quarta-feira, 20 de maio de 2015

AMOR E RELIGIÃO

João 15,9-17

De certo que o tema do evangelho deste domingo é o amor, talvez a palavra mais complexa de toda a existência e a síntese de tudo o que há. Não é à toa que esta perícope conclui a parábola da Videira Verdadeira e sua união vital aos ramos. Ainda mais não esqueçamos que faz parte do discurso da Ceia, abertura da Paixão de Cristo. Em um contexto litúrgico e pascal, vale até lembrar do domingo quando falou do Bom Pastor. O texto acima vem coroar essa sequencia.
“Como o Pai me amou, assim também eu vos amei. Permanecei no meu amor.” (v. 9)

Sem erro poderíamos resumir vidas e sagas em amor. Sem exagero poderíamos dizer que é o objeto de toda esperança e a maior dádiva. Amor é em si um conceito, porém tão universal que pode se perder na plenitude do que significa. Por dar sentido a tudo pode perder seu sentido naquilo a que se atribui. Coisa necessária é aplicar o amor. Um amor sem caracterização, sem atribuições seria um amor tão abstrato quanto inatingível. Mas de qual amor estamos falando?
“Se guardardes os meus mandamentos, permanecereis no meu amor, assim como eu guardei os mandamentos de meu Pai e permaneço no seu amor.” (v. 10)

Há diversos amores em nossa vida. E graças a Deus que é assim! Mesmo o amor mais verdadeiro e real corre o risco de não se concretizar. A experiência mais plena da humanidade pode ser tão atacada que perca inúmeras guerras, até a derrota final. Há quem diga que não há perdas no amor. Há quem diga que não errou nos amores em que foi desprezado. Mas há quem diga que aqueles amores imbatíveis não existem mais. Foram fortes até a morte. Falar de amor sempre faz sonhar, relembrar, mas nem sempre querer de novo. Mas, de qual amor estamos falando mesmo?
“Este é o meu mandamento: amai-vos uns aos outros, assim como eu vos amei” (v. 12)

Prefiro falar de um amor que não nasceu aqui, e que foge do enredo da literatura corrente e comum das grandes paixões que costuram nossas histórias. Nem arriscaria contá-las, eu que não vivi uma paixão dessas. Meditamos aqui no amor que se aprende, no amor que passa de pai para filho. No amor intenso de um Deus que gera um seu igual, Deus em sua natureza e filho em sua Pessoa. Falamos ainda menos do que isso, falamos apenas de algumas formas de como esse amor divino chegou até nós.
“Ninguém tem maior amor do que aquele que dá a vida pelos seus amigos.” (v 13)

Jesus nos pede uma forma específica de amor: aquela entre Ele e seu Pai. Meu Deus do céu! Um amor assim tão alto!? Não pede menos aquele que dá mais. O segredo desse amor é a sua dinâmica. Não é um amor que se sabe apenas ou se conceitua, mas se experimenta aqui em três ações: permanecer (n’Ele), guardar (os mandamentos) e dar (a vida). Já o papa Bento XVI falou do Ágape de Deus como um amor que evolui. Amor que não progride tende a enfraquecer-se até a extinção. Jesus ensina o seu estilo de amar numa dinâmica não muito hierárquica, mas misturada de “doação-guarda-permanência”. Quem ama mesmo minimamente inicia esta ciranda. Só não precisa deixar de cirandar.
“Vós sois meus amigos se fizerdes o que eu vos mando.” (v. 14)

Assim Ele elege a amizade seu tipo de amor humano predileto. Não apenas isto, mas condiciona o discipulado, o testemunho e a vocação. Amizade é o amor de Deus humanado, porque nela se transformarão todos os demais amores antes de se encontrarem com o Ágape de Deus. Até mesmo Jesus (filho do amor incondicional) quis amar como amigo (quis ser recíproco). Há uma partilha sadia nessa forma incompleta de amar. Há algo da própria essência da criação que se harmoniza e se complementa em comunhão. Há muito de amizade em tudo que Deus criou. Assim poderíamos conceituar o ser humano e suas paixões. O ser humano é amor recíproco, enquanto Deus é amor absoluto. Por isso Deus nos presenteou com esse jeito de amar, para que também ele experimentasse daquilo que nos dá: amor.
“Já não vos chamo servos, pois o servo não sabe o que faz o seu senhor. Eu vos chamo amigos, porque vos dei a conhecer tudo aquilo que ouvi de meu o Pai.” (v. 15)

Pessoalmente diria que não se pode ter medo de amar, ou de ser amigo. A negação de um tal sentimento assim tão generoso seria uma negação a si mesmo. Digo-o porque não seria concreto um amor unilateral, dado que seria contígua à sua existência a ausência da reciprocidade. Amor como o entendemos e como o queremos exige retorno. O amor sem volta leva tanto amor que acaba. Amor é correnteza caudalosa que enche e baixa, mas não seca, não vira lama, não atola. Um amor assim não poderia ser amor, ao menos não continuaria sendo amor.
“Não fostes vós que me escolhestes, mas fui eu que vos escolhi e vos designei para irdes e para que produzais fruto, e o vosso fruto permaneça...” (v. 16)

Seja na religião, nas palavras de Jesus, seja na vida ou na boca dos amantes, amor tem categorias. Para que tudo, ou apenas o que queremos, seja considerado amor precisa tomar dele as aparências. Amor é uma dinâmica que envolve de tal forma os seres que lhes gera dependências recíprocas, como as que Jesus citou: Primeiro ‘permanecer’. Ah, sim! Quem ama fica. Segundo ‘guardar os ensinamentos’. Ah, sim! Quem ama jamais esquece as palavras e a vontade da pessoa amada. Terceiro ‘dar a vida’. Essa então! Há amor verdadeiro que não se gaste pelo outro? Caro leitor, caso lhe falte alguma dessas não desista, insista. Amar sempre será um esforço e nunca será sem paga ou sem mérito.
“Isto é o que vos ordeno: amai-vos uns aos outros.” (v. 17)

Por fim, há um amor que bem traduz estas mal traçadas linhas. Embora sem amores apaixonados, porém com grandes amizades, quero deixar meu beijo carinhoso a todas as mães pelo seu dia, e lhes dizer obrigado por sua amizade tão sincera, apesar das agruras, e de algumas poucas que não conseguiram ser recíprocas. Mesmo estas poucas já tiveram a amizade de suas mães numa ciranda que não se acabará, da qual a própria vida e existência humanas dependem.
“Eu vos digo isso para que a minha alegria esteja em vós e a vossa alegria seja plena.” (v. 11)


10.05.2015

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