MARCOS
9, 30 – 37
30 Jesus e seus discípulos
atravessavam a Galileia. Ele não queria que ninguém soubesse disso, 31 pois
estava ensinando a seus discípulos. E dizia-lhes: “O Filho do Homem vai ser
entregue nas mãos dos homens, e eles o matarão. Mas, três dias após sua morte,
ele ressuscitará”.
Eu
sempre me pergunto por que tudo na vida tem que ser tão cruento! Se olharmos em
volta fácil se vê que nada escapa das intempéries da vida e, não raro, as
rachaduras se tornam visíveis. Ainda me pergunto: há algo neste mundo que não
apresente as marcas da corrupção, da dor e do sofrimento? Poderíamos até chegar
a uma afirmação como a de Jesus: “é necessário que o Filho do homem padeça
muitas coisas”. (Lc. 9,22) O tema do sofrimento em Jesus está intimamente
ligado à Sua identidade e à dos Seus discípulos.
A
palavra ‘Cristo’ é de origem grega (khristós). A maioria só conhece o seu
significado de ‘ungido’ herdado de ‘Messias’ que de origem hebraica (Masiah).
Mas ‘Cristo’ tem uma raiz comum nas palavras crisma, cristal, crisol, que
demonstram a sua evolução semântica entre ‘óleo’ e ‘pureza’, unção e
purificação. Aquilo que nos toca, com o qual fomos ungidos, isto mesmo nos
unta, liga para separar, e nesta separação nos purifica, solta o que antes
estava preso, liberta.
O
crisol, também chamado de cadinho, é o recipiente em que se apurava e
purificava a prata no fogo. Se você já viu um ourives trabalhando já deve ter
visto também este prato que purifica até o ouro, ou melhor, o outro e a nós
mesmos, “pois é pelo fogo que se experimentam o ouro e a prata, e os homens
agradáveis a Deus, pelo cadinho da humilhação.” (Eclo 2, 5) A experiência
popular é sábia em dizer que sempre há uma lição boa naquilo de ruim que nos
acontece.
32 Os discípulos, porém, não
compreendiam estas palavras e tinham medo de perguntar.
O
medo dos discípulos, provavelmente, era em ter o mesmo destino de dor,
sofrimento e rejeição do seu Mestre. A esta altura Jesus já tinha dito que “se alguém
quiser salvar a sua vida vai perdê-la.” (Mt 16, 25) Salvar perdendo parece uma
contradição. Mas quem, ainda hoje, entende o sofrimento como vitória; o
fracasso como sucesso, e chegar a sentir prazer nas fraquezas, nas injúrias,
nas necessidades, nas perseguições, nas angústias por amor de Cristo. “Porque
quando sou fraco é que sou forte”. (2Cor 12, 10) Ou ainda entenderia a dor como
consolo, alivio e até alegria, por completar na própria carne o que falta às
tribulações de Cristo? (Cf. Col 1, 24).
Até
para os Apóstolos ‘salvar perdendo’ será uma evolução de pensamento e de
espiritualidade; muitos vão correr e O deixarão sozinho. Cada um padecerá a sua
porção. Longe de ser vingança, isto é parte da solidariedade em Cristo, de que
falam os teólogos, em razão da nossa cumplicidade com Adão.
Diferente
do que a maioria pensa, Jesus nos ajuda a perceber que as pessoas mais fortes
entre nós são justamente as que mais sofrem. E que sofrer não é sinal de
maldição ou de abandono da parte de Deus. Sofre quem foi abandonado pelos seus
mais próximos, como Jó e o judeu do bom samaritano. Meu Deus, como nos enganamos
com o sofrimento e com quem sofre!
33 Eles chegaram a Cafarnaum.
Estando em casa, Jesus perguntou-lhes:
“O que discutíeis pelo caminho?”
Aqui
encontramos um problema: a ciência de Jesus. O que mesmo Ele conhecia de
Si e dos outros? Mas há outra situação: Por que perguntou uma coisa que já sabia?
Quando assim fazem os nossos pais não é para ouvir de nós mesmos uma declaração
sincera? “Eles, porém, ficaram calados, pois pelo caminho tinham discutido quem
era o maior”.
Não
vamos julgar ninguém aqui, nem aí na consciência, pois “quem não tiver pecados
que atire a primeira pedra!” (Jo 8, 7) Agora, livre de preconceitos,
reflitamos. Jesus está falando de ser entregue e sofrer, enquanto os discípulos
disputam honrarias. Não pretendo falar muito disso. Apesar de ser algo sobre o
qual se ouve por aí, ainda hoje, nas igrejas entre nós clérigos ou
entre os leigos mais próximos, é vergonhoso para qualquer pessoa quanto mais
para um grupo. Seria um partido de política eclesial ou uma facção ideológica
que negocia apoio e sigilo em troca de status. Que vergonha!
35 Jesus sentou-se, chamou os doze
e lhes disse:
“Se alguém quiser ser o primeiro,
que seja o último de todos e aquele que serve a todos!”
Ah!
Eis uma regra de ouro! Uma máxima para ser fixada nos salões paroquiais e
relido em reuniões de lideranças, ainda mais gravada nos corações, sobretudo
dos ‘doze’ e de tantos quantos atuem em seu lugar. Assim como no sofrimento,
autoridade tem sido confundida com luxo e prazer. A satisfação não está no bem
do outro, mas no próprio bem.
Quantas
autoridades vergonhosas por não se identificarem com a máxima de Jesus.
Feitores que esmiúçam o trabalho facultado a outrem, haurindo seu mérito e
espoliando seus ganhos. Creio que também lhes poderíamos aplicar a observação
de Jesus aos escribas e fariseus: “Observai e fazei tudo o que eles
dizem, mas não façam como eles, pois dizem e não fazem. Atam fardos pesados e
esmagadores e com eles sobrecarregam os ombros dos homens, mas não querem
movê-los sequer com o dedo.” (Mt 23, 3 – 4) Há muito o que se converter.
36 Em seguida, pegou uma criança,
colocou-a no meio deles e, abraçando-a, disse: 37 “Quem acolher em meu nome uma
destas crianças, é a mim que estará acolhendo. E quem me acolher, está
acolhendo, não a mim, mas àquele que me enviou”.
A
criança é um exemplo de espiritualidade em si mesma e uma opção frequente de
Jesus. Sua inocência e desprendimento, sua fragilidade aparente e
potencialidades infinitas são ícones da pessoa espiritual. Jesus
disse: “Deixai vir a mim as criancinhas, não as proibais, porque o Reino dos
céus é para aqueles que se lhes assemelham.” (Mt 19, 14) E pensar que em muitas
cabeças quando um religioso abraça uma criança há segundas intenções!
Com
pesar, constatamos o quanto distam as intenções de Jesus de algumas autoridades,
religiosas ou não, e prestadores de serviço. Com vergonha, às vezes nos
percebemos contribuindo com situações em que somos cúmplices. Em lágrimas vemos
crianças, espirituais ou não, feridas por quem lhes tem alguma autoridade.
Quando foi que esquecemos a frase que diz “tudo o que fizerdes a um destes meus
irmãos mais pequeninos, foi a mim que o fizestes”? (Cf. Mt 25, 40)
Sugiro
juntarmos assim: Se alguém quiser ser o primeiro, que seja o último de todos e
aquele que serve a todos, pois tudo o que fizerdes a um destes meus irmãos mais
pequeninos, foi a mim que o fizestes? Daí se vê o quanto precisamos de pessoas
fortes o bastante a ponto de não temer a dor da cruz, e humildes o bastante a
ponto de obedecer Jesus até a morte. (Cf. Fil 2, 8). Utopia? Não! Evangelho.
Desejo uma abençoada semana e que a
sua vida seja um exemplo de fé.
Glória ao Pai e ao Filho e ao Espírito
Santo...
Barra
dos Coqueiros – SE, 20.09.2015
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