quarta-feira, 20 de maio de 2015

DOMINGO RESSUSCITADO

Um amigo me questionou sobre a necessidade dos atos litúrgicos desses dias e o risco que se corre na encenação deles. Estas são questões antigas e de intrigas mesmo entre os cristãos, sobre matar Jesus de novo e ressuscitar no domingo.
Apesar de ter as respostas teológicas prontas para esta indagação preferi não discordar, ao menos por este momento, mas também me questionar sobre a origem de suas indagações. Este intento me revelou que nele partia da observação atenta e do uso de uma razão sincera que não consentia na incoerência, não rara, entre o ato celebrado e os celebrantes, entre as palavras rezadas e seus ritos e o cotidiano de sua comunidade. Ainda mais, não bastassem estes me veio mais um: e se a Eucaristia é Jesus, nós cremos nela como cremos nEle?
É deveras oportuno que isto nos seja questionado hoje, pois a Páscoa do Senhor, o domingo da Ressurreição, é a chave e a resposta para esse triplo enigma: a morte, a ressurreição e a eucaristia. Mas devo concordar. É verdade, Cristo não resuscitou ontem nem morreu sexta passada. Ele é o vivente, “Tem o poder de dar a sua vida livremente e de tomá-la de volta” (Jo10,17). O problema está no risco que se corre em substituir o rito pelo ato e a celebração pela história. Sabemos que a liturgia transforma o tempo, mas não nos enganemos irmãos, atualizar a vida de Jesus vai muito além de fórmulas. Este é o grande dilema dos fieis e portanto da religião: pregar uma verdade que seja tão válida quanto acreditada, tão aceita quanto vivida, tão existencial quanto visível. Se é verdade que Cristo deu a sua vida por nossos pecados (1Cor 15,2), se é verdade que ele esta vivo (Lc 24,5), se é verdade que a Eucaristia é sua presença real (cf Lc 22,19), se é verdade que tudo isso não é encenação, então essa religião cumpriu a sua missão?
Mas e se esse questionamento fosse lançado não à igreja ou à sua liturgia e sim sobre os fiéis e os celebrantes, sobre a coerência dos que pregam? E se apenas pudesse pregar o que se vive, quanto do evangelho se perderia!? Graças a Deus que não se prega templos ou pessoas, mas a Cristo, escândalo para os judeus e loucura para os gregos (1Cor 1,23).
Este dia renovado a cada ano é um convite generoso do Cristo a todos nós em continuarmos a sua missão, assim como ele nos mandou. É só olhar em volta de qualquer denominação cristã com coragem e humildade, e sinceramente precisaremos admitir que temos feito muito, mas muito mal o nosso papel de evangelizadores, considerando a memória dos antepassados e como a fé chegou aos nossos corações. Inclusive, olhando os passos de Jesus a vergonha e a coragem precisam se converter em atitude, em profetismo, coisa tão esquecida nos dias de hoje. Desejo a todos uma feliz Páscoa e que nada turve a luz da ressurreição. Desejo que a vida nova em Cristo não seja mera ilusão do espetáculo de três dias.
A cada ano a Páscoa se renova; a fé retoma novo vigor imbuída de intensa memória do que foram aqueles dias em que a vida de Jesus revelou o seu propósito. A sua ressurreição inaugura uma nova compreensão acerca de tudo, inclusive de Deus. O que é o mundo que vemos e as pessoas, os bens e a sociedade, o culto e o universo diante de um evento dessa natureza. Um homem reviveu dos mortos e subiu aos céus em corpo e alma. Até que voltar da morte ou morrer na cruz não foram exclusivas do Cristo. O que há de tão significativo e diferente na sua Morte-Ressurreição? Sendo inocente paga pelos pecadores o preço de filhos que valemos e reconcilia a humanidade com Deus; ressuscita definitivamente para a glória no céu. Assim ele vive, morre e revive como modelo de quem somos imagem e semelhança.
O modelo de quem somos cópias originais não é algo de ontem, muito menos para amanhã, mas hoje. O hoje de Deus, no qual participamos da sua eternidade. O “já e ainda não”; já agora da celebração, e ainda não do apocalipse. Ele ressuscitou e inaugurou esta vida celeste iniciada aqui, desde a sua passagem entre nós, há mais de dois mil anos. Esse é o lamento do meu amigo, e de tantos outros, o de que nós religiosos ainda não tomamos consciência de sermos novas criaturas, repaginadas em Cristo Jesus.
Aqueles questionamentos podem até parecer agressivos ou ateus, podem até ferir algum fiel ou puritano radical, pode parecer infantil ou pagão. Ele só não é mentiroso; como todo dúvida. É justo que alguém diga: Se não sei, pergunto; se não vejo, mostra-me; se não entendo, explique-me; se duvido, convença-me. Só não me deixe na obscuridade da fé; seja por ignorância ou por inexperiência. Ensine-me ou me mostre. Onde encontro o que creio?
Hoje celebramos isto, uma fé visível em cada seguidor do Mestre, que o conhece porque conversa com ele, escuta e fala, crê e vive; e que as outras pessoas passam a conhecê-lo pela enorme semelhança de atitudes entre ambos, Jesus e discípulo. Que me perdoem os demais cristãos, mas quando os católicos desejam ver Jesus, quando os irmãos não o expressam bem, ou quando apenas a prece solitária do quarto não preenche mais, vão ao seu encontro na eucaristia e, como na última ceia, se alimentam de uma força sobrenatural em prece e comunhão com o seu corpo e sangue, alma e divindade.
Por fim, a missa de cada dia, especialmente as de domingo e solenidades, serão a continuidade da presença do ressuscitado. E a comunidade reunida uma antecipação da festa que será no céu: o retorno dos pecadores. Que seja assim na terra como no céu. E que as paredes dos templos não contenham a fé dos cristãos. Sempre se renove a paixão do Filho do Amor em querer sofrer a dor dos pecadores e desperte também em nós a mesma natureza de filhos do Deus Amor. Feliz Páscoa! Aleluia! Aleluia!

05.04.2015

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