terça-feira, 2 de fevereiro de 2016

03. O DASEIN E A INTERPRETAÇÃO PESSOAL


Já vimos no artigo anterior que Dasein é expressão alemã, em Heidegger, para designar o SER-AÍ, em sua existência e presença situada; um palavra-síntese que expressa a importância da existência como presença significante, percebida. A filosofia de Martin Heidegger pretende compreender o Ser e levantar-lhe questionamentos. Daí porque é tão importante preferir o conceito de Ser ao de Ente, em particular. O Ser-Aí (Dasein) tem a sua compreensão do Ser (Seinsverständnis) tão particular que será sempre sua (Jemeinigkeit). Vejamos então estes termos do vocabulário heidegueriano.

A COMPREENSÃO DO SER
Logo no começo de seu livro, Ser e Tempo, Heidegger se detém na questão do Ser, que se coloca àquele Ente privilegiado que é capaz de questionar o Ser. Cada Ser-Aí possui uma “compreensão do Ser”, que ele chama de Seinsverständnis. Heidegger apresenta este ente que pode compreender o Ser: o homem. Por isso o chama de "ser-aí" – Dasein – o homem enquanto um ente que existe imediatamente em um mundo e é capaz de entendê-lo e lhe dar sentido (§4).

Por meio do termo Dasein, que define o ponto de partida do seu modo de analisar a existência dos seres, o filósofo pretende ultrapassar a separação entre sujeito e objeto, que ele considera uma herança prejudicial da filosofia moderna, na compreensão do que ou quem seja o homem. Dasein é, portanto, o homem na medida em que existe na existência cotidiana, no dia-a-dia junto aos outros homens, em seus afazeres e preocupações.

Para entender o Dasein, o homem em sua presença, enquanto possui sempre uma compreensão de ser, impõe-se uma analítica existencial, que tem como tarefa explorar a conexão das estruturas que definem a existência do Dasein, a saber, os existenciais. Ser e existir vão se completando em sentidos que definem as pessoas e as coisas. Há um método que ajuda nessa tarefa de descoberta e interpretação: o método da analítica existencial. Ele é buscado tanto na fenomenologia, que analisa os fenômenos (as coisas enquanto acontecem), quanto na hermenêutica (que interpreta o sentido delas), de modo que este método se chama fenomenológico-hermenêutico (idem, §7). O ponto de partida é a própria manifestação do Dasein, ele mesmo em sua existência que, por sua vez, tem de ser interpretada de dentro para fora em suas principais estruturas ontológicas (ente e ser) que a definem e que permitem a colocação da questão do Ser.

A questão do Ser do Dasein é investigada tanto segundo a fenomenologia, do "ir às coisas nelas mesmas" [zu den Sachen selbst], a coisa enquanto tal, como se manifesta e se dá a conhecer, quanto na hermenêutica, da "interpretação no horizonte da compreensão", daquilo que se pode compreender.

Por meio da existência do homem, Heidegger apresenta uma abertura até o Ser e, para isso, recorre a uma linguagem nova. Dasein são duas palavras em uma: “da” que significa ‘aí’ + “sein” que significa ‘ser’, ou seja, a existência enquanto ‘ser que está aí’, sintetizado por SER-AÍ, entendido como presença situada. A pessoa quando sai da hipnose que o aliena e cega do mundo à sua volta e lhe faz agente, atuante e consciente, responsável pela significação das coisas.

Nesta investigação, segundo este método, a existência que se manifesta ao Dasein é sempre primeiramente ligada a ele mesmo, à sua compreensão que se coloca para o ser-aí antes de qualquer teorização. Heidegger nega a ideia de que, em filosofia, seja necessário estabelecer princípios como a base inabalável de um sistema filosófico. Ao contrário, ele está empenhado em pesquisar como ocorre a primeira e mais original compreensão do homem em sua existência mesma, antes das teorizações. A teoria sempre chega depois da consciência do homem e daquilo que se revelou ele na sua existência.

O SEMPRE MEU
A fidelidade à análise existencial tem de partir, do ser que é sempre dono de sua existência –Jemeinigkeit (“o sempre meu”), outra palavra original que designa aquilo que pertence apenas a si mesmo, e de não se acomodar previamente numa teoria que explique de fora o que é a existência humana. O ponto de partida, portanto, é duplo: tanto o ser-aí quanto a compreensão imediata que ele mesmo tem do ser em sua existência, as quais precedem toda a atividade científica e de saber.

Em suma, o Ser-Aí é imediatamente o homem e o mundo ao mesmo tempo, em sua realidade finita imediata, entregue ao seu destino. Desse modo, o homem também não é uma mera coisa que reside inerte em um mundo de necessidades; pelo contrário, na medida em que compreende o Ser, o homem se coloca no campo da possibilidade, da transcendência e elabora as possibilidades de sua existência.

No próximo texto veremos o alerta do filósofo às interpretações pré-fabricadas, sem considerar este homem localizado que se dá conta do mundo à sua volta e lhe descobre o sentido. De antemão, não deixe o leitor tal atenção, do quanto a ciência e os demais seres-aí lhe ditam o conceito de todas as coisas, sem lhe considerar a existência presente e consciente.

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