João 15,9-17
De certo que o tema do evangelho
deste domingo é o amor, talvez a palavra mais complexa de toda a existência e a
síntese de tudo o que há. Não é à toa que esta perícope conclui a parábola da
Videira Verdadeira e sua união vital aos ramos. Ainda mais não esqueçamos que
faz parte do discurso da Ceia, abertura da Paixão de Cristo. Em um contexto
litúrgico e pascal, vale até lembrar do domingo quando falou do Bom Pastor. O texto
acima vem coroar essa sequencia.
“Como o Pai me amou, assim também eu vos amei. Permanecei no
meu amor.” (v. 9)
Sem erro poderíamos resumir vidas
e sagas em amor. Sem exagero poderíamos dizer que é o objeto de toda esperança
e a maior dádiva. Amor é em si um conceito, porém tão universal que pode se
perder na plenitude do que significa. Por dar sentido a tudo pode perder seu
sentido naquilo a que se atribui. Coisa necessária é aplicar o amor. Um amor
sem caracterização, sem atribuições seria um amor tão abstrato quanto
inatingível. Mas de qual amor estamos falando?
“Se guardardes os meus mandamentos, permanecereis no meu amor, assim como
eu guardei os mandamentos de meu Pai e permaneço no seu amor.” (v. 10)
Há diversos amores em nossa vida.
E graças a Deus que é assim! Mesmo o amor mais verdadeiro e real corre o risco
de não se concretizar. A experiência mais plena da humanidade pode ser tão
atacada que perca inúmeras guerras, até a derrota final. Há quem diga que não
há perdas no amor. Há quem diga que não errou nos amores em que foi desprezado.
Mas há quem diga que aqueles amores imbatíveis não existem mais. Foram fortes
até a morte. Falar de amor sempre faz sonhar, relembrar, mas nem sempre querer
de novo. Mas, de qual amor estamos falando mesmo?
“Este é o meu mandamento: amai-vos uns aos outros, assim como
eu vos amei” (v. 12)
Prefiro falar de um amor que não
nasceu aqui, e que foge do enredo da literatura corrente e comum das grandes
paixões que costuram nossas histórias. Nem arriscaria contá-las, eu que não
vivi uma paixão dessas. Meditamos aqui no amor que se aprende, no amor que
passa de pai para filho. No amor intenso de um Deus que gera um seu igual, Deus
em sua natureza e filho em sua Pessoa. Falamos ainda menos do que isso, falamos
apenas de algumas formas de como esse amor divino chegou até nós.
“Ninguém tem maior amor do que aquele que dá a vida pelos seus amigos.” (v
13)
Jesus nos pede uma forma
específica de amor: aquela entre Ele e seu Pai. Meu Deus do céu! Um amor assim
tão alto!? Não pede menos aquele que dá mais. O segredo desse amor é a sua
dinâmica. Não é um amor que se sabe apenas ou se conceitua, mas se experimenta
aqui em três ações: permanecer (n’Ele), guardar (os mandamentos) e dar (a
vida). Já o papa Bento XVI falou do Ágape de Deus como um amor que evolui. Amor
que não progride tende a enfraquecer-se até a extinção. Jesus ensina o seu
estilo de amar numa dinâmica não muito hierárquica, mas misturada de
“doação-guarda-permanência”. Quem ama mesmo minimamente inicia esta ciranda. Só
não precisa deixar de cirandar.
“Vós sois meus amigos se fizerdes o que eu vos mando.” (v.
14)
Assim Ele elege a amizade seu
tipo de amor humano predileto. Não apenas isto, mas condiciona o discipulado, o
testemunho e a vocação. Amizade é o amor de Deus humanado, porque nela se
transformarão todos os demais amores antes de se encontrarem com o Ágape de
Deus. Até mesmo Jesus (filho do amor incondicional) quis amar como amigo (quis
ser recíproco). Há uma partilha sadia nessa forma incompleta de amar. Há algo
da própria essência da criação que se harmoniza e se complementa em comunhão.
Há muito de amizade em tudo que Deus criou. Assim poderíamos conceituar o ser
humano e suas paixões. O ser humano é amor recíproco, enquanto Deus é amor
absoluto. Por isso Deus nos presenteou com esse jeito de amar, para que também
ele experimentasse daquilo que nos dá: amor.
“Já não vos chamo servos, pois o servo não sabe o que faz o
seu senhor. Eu vos chamo amigos, porque vos dei a conhecer tudo aquilo que ouvi
de meu o Pai.” (v. 15)
Pessoalmente diria que não se
pode ter medo de amar, ou de ser amigo. A negação de um tal sentimento assim
tão generoso seria uma negação a si mesmo. Digo-o porque não seria concreto um
amor unilateral, dado que seria contígua à sua existência a ausência da
reciprocidade. Amor como o entendemos e como o queremos exige retorno. O amor
sem volta leva tanto amor que acaba. Amor é correnteza caudalosa que enche e
baixa, mas não seca, não vira lama, não atola. Um amor assim não poderia ser
amor, ao menos não continuaria sendo amor.
“Não fostes vós que me escolhestes, mas fui eu que vos
escolhi e vos designei para irdes e para que produzais fruto, e o vosso fruto
permaneça...” (v. 16)
Seja na religião, nas palavras de
Jesus, seja na vida ou na boca dos amantes, amor tem categorias. Para que tudo,
ou apenas o que queremos, seja considerado amor precisa tomar dele as aparências.
Amor é uma dinâmica que envolve de tal forma os seres que lhes gera
dependências recíprocas, como as que Jesus citou: Primeiro ‘permanecer’. Ah,
sim! Quem ama fica. Segundo ‘guardar os ensinamentos’. Ah, sim! Quem ama jamais
esquece as palavras e a vontade da pessoa amada. Terceiro ‘dar a vida’. Essa
então! Há amor verdadeiro que não se gaste pelo outro? Caro leitor, caso lhe
falte alguma dessas não desista, insista. Amar sempre será um esforço e nunca
será sem paga ou sem mérito.
“Isto é o que vos ordeno: amai-vos uns aos outros.” (v. 17)
Por fim, há um amor que bem
traduz estas mal traçadas linhas. Embora sem amores apaixonados, porém com
grandes amizades, quero deixar meu beijo carinhoso a todas as mães pelo seu
dia, e lhes dizer obrigado por sua amizade tão sincera, apesar das agruras, e
de algumas poucas que não conseguiram ser recíprocas. Mesmo estas poucas já
tiveram a amizade de suas mães numa ciranda que não se acabará, da qual a
própria vida e existência humanas dependem.
“Eu vos digo isso para que a minha alegria esteja em vós e a
vossa alegria seja plena.” (v. 11)
10.05.2015
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