sábado, 26 de setembro de 2015

PRIMEIROS E ÚLTIMOS

MARCOS 9, 30 – 37

30 Jesus e seus discípulos atravessavam a Galileia. Ele não queria que ninguém soubesse disso, 31 pois estava ensinando a seus discípulos. E dizia-lhes: “O Filho do Homem vai ser entregue nas mãos dos homens, e eles o matarão. Mas, três dias após sua morte, ele ressuscitará”.

Eu sempre me pergunto por que tudo na vida tem que ser tão cruento! Se olharmos em volta fácil se vê que nada escapa das intempéries da vida e, não raro, as rachaduras se tornam visíveis. Ainda me pergunto: há algo neste mundo que não apresente as marcas da corrupção, da dor e do sofrimento? Poderíamos até chegar a uma afirmação como a de Jesus: “é necessário que o Filho do homem padeça muitas coisas”. (Lc. 9,22) O tema do sofrimento em Jesus está intimamente ligado à Sua identidade e à dos Seus discípulos.

A palavra ‘Cristo’ é de origem grega (khristós). A maioria só conhece o seu significado de ‘ungido’ herdado de ‘Messias’ que de origem hebraica (Masiah). Mas ‘Cristo’ tem uma raiz comum nas palavras crisma, cristal, crisol, que demonstram a sua evolução semântica entre ‘óleo’ e ‘pureza’, unção e purificação. Aquilo que nos toca, com o qual fomos ungidos, isto mesmo nos unta, liga para separar, e nesta separação nos purifica, solta o que antes estava preso, liberta.

O crisol, também chamado de cadinho, é o recipiente em que se apurava e purificava a prata no fogo. Se você já viu um ourives trabalhando já deve ter visto também este prato que purifica até o ouro, ou melhor, o outro e a nós mesmos, “pois é pelo fogo que se experimentam o ouro e a prata, e os homens agradáveis a Deus, pelo cadinho da humilhação.” (Eclo 2, 5) A experiência popular é sábia em dizer que sempre há uma lição boa naquilo de ruim que nos acontece.

32 Os discípulos, porém, não compreendiam estas palavras e tinham medo de perguntar.

O medo dos discípulos, provavelmente, era em ter o mesmo destino de dor, sofrimento e rejeição do seu Mestre. A esta altura Jesus já tinha dito que “se alguém quiser salvar a sua vida vai perdê-la.” (Mt 16, 25) Salvar perdendo parece uma contradição. Mas quem, ainda hoje, entende o sofrimento como vitória; o fracasso como sucesso, e chegar a sentir prazer nas fraquezas, nas injúrias, nas necessidades, nas perseguições, nas angústias por amor de Cristo. “Porque quando sou fraco é que sou forte”. (2Cor 12, 10) Ou ainda entenderia a dor como consolo, alivio e até alegria, por completar na própria carne o que falta às tribulações de Cristo? (Cf. Col 1, 24).

Até para os Apóstolos ‘salvar perdendo’ será uma evolução de pensamento e de espiritualidade; muitos vão correr e O deixarão sozinho. Cada um padecerá a sua porção. Longe de ser vingança, isto é parte da solidariedade em Cristo, de que falam os teólogos, em razão da nossa cumplicidade com Adão.

Diferente do que a maioria pensa, Jesus nos ajuda a perceber que as pessoas mais fortes entre nós são justamente as que mais sofrem. E que sofrer não é sinal de maldição ou de abandono da parte de Deus. Sofre quem foi abandonado pelos seus mais próximos, como Jó e o judeu do bom samaritano. Meu Deus, como nos enganamos com o sofrimento e com quem sofre!

33 Eles chegaram a Cafarnaum. Estando em casa, Jesus perguntou-lhes:
“O que discutíeis pelo caminho?”

Aqui encontramos um problema: a ciência de Jesus. O que mesmo Ele conhecia de Si e dos outros? Mas há outra situação: Por que perguntou uma coisa que já sabia? Quando assim fazem os nossos pais não é para ouvir de nós mesmos uma declaração sincera? “Eles, porém, ficaram calados, pois pelo caminho tinham discutido quem era o maior”.

Não vamos julgar ninguém aqui, nem aí na consciência, pois “quem não tiver pecados que atire a primeira pedra!” (Jo 8, 7) Agora, livre de preconceitos, reflitamos. Jesus está falando de ser entregue e sofrer, enquanto os discípulos disputam honrarias. Não pretendo falar muito disso. Apesar de ser algo sobre o qual se ouve por aí, ainda hoje, nas igrejas entre nós clérigos ou entre os leigos mais próximos, é vergonhoso para qualquer pessoa quanto mais para um grupo. Seria um partido de política eclesial ou uma facção ideológica que negocia apoio e sigilo em troca de status. Que vergonha!

35 Jesus sentou-se, chamou os doze e lhes disse:
“Se alguém quiser ser o primeiro, que seja o último de todos e aquele que serve a todos!”

Ah! Eis uma regra de ouro! Uma máxima para ser fixada nos salões paroquiais e relido em reuniões de lideranças, ainda mais gravada nos corações, sobretudo dos ‘doze’ e de tantos quantos atuem em seu lugar. Assim como no sofrimento, autoridade tem sido confundida com luxo e prazer. A satisfação não está no bem do outro, mas no próprio bem.

Quantas autoridades vergonhosas por não se identificarem com a máxima de Jesus. Feitores que esmiúçam o trabalho facultado a outrem, haurindo seu mérito e espoliando seus ganhos. Creio que também lhes poderíamos aplicar a observação de Jesus aos escribas e fariseus: “Observai e fazei tudo o que eles dizem, mas não façam como eles, pois dizem e não fazem. Atam fardos pesados e esmagadores e com eles sobrecarregam os ombros dos homens, mas não querem movê-los sequer com o dedo.” (Mt 23, 3 – 4) Há muito o que se converter.

36 Em seguida, pegou uma criança, colocou-a no meio deles e, abraçando-a, disse: 37 “Quem acolher em meu nome uma destas crianças, é a mim que estará acolhendo. E quem me acolher, está acolhendo, não a mim, mas àquele que me enviou”.

A criança é um exemplo de espiritualidade em si mesma e uma opção frequente de Jesus. Sua inocência e desprendimento, sua fragilidade aparente e potencialidades infinitas são ícones da pessoa espiritual. Jesus disse: “Deixai vir a mim as criancinhas, não as proibais, porque o Reino dos céus é para aqueles que se lhes assemelham.” (Mt 19, 14) E pensar que em muitas cabeças quando um religioso abraça uma criança há segundas intenções!

Com pesar, constatamos o quanto distam as intenções de Jesus de algumas autoridades, religiosas ou não, e prestadores de serviço. Com vergonha, às vezes nos percebemos contribuindo com situações em que somos cúmplices. Em lágrimas vemos crianças, espirituais ou não, feridas por quem lhes tem alguma autoridade. Quando foi que esquecemos a frase que diz “tudo o que fizerdes a um destes meus irmãos mais pequeninos, foi a mim que o fizestes”? (Cf. Mt 25, 40)

Sugiro juntarmos assim: Se alguém quiser ser o primeiro, que seja o último de todos e aquele que serve a todos, pois tudo o que fizerdes a um destes meus irmãos mais pequeninos, foi a mim que o fizestes? Daí se vê o quanto precisamos de pessoas fortes o bastante a ponto de não temer a dor da cruz, e humildes o bastante a ponto de obedecer Jesus até a morte. (Cf. Fil 2, 8). Utopia? Não! Evangelho.

Desejo uma abençoada semana e que a sua vida seja um exemplo de fé.

Glória ao Pai e ao Filho e ao Espírito Santo...

Barra dos Coqueiros – SE, 20.09.2015

Pe. Adeilton Santana Nogueira

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