Mc
6, 30-34
Em cada
missa toda a Igreja Católica proclama o mesmo Evangelho, a não ser que se
celebre uma Festa própria do lugar, caso muito particular. Os anos são
divididos em A, B e C, segundo os sinóticos Mateus, Marcos e Lucas, ficando
João mais para o Tempo Pascal. Estamos no 16º domingo do tempo litúrgico
denominado Comum, portanto, da vida pública de Jesus, no ano B, logo, do
evangelho segundo São Marcos.
O evangelho desta
semana faz parte de uma sequência que já dura três domingos e que continuará no
próximo com a multiplicação dos pães, porém lido em São João. Depois de ser
rejeitado pelos seus conterrâneos, Jesus envia os doze a pregar a conversão,
despojados, sem busca de sucesso ou lamentos, e, na perícope desse artigo, o seu
retorno felizes, porém merecidamente cansados.
Uma coisa é
certa, todos ali sabiam onde encontrar o seu conforto. Não era um lugar ou
algo, mas alguém. Haverá um lugar, tanto que Jesus os chama “para um lugar
deserto” e haverá algo também, vejamos depois o evangelho do próximo domingo. Ele
os saciará também de pão com fartura. Mas a primeira experiência dos discípulos
e a que os atrai e traz de volta é mesmo a pessoa maravilhosa que Jesus é.
30 Os apóstolos reuniram-se com Jesus e contaram tudo o que haviam feito e ensinado. Ele lhes disse: 'Vinde sozinhos para um lugar deserto, e descansai um
pouco'.
Apesar dos
discípulos já realizarem o que Jesus lhes havia ensinado, retornam de volta.
Não se ufanam de que sejam miraculosos ou eloquentes por si mesmo, mas retornam
à fonte. eles querem aprender mais para fazerem mais. A nomenclatura dos
discípulos é curiosa no capítulo sexto de São Marcos. No verso primeiro se lê
‘discípulos’ (14º domingo); já no verso sétimo (15º domingo), do envio dois a
dois, lemos ‘os doze’ e, por fim, no verso trigésimo, da reunião de retorno,
lemos ‘os apóstolos’. Parece que a missão transforma a pessoa na fé. Faz
crescer perante Jesus e perante a comunidade. A missão evolui o cristão.
31b Havia, de fato, tanta gente chegando e saindo que não tinham tempo nem
para comer.
Os apóstolos
não retornam sozinhos. Trazem com eles tantos novos seguidores que eram
comprimidos pela multidão. Apesar de Jesus escutá-los sobre os feitos e
prodígios ficava difícil de descansarem e talvez de passar um ensinamento novo.
Desta vez a nova lição é o contrário de tudo o que aprenderam. A outra face da
moeda e talvez a mais importante; a tônica da fé; a medida da evangelização; a
qualidade do que se prega e o nível do pregador, ou seja, descansar em Cristo.
Tudo o que fazemos e quem somos precisa encontrar em Jesus o seu repouso. Não
há massa que não mereça uma sova ou alvura que não necessite quarar.
A
passividade teológica, como dizem os estudiosos, é uma necessidade de fé. Saber
esperar, crer em quem dá o crescimento, dar tempo à divina providência. Esperar
as suas demoras é outra forma de crer em Deus. Quem acha que tudo depende de si
mesmo talvez não tenha a sua força naquele em quem diz crer. Quem se gasta a
ponto de não poder servir quem vem depois parece que entendeu mal a lógica de
Jesus e corre o risco de perder pessoas, sob a desculpa de que não tem tempo ou
de que está cansado.
Na igreja,
pode até ser um contratestemunho medir o salário do operário pelo tempo de
serviço e o desempenho do seu trabalho pela repercussão dos colegas. Ao menos
esta não é a contabilidade de Jesus na parábola dos trabalhadores da vinha (Cf.
Mateus 20, 1-16). Ultrapassa a mesquinhez pedir contas temporais de uma
pastoral que tem fins celestiais. Acaso é a Igreja apenas uma empresa? As frases de Jesus: “O operário é digno do
seu salário” (Lc 10, 7) e “eu quero dar a este último tanto quanto dei a ti”
(Mt 20, 14) não deixam dúvidas de que a remuneração do ministro é digna e
equitativa. Isto faz jus ao tipo de serviço que presta: não é temporal, portanto
não se mede em horas.
Então foram sozinhos, de barco, de barco, para um lugar deserto e afastado.
O repouso
necessário do discípulo é em Jesus. Quem descansa tranquilo nEle tem a certeza
de que fez o que devia e o que podia. O que passar disso agora é com Deus.
Descansar, porém, é depois da missão, não antes! O grupo dos doze não é um
grupo de férias, ou bons vivants.
Aqueles que usam do evangelho ou da vida eclesial, seja status ou salários, para o seu uso e fruto ou para uma vida de
privilégios e benesses não entendeu a Pessoa implícita neste ‘vinde e
descansai’. Jesus está com todo aquele que se fadiga na Sua causa. Uma
evangelização que não chegou à fadiga ainda não completou a sua missão. A
intensidade da marcha deste capítulo sexto dá uma dica ao pregador. Ser
rejeitado e continuar o seu caminho até ao sucesso que vem quando o cansaço
chega. O sucesso do missionário é a sua satisfação em ter feito o que Jesus
ensinou e o seu prêmio é retirar-se ‘com’ e ‘em’ Jesus.
33 Muitos os viram partir e reconheceram que eram eles.Saindo de todas as cidades, correram a pé, e chegaram lá antes deles. 34 Ao desembarcar, Jesus
viu uma numerosa multidão e teve compaixão, porque eram como ovelhas sem
pastor.
Quanto ao
povo, ao que parece, eles sempre serão ‘como ovelhas sem pastor’. Penso que,
nesta terra, jamais saciaremos as ovelhas do Senhor, pelo simples fato de serem
dEle. Quando as alimentamos com a Sua palavra, apenas lhes damos mais sabor e
desejo pela Sua Palavra. Neste caso a prática foi bem feita e a evangelização
bem sucedida. O rebanho descobriu e reconheceu quem e o que os alimenta de
fato, por isso seguem a barca e chegam à outra margem. Apressam-se e chegam,
não desistem no caminho. Não são cristãos ‘meia boca’, não estão à procura dos
apóstolos, mas do mestre de todos: Jesus. Conheço alguns incansáveis ministros,
já ouvi muitas citações gravadas na memória dos seus ouvintes, na maioria são
anedotas e cacoetes, alguns poucos testemunhos de vida, o que me leva a
concluir que se enganam de fato os ministros que pensam em ser lembrados mais
do que Jesus. Talvez suas lembranças sejam justamente o que não gostariam que
lembrassem.
O descanso a
que Jesus convida poderia facilmente ser confundido com a zona de conforto que
todos procuramos na vida, o ambiente que construímos ao longo da vida para
repousar nossa consciência tranquila, junto às pessoas que nos dão segurança e
nos alojam numa comodidade estável, esta segurança e conforto em que todos se
aninham e constroem com muito esforço, ou o ritmo de vida que buscam só será alcançado
pelo crente definitivamente em Deus. No entanto, se na vida comum a psicologia aconselha
a que é necessário desinstalar-se de vez em quando e construir outra zona de
conforto, ainda mais aos cristãos, diria, jamais nos acomodarmos com coisa alguma. Mesmo
a paz do evangelho precisa ser inquieta, como canta Pe. Zezinho, pois nada está
de fato acabado, ainda não chegamos ao fim. Há um longo caminho a percorrer.
Após o descanso urge uma nova caminhada.
No evangelho
Jesus reveza com os apóstolos. Descansar em Jesus é algo apenas até que cheguem
as ovelhas famintas. Porém não quer dizer que se deva sair logo do retiro. Esta
saída de cena carece de muito discernimento e sabedoria de deixar que Cristo
fale quando é o tempo de voltar ao público, para que o nosso ativismo não
corrompa uma ação que trabalha na alma e não no externo, onde as aparências
maquiam as verdades. Em muita gente achando que tudo depende de si, que é
insubstituível e se expõe mais que o Santíssimo Sacramento.
34b Começou, pois, a ensinar-lhes muitas coisas.
Urge tomar
cuidado com um sucesso pastoral que não dura ao longo dos anos e as conversões
que não retornam a Cristo. Há muito êxito momentâneo nas comunidades, há uma
diversidade de propostas e planos de ação, apesar de uma experiência bimilenar
na campanha evangelizadora, que não está dando certo. Não há por que arriscar
ou não conseguir. O erro pode estar no engano de não revezar com Cristo, ou de
pôr-se no lugar dEle. Engana-se e engana a comunidade um evangelizador que se
anuncia, que prega ‘si mesmo’. Anunciar Jesus é ensinar o rebanho a encontrá-Lo
e segui-Lo até a outra margem do lago que os separa. A pessoa evangelizada deve
ser capaz dessa travessia, a pé, no ermo das margens, beirando o infinito do
mar, porém olhos fixos e à frente, naquele que mirou em seguir.
O bom
evangelizador é aquele que sabe sair de cena e deixar que o protagonista seja o
Mestre. O bom rebanho é aquele que sabe procurar o pastor. O bom evangelizador
é aquele que prega tão bem que seus ouvintes não o seguem, mas à sua palavra e
de quem ela fala. Os bons ouvintes são aqueles que vão confirmar se o que
ouviram é verdade, ou seja, onde foi que aprenderam aqueles que lhes falam. O
bom evangelizador sabe que não se promove, apenas se alegra com a confirmação da
sua profecia. O bom rebanho não busca o miraculoso, ou o escandaloso, não são
as propagandas que o atraem, mas descobriu quem é essencial na religião e na
pregação dos seus ministros: Jesus.
Desejo para
esta semana que não tenha medo de sair, de relaxar, de ter a consciência
tranquila de que fez o que podia, e de que Jesus toma conta agora. Entregue
tudo que fez por Ele nas Suas santas e veneráveis mãos. Peço ainda que reze por
mim, pois estarei rezando por ti. Permita-me lembrar, no dia 20 deste, dia da
amizade, completo 13 anos de sacerdócio. Escolhi esta data pelo meu amor ao
mistério da Santíssima Trindade. Descobri que a amizade é o amor entre irmãos.
E que só seremos de fato irmãos universais se pudermos alargar as nossas
famílias. Não nos amaremos de verdade nem seremos irmãos de fato se não formos
amigos uns dos outros.
A amizade é
o amor que gera laços além do sangue e da carne, e que testifica se somos
irmãos de um Deus Amor. A amizade é o amor dos irmãos filhos de um Deus Amor.
Não é o sangue nem a carne, mas a amizade o que nos faz nos amarmos tanto. Ser
irmãos, já o somos desde Adão. Ser amigos, isto é uma conquista e evolução do
que somos. Por isso o meu lema sacerdotal: Glória ao Pai e ao Filho e ao
Espírito Santo... porque a glória de Deus é o homem que é a sua imagem e
semelhança (1Cor 11, 7), e Deus é a Santíssima Trindade: Comunhão de Pessoas.
Que Deus nos
livre das inimizades e que você encontre verdadeiros amigos. Ao menos seja um
amigo verdadeiro, ainda que isto lhe custe inimizades. Tenha uma semana
abençoada!
19.07.2015
Pe. Adeilton Santana
Nogueira
Deus o abençoe por seu sacerdócio e a belíssima postagem com grande sabedoria.
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ResponderExcluirMuita sabedoria. Obg pela reflexão
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