Marcos 16, 15-20, na Festa da Ascensão do Senhor
São três as colunas do evangelho
dessa semana: A primeira é o mandato
missionário “ide pelo mundo inteiro e anunciai o evangelho a toda criatura!”; a
segunda são os sinais que
acompanharão aqueles que crerem: expulsar demônios, falar novas línguas, pegar
em serpentes e beber veneno mortal sem lhes fazer mal algum e curar doentes; e
o terceiro é a despedida.
Quem já se despediu de alguém que
demoraria em rever sabe que alguns gestos são clássicos. As últimas palavras
que resumem uma vida, os conselhos e a garantia da pertença além da presença.
Jesus é mestre em despedir-se, sabe que não é deste mundo (cf. Jo 18, 36), sabe
que está de passagem e tem pressa (cf. Jo 12, 23), sabe que precisa sair de
cena. Inclusive isto é um desígnio não totalmente compreendido pelos
evangelizadores, desde os apóstolos (Cf. Mt 16, 21ss).
O mandato, os sinais e a despedida,
são três pilares de um último legado que revela o programa de vida de Jesus de
Nazaré. Vale lembrar que, embora sejam sete os sacramentos católicos, toda a
vida de Jesus é sacramental, ele mesmo é sacramento do Pai (Cl 1, 15). Portanto
cumprir o que ele mandou é já celebrar sua ação salvadora na comunidade.
Primeiro vejamos o ‘mandato’. Ele mandou, isto
nos basta, deve ser feito. São Dez os mandamento da lei mosaica, mas há uns
outros mandamentos na boca de Jesus. Coisas que ele mandou fazer e a igreja
sabe que disto depende a salvação do mundo. Pregar o evangelho a toda criatura
porque a natureza também sofre com a ignorância da fé. Toda a criação geme e
sofre com dores de parto esperando com ardente expectativa a revelação dos
filhos de Deus (cf. Rm 8, 19-23), padece esperando a manifestação de tantos
omissos e preguiçosos, infiéis medrosos que não assumem perante o mundo e a
sociedade as suas esperanças.
O que há? As convicções não estão
firmes? Ainda não está pronto para dar as razões e as provas da sua fé (1 Pd 3,
15)? Triste é tal comodismo em comunidade de crentes. Triste é quando o vizinho
nunca ouviu ou viu a fé expressa de seu irmão em Cristo (Cf. Tg 2, 18). Triste
é a paróquia que não entendeu o próprio significado da palavra ‘para’ e ‘oikos’, do grego ‘além’ e ‘casa’. Mas quem conhece grego deveria
ensinar os nomes que usa para designar uma determinada comunidade de fieis sob
os cuidados de um pároco (cf. Cân 515, § 1), ou literalmente ‘aqueles que estão
fora de casa’.
O segundo pilar são os ‘sinais’. Testificam
quem está por trás da ação evangelizadora, ou melhor, em nome de quem se
evangeliza. Não pregamos a nós mesmo, o que garante a pecadores também
evangelizarem. Anunciamos Jesus, e nisto também somos evangelizados. Calar a
Palavra é perder a própria consciência que também nos autoproclama a doutrina
do mestre. Quando alguém não evangeliza está de certo deixando de escutar
também.
Seguem agora os sinais que mais
parecem alertas e não milagres. Expulsar
demônios é o primeiro deles. Na literatura antiga demônio era um gênio, ou
espírito que acompanhava a pessoa lembrando suas fraquezas, ora confundido com
a consciência, ora com a memória. Porém no cristianismo é identificado com os
anjos decaídos. Logo, o primeiro sinal é não se deixar guiar por outro que não
seja Cristo, sem preconceitos ou vã doutrinas, ao sopro de qualquer vento (Ef
4, 14), ou seja, ter os olhos fixos no Mestre (Hb, 12, 2; Fil 3, 13; 2Cor 4,
18).
Falar novas línguas é o segundo
sinal. Logo depois de libertar-se de si mesmo vem a mudança do modo de se expressar. Falar uma
língua ao menos compreensível, de alguém que tem uma coisa nova pra falar e não
o mesmo discurso de sempre. Alguém que encontrou e sabe uma coisa que ninguém
jamais saberia. Essa nova língua vem de uma nova cultura, de uma nova forma de
entrar em diálogo com os demais, para ser entendido e para compreender. De que
adianta uma sabedoria que não esclarece, ou um conhecimento não compartilhado?
Evangelizar é descobrir novas formas de falar de Cristo. Do contrário não
estaríamos preocupados em que ele fosse conhecido. Sendo assim, nem a pessoa
que fala sabe ou crê no que diz.
Pegar em serpentes e beber veneno
mortal sem lhes fazer mal algum é o terceiro sinal do evangelizador. Jesus já
falara em pisar em serpentes no estágio dos 72 discípulos (Lc 10, 1-11), mas desta
vez pegar e beber o veneno, da serpente ou não. A questão é o risco imediato
que corre o evangelizador. Risco de morte, perigo, vítima da astúcia e
camuflagem das serpentes ou da bebida enganosa. Quem quiser que pense que a
sorte do discípulo não será a do seu Senhor (Cf. Mt 16, 24).
Evangelizador que não dá a cara a
bater, não se expõe, é como aquele que pega no arado e olha para trás, ‘não é
digno de mim’, diria Jesus (Cf. Lc 9, 62 e Mt 10, 37). A garantia é ‘não lhes
fazer mal algum’. Alguém poderia até dizer: ‘mas padre você tá sofrendo!’ e o
padre também perguntaria: ‘e que mal isto pode me fazer?’ O mal conseguiu
alcançar Jesus? Tudo o que de ruim ele passou lhe fez algum mal? O mal pode
realmente fazer algum mal diante de Deus? O mal é uma capa densa de confusão
embebida em mentiras que turva a fé e esconde a verdade. Diante de Jesus o mal
se converte em bem. Não é o que cremos?
Por fim o último sinal é curar
doentes. Já ouvi muita pregação explicando as alegorias bíblicas destes sinais.
Francamente, doença é doença! Dói, fere, precisa de remédio e atenção, seja
qual for, sem comparações ou relativismos. Lembro de uma vez um amigo me
acompanhar à unção dos enfermos que administrei a um idoso, ultimando-se em um
leito de hospital na minha última paróquia. O derradeiro sopro daquele senhor
expirou enquanto quando rezava: “Eu, pela faculdade que me foi concedida pela
Sé Apostólica, concedo-te a indulgência plenária e o perdão de todos os teus
pecados, + Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém!” Continuei
até o fim do sacramento quando o amigo exclamou: “eu não sabia que a Igreja
tinha sacramento tão misericordioso!” Porém sabemos que não é o único, mas
lamento que o cuidado com os doentes tem se perdido como sinal evangelizador.
Voltando aos pilares, o terceiro é
a despedida, um duplo de saídas: a ascenção
de Jesus e a partida dos discípulos. Pregar e sair. Lembra o ‘vinde e vede’ do
início da vida pública de Jesus e o ‘ide e pregai’ do seu final. Ir e vir é
caminho e destino certo dos discípulos. Não parece que ‘ficar’ seja o programa
definitivo da evangelização. Estamos todos de passagem. É necessário seguir
adiante. Porém, passagem não é passeio. Não se trata de turismo religioso entre
as comunidades, mas de um método. Ir fazer algo, e fazer tão bem feito que continue
mesmo sem o autor. Jesus veio e voltou porque tinha um objetivo muito claro a
cumprir.
É lamentável, como missões sem
objetividade se tornam levantes de poeira, logo assentam de novo. Saber sair é
tão necessário quanto saber chegar. Começar bem é tão necessário quanto
concluir bem. Começo e fim precisam estar nivelados, porém findar melhor sempre
compensará um mau começo. Assim não nos alcança a máxima de Aristóteles: “um
pequeno erro no princípio acaba por tornar-se grande no fim”.
Mas por que a despedida é tão
necessária? Por que não morar conosco até o fim dos tempos? Por que confiar em
homens a missão que ele mesmo assumiu do Pai e compartilhou com o Paráclito?
Poderíamos perguntar a quem indaga se há outro modo de provar a adesão do
ensinamento senão na ausência de quem o apregoa. Só vemos o que está embaixo
das águas quando a maré recua. Só teremos fé de fato quando o Cristo for tirado.
Quando as pessoas voltarem às suas casas é que poderão saber se realmente
levaram algo do que receberam.
Outra pergunta aos indagadores é: o
amor, que falamos na semana passada, recíproco na sua vitalidade, poderia se
suster se apenas uma das partes amasse? Água que sempre derrama sacia de
início, depois transborda ou inunda, e desperdiça. Tem um ensinamento na ausência
de cada um que está no âmago do que foi transmitido. E para que o ensinamento
prevaleça é necessário que o mestre desapareça. Só saberemos o que realmente
assimilamos quando não houver mais quem ensine. Então fico o que aprendemos.
Assim o foi com os nossos pais e o será conosco perante a quem amamos, se nos
amam de fato (Cf. Jo 14, 23s).
17.05.2015
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