesma sorte do seu
mestre. E sem demora Jesus lhes confirma tal sorte: “Vós bebereis o cálice que
eu devo beber, e sereis batizados com o batismo que eu devo ser batizado.”
Notemos, todavia, que isto ainda não diz respeito ao tão almejado lugar.
40 Mas não depende de mim conceder o lugar à minha direita ou
à minha esquerda. É para aqueles a quem foi reservado”. 41 Quando os outros dez
discípulos ouviram isso, indignaram-se com Tiago e João.
Agora sim vemos de onde, provavelmente, partem as
contendas. Os dois apóstolos não estavam, talvez, querendo ser ‘maiores’, porém
os demais assim entenderam e já partiram para os rumores, não raros, de quais
seriam os maiores e preferidos de Jesus. Cenas como estas não nos deixam nem
mesmo na família. Sempre haverá alguém se menosprezando e outrem se
vangloriando.
Arriscaria em dizer que os dez também não estão de
todo errados. Expressam seus temores e a incoerência da proposta em antecipar o
juízo final, em definir as escolhas de Deus, em incluir-se entre os eleitos,
escolher-se e negligenciar os demais. O auto empavonamento é uma constante cada
vez mais frequente em muitos grupos populares.
Não sei o que ocorre para virar tendência, subir pra
cabeça, como dizem, a fama, mesmo entre os de religião. Parece que não leram o
batista ao dizer: “É necessário que Cristo cresça e eu diminua.” (Jo 3, 30)
Alguns de nós fazemos justamente o contrário: ‘Quanto mais eu aparecer melhor!’
Já vi até tirarem os sinais cristãos para estamparem a própria face. Quem sabe
um dia entenderão e se deixarão também crucificar!
42 Jesus chamou os doze e disse: “Vós sabeis que os chefes
das nações as oprimem e os grandes as tiranizam. 43 Mas, entre vós, não deve
ser assim: quem quiser ser grande, seja vosso servo; 44 e quem quiser ser o
primeiro, seja o escravo de todos. 45 Porque o Filho do Homem não veio para ser
servido, mas para servir e dar a sua vida como resgate para muitos”.
Jesus é mestre em sair de dilemas. Sem acusá-los lhes
chama a atenção e orienta. Assim fazem os verdadeiros sábios: em contendas
primam pela concórdia. Eis uma solução tão simples ao problema das disputas
entre nós: “... entre vós não deve ser assim.” É um conselho deveras tenro e
carinhoso. Como dizem os pais: ‘Filho, não faça isso! Não seja assim!’ Em
outras palavras, não podemos agir em casa como se fôssemos da rua,
desconhecidos e competitivos por espaço e atenção, sedentos e carentes ao extremo
de pisarmos uns nos outros.
Opressão e tirania, segundo o evangelho, é uma atitude
dos chefes das nações e dos grandes. Claro que não necessariamente apenas dos
‘políticos’, mas de todos quais ponham seus cargos na frente de suas atitudes.
Não fica difícil de saber com quem estamos lidando e quais as suas intenções.
Basta perceber se serve a todos ou se escolhe a quem serve; ou se tem
dificuldades em ceder o lugar a quem vem depois. O desapego de si é a riqueza
do evangelho e o apego é a pobreza do cristão.
Faz carreira na religião quem sobe na identificação ao
seu mestre, quem usa do seu conhecimento para saber mais do que Ele disse. Faz
carreira religiosa quem soma títulos e bens e se distancia cada vez mais dos
seus iguais, usando de sua autoridade para facultar o ofício que lhe é próprio.
Mandar fazer é uma das características mais comuns em quem não se sente
solidário. É mais cômodo esconder-se das obrigações e cobrar de quem não fez.
Os tiranos findam tendo um destino semelhante ao dos heróis: uma vida
sacrificada. Porém com a tênue diferença entre a vida entregue e a vida negada.
Não sejamos tiranos opressores, lideres ou servos
preguiçosos. Façamos carreira em Cristo, pois só nEle vale crescer. Tenha uma
excelente semana e seja mais, seja melhor, seja menor, dê a vez!
Glória ao
Pai e ao Filho e ao Espírito Santo...
Barra dos Coqueiros – SE, 18.10.2015
Nenhum comentário:
Postar um comentário