O comentário desta semana parte
da passagem em que Jesus se apresenta como o bom pastor em razão de dar a sua
vida pelas suas ovelhas. Três vezes ele afirma isto como se condicionasse e
justificasse porque é o bom pastor e não um mercenário. Falar de pastores
enquanto membro de igreja que sou é sempre muito delicado. Acredito que os
colegas levantam suas orelhas e arregalam os olhos enquanto outros já se
perguntam se tenho ou não coerência para falar a respeito. Calma gente! Só quero
compartilhar algumas ideias sobre Jesus e sobre bondade.
O tema do bom pastor é um
assunto retomado pelo Filho do Amor em suas pregações. Uma figura muito
frequente na cultura bíblica por se tratar da identidade do povo nômade de
Israel bem como da identidade assumida por Deus já no Primeiro Testamento. É um
tema que sempre vem à tona diante das incoerências e dos maus tratos que o povo
padece das mãos dos seus lideres. Daí porque Jesus não só toca no assunto como
também se identifica. Igualmente, ele está cumprindo uma profecia do seu Pai
que diz: “eu mesmo arrebanharei o meu povo!”, em Ezequiel 34, 15. Todo o
capítulo é um belíssimo poema e programa pastoral que merece ser lido na
íntegra. Aconselho que o faça!
No oráculo acima há inúmeras
declarações valiosíssimas que figuram um programa pastoral a ser seguido por
quaisquer pastores que queiram se assemelhar a Jesus se querem ser bons. De
certo que o Mestre conhecia esta promessa e a cumpriu à risca. Na profecia,
depois de libertar as ovelhas de maus pastores assim diz o Senhor: Eu em pessoa
buscarei minhas ovelhas, seguirei seu rastro e as livrarei, apascentarei,
procurarei, recolherei, curarei, guardarei e salvarei. As ovelhas por sua vez,
pastarão, beberão, deitarão e repousarão.
A bondade do pastor, segundo o
testemunho do Cristo não reside apenas em ele ser bom de per si, mas na síntese
da relação entre pastor e rebanho que se concretiza naquilo que faz por elas,
em dar a sua vida. Sobre isto já demonstramos em artigos anteriores, sobretudo
Sexta na Paixão. Ninguém se engane com a figura pastoril aqui apresentada como
se valesse apenas à religião. A máxima do bom pastor é mister para todos e
quaisquer um que cuidem de ovelhas. Seja pai ou mãe, dono ou patrão, líder ou
ministro, professor ou político, padre ou pastor, etc., de algum modo você
encontra na figura do Cristo, o bom pastor, o referente do qual é imagem, ou
como diz um amigo meu “sem trocadilhos, mas para idealizando, realmente Deus
nos fez uma “selfie” para que o amor fosse self e mútuo...”
O selfie é a imagem de nós
mesmo, aquela que produzimos como nas fotos, e o self é cada um em si mesmo, na
alma e na consciência. As palavras podem até ser parecidas, mas suas percepções
podem divergir ao ponto de não mais representarem as mesmas pessoas. Assim são
os papeis sociais quando não são vividos como síntese na mesma pessoa. Daí
manter os olhos fixos em Cristo como o original de si mesmos. Sê-lo jamais o seremos!
Porém querer assemelhar-se a ele é o caminho mais curto e eficaz na
redescoberta de quem somos interiormente como filhos de Deus e exteriormente
como reflexo seu, sua imagem e semelhança.
Pelo que foi dito, meditar hoje
sobre o bom pastor é repensar também o bom pastoreio que exercemos sobre as
pessoas que Deus nos confiou e ao mesmo tempo sobre quem de fato somos ou nos
tornamos, uma vez que nos refletimos naquilo que fazemos. Ser reconhecido pelo
que faz, ou melhor, o dilema da identidade entre ser e fazer precisa ser
desfeito, para não virar outro dos tantos riscos de enganos morais. Sim, é pelo
que faz que Jesus é reconhecido; não fizesse o que fez jamais saberíamos quem
foi.
O tema do bom pastor elucida uma
caminho de reflexão moral válido para a igreja e para todo tipo de autoridade.
Há uma identidade e uma identificação em quem somos e no que fazemos. Outra
grande clarividência é que isto toca diretamente na bondade tanto de uma quanto
da outra, da identidade de quem somos e da ação que praticamos. Penso ainda que
autoridade deveria derivar de auteridade, pois somente entendendo que o
verdadeiro papel social é ser o outro de alguém. Seja o que formos ou quem
formos estaremos exercendo ali uma aute(o)ridade, ou melhor, sendo o outro do
outro, não um igual, mas um semelhante que não sou eu mesmo, e exerce sobre mim
uma diferença que agrega ações cujo fim último é o bem. Um bem que faz bem a
ambos, que faz o outro ser bom.
Espero que haja algo a contribui
sobretudo em um bom exame de consciência sobre como temos sido pastores. Mas
sobretudo em como podemos nos tornar bons e em como o fazer pode ajudar o ser
na descoberta e remodelagem de si mesmo. Isto porque sei que, embora já sejamos
pastores, nem sempre somos tão bons quanto gostariam ou gostaríamos.
25.04.2015
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