domingo, 13 de março de 2016

LOUSA DE AREIA

Jo 8, 1 – 11
5º Domingo da Quaresma – Ano C

Que coisa, de fato, é o amor? O que mesmo é amar? Quanto já se disse e quanto já se viveu sem, ao certo, definir o maior sentido da existência? Viver e amar quase se confundem, sendo que o amor daria sentido à vida. Mas como encontrá-lo, defini-lo, experimentá-lo? Se ele existe onde está? Se ele é real quem o pode testemunhar? Se ele é tão fundamental, como vive quem não o possui? Pode a religião definir o amor?

Todas as histórias de Jesus estão repletas desse sentimento que Ele exala. Em Jesus, o amor de Deus é revelado. Ele fala de amor, ensina a amar, cobra amor, ama seus amigos ao ponto de chorar por eles e ama também os seus inimigos a ponto de perdoá-los mesmo pelo próprio assassinato. Se a religião pode dizer algo do amor é da mesma forma que todo o resto da humanidade, a partir de uma experiência concreta em que nos sintamos amados. Do contrário seria quimera e tirania, sonho e arrogância.

1 Jesus foi para o monte das Oliveiras.

Ah, o monte das Oliveiras! Mesmo para quem não foi ainda, imagine uma colina alta o suficiente e tão próxima de Jerusalém que dá para avistar toda a cidade. Jesus estava lá para a Páscoa (Cf. Jo 7, 10) e já era próximo da meia noite. Ele costumava ir lá para rezar. E na sua subida, no derradeiro ano, que Ele vai chorar por toda a cidade que mata seus profetas e não reconhece quem a visita. Quanta coisa não deve ter passado na cabeça e coração de Jesus nessa floresta onde se escondia na intimidade com o pai. De certo que escutava algum barulho de festa e vislumbrava luzes de candeeiro e tochas iluminando a cidade em torno do Templo, bem como pressentia suas contradições, o comércio e a periferia.

2 De madrugada, voltou de novo ao Templo. Todo o povo se reuniu em volta dele. Sentando-se, começou a ensiná-los.

Ao que parece, nunca foi honesto pregar sem rezar antes, ao menos não foi o costume de Jesus, como também era uma prática sua não ter horário de descanso ou seletiva de lugar. Nós modernizamos demais a religião e a sintonizamos com o ritmo das fábricas e dos operários. Jesus trabalha na madrugada, quando se reúnem os que precisam de suas palavras, eis sua estratégia pastoral. É no frio da noite e na penumbra da luz que o mal sombreia a moral e a própria fé. Mas o povo de aglomerava por causa das contendas entre Ele e os fariseus e mestres da Lei no capítulo anterior, o que não deixariam barato!

3 entretanto, os mestres da Lei e os fariseus trouxeram uma mulher surpreendida em adultério. Colocando-a no meio deles, 4 disseram a Jesus: ‘Mestre, esta mulher foi surpreendida em flagrante adultério.

Como o irmão mais velho do filho pródigo estes mestres da Lei são caçadores de moralidade. Conhecem com intimidade os horários e lugares de tais delitos. Sua ciência os beira no mesmo abismo em que pretendem atirar a ‘adúltera’. Mas como poderia ser uma prostituta acusada de adultério se quem adultera é o homem casado que se deitou com ela. A não ser que ela também fosse casada, o que não parece ser o caso. A moral mosaica culpava ‘profissional do sexo’ mas, nesta cena, omite o cúmplice. Faz da mulher uma ré do tribunal do apedrejamento, onde fazem de Jesus juiz, dos mestres da Lei advogados apenas de acusação e do povo espectadores ao sopro de suas maquinações e manipulações retóricas.

5 Moisés na Lei mandou apedrejar tais mulheres. Que dizes tu?’ 6 Perguntavam isso para experimentar Jesus e para terem motivo de o acusar. Mas Jesus, inclinando-se, começou a escrever com o dedo no chão.

A questão é esta: testar Jesus e, de uma só tacada, matar dois coelhos: Jesus e a mulher, restaurar a religião de Israel e moral, ambos ameaçam essas realidades com suas práticas. Quanta hipocrisia nesse tribunal de área! Onde a moral é escrita na serventia de quem não se dá ao respeito, para encobrir as próprias práticas lascivas, também Jesus escreve no chão, lousa do que não se deveria dizer: os nossos pecados; terra onde se pisa e onde já pisamos – caminho de todos e passos de qualquer um. Para isto Ele se rebaixou e de novo se inclina, para tocar os nossos pecados e apagá-los, não para lembrá-los. Coisa que nem as igrejas, nem nós entendemos ainda.

7 Como persistissem em interrogá-lo, Jesus ergueu-se e disse: ‘Quem dentre vós não tiver pecado, seja o primeiro a atirar-lhe uma pedra.’

Assim o juiz se manifesta e sentencia universalmente a todos. Essa expressão nivela a todos, mulher pecadora e demais presentes. Ele era o único que poderia iniciar aquele apedrejamento. Que fez, então? Continua a afastar as pedras para dar-Lhe espaço e continuar a escrever na lousa de areia, onde as palavras não perduram como os pecados também não são eternos em ninguém, a não ser pela vontade de condenar.

8 E tornando a inclinar-se, continuou a escrever no chão.

Assim como Jesus cai três vezes na Via Sacra, três vezes se inclina. Depois de Sua descida do céu ao barro humano, aquelas duas outras são o peso dos pecados que o deixam menor do que os pecadores. Ali, ao chão, na lousa de areia, ele ensina a lição do perdão aos que pecam. Ensina o caminho à religião que quer ser caminho de salvação. Ensina que o amor está acima do sexo, que o perdão está acima da Lei e que a fé pode ser a razão da moral, se amor, perdão e fé se unirem no coração dos que pecam e dos que julgam.

9 E eles, ouvindo o que Jesus falou, foram saindo um a um, a começar pelos mais velhos, e Jesus ficou sozinho, com a mulher que estava lá, no meio do povo.

Ela foi o centro das atenções dos homens e do povo nesta perícope. O apedrejamento dessa mulher talvez Lhe tenha lembrado a história de Sua mãe Maria que também foi ameaçada de tal delito por aparecer grávida. Assim não foi sem motivos que ele usasse o precedente dos pecadores, pois tinha em mente uma vitima inocente – a mãe – e uma pecadora – a prostituta. Quantas cenas dessas Ele deve ter presenciado! Em ambos os casos as aparências as condenariam, mas não perante Aquele que conhece os corações, entende as intenções dos que condenam, reconhece a leviandade das proposições falaciosas, sua malícia e arquitetura. Leviana era, pois, a palavra e o testemunho daqueles inquisidores, traídos e denunciados por sua mente que tentava enganar a memória dos próprios delitos.

10 Então Jesus se levantou e disse: ‘Mulher, onde estão eles? Ninguém te condenou?

Chega a dar um alívio esta pergunta! Queira Deus que sumam os que condenam, que se retirem na vergonha de seus próprios pecados, que também sintam o peso na consciência daquele fardo que querem imputar em bodes expiatórios, apontando um dedo para os outros enquanto os demais se voltam para si mesmos. ‘Ninguém’ a condena porque Ele mesmo não a condenou. Confesso que isto me incomoda, o fato de a misericórdia de Jesus se expressar tão clara, sem considerar as falhas, e que seja tão diferente do modo como os cristãos e suas igrejas julgam os faltosos.

11 Ela respondeu: ‘Ninguém, Senhor.’ Então Jesus lhe disse:’Eu também não te condeno. Podes ir, e de agora em diante não peques mais.’

É tácito que Jesus preferiu a lousa de areia à tribuna judicial. Seu ensinamento está repleto de misericórdia, pois, com amor, deixar na mão da pecadora a atitude de mudança. Coagir seria forçar uma moral de atitudes superficial e aparente que não valoriza o fiel, apenas mascara uma piedade fluida como as gotas das velas que queimas em seus altares ou suas roupas que se troca como trocam de denominações.

Tantas frases de Jesus marcaram a nossa formação! Essa “Eu também não te condeno”, embora não deva ser lida sem o seu fim “e de agora em diante não peques mais”, é a frase que, acredito eu, todos gostaríamos de ouvir, sobretudo quando temos quem nos condene. Todavia, caro leitor, basta saber como Jesus agiria se estivesse no lugar de nossos algozes; assim sabemos quanto distam ou se aproximam dEle, os que dizem segui-Lo.

Desejo uma vida de perdão incondicional, pois Jesus perdoa sempre e a todos. Tenha uma semana abençoada e reze por mim!

Glória ao Pai e ao Filho e ao Espírito Santo...
13.03.2016

Pe. Adeilton Santana Nogueira

2 comentários:

  1. Sábias palavras,Padre! Ninguém melhor do que Jesus pra nos ilustrar o verdadeiro sentido da palavra Amor!

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  2. Sábias palavras,Padre! Ninguém melhor do que Jesus pra nos ilustrar o verdadeiro sentido da palavra Amor!

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