sábado, 23 de maio de 2015

PENTECOSTES

Jo 20, 19-23

“Vinde Espírito Santo!” Esta frase diz muito. É mais que um evocativo. É um clamor: Espírito Santo, vem!

Tenho para mim que a tarefa mais difícil para um teólogo é discursar sobre o Espírito Santo, sobre alguém que só vemos vestígios de sua presença, quando, na maioria das vezes, Ele só deixou a sua marca, sinal da sua presença, muito deferente de Jesus que teve uma vida humana.

Se perguntássemos a um fiel quem é o Espírito Santo? O que ele nos diria? Alguns arriscariam a dizer que é ‘a alma de Jesus’, ou o Divino, ou a ‘pomba’ do batismo de Jesus, o ‘vento’ e o ‘fogo’ de pentecostes. Uns poucos acrescentariam que é a Terceira Pessoa da Santíssima Trindade. Esta última resposta parece tão complexa que raros tentam detalhar. Meu Deus! Anos de catequese e não sabemos quem és!

Mas o vemos, sentimos, cremos e testemunhamos. Não há pessoa mais maravilhosa que cada um na Trindade Santa. O Pai e o Filho são puro amor um pelo outro e o Espírito o próprio amor entre eles. Penso que foi isto que Jesus quis; deixar-nos o seu amor entre nós. E o seu amor, desde a origem, não é dele apenas, mas entre eles. Um segredo que ainda descobriremos. O amor se quiser ser divino precisará ser fruto de amor. Não há amor verdadeiro que não nasça de amor e não gere amor. Assim é o Espírito Santo: o amor em sua dinâmica. Quem não se ama ou não é amado terá dificuldades de gerar amor e pode até perder o pouco que tem.

Jesus chama o Espírito Santo de ‘o outro Consolador’(Jo 14, 15), ou o Paráclito (16, 7) que é o advogado ou “foi chamado para ficar junto”, literamente do grego. Estas são duas alegorias muito mais próximas de nossa realidade humana do que aquelas da natureza. Primeiro o consolo todos sabem o que é, ou por sua presença ou por sua ausência. Mas dizer ‘o outro’ caracteriza algo diferente do comum, e remete para o de Jesus. Ele é o consolador quando toma sobre si as nossas dores (Cf. 1Pd 2, 24; Is 53, 4).

Agora sim entendemos de qual outro consolo Jesus fala quando se refere ao Espírito Santo. Ele também consola. Portanto deve ser procurado. E quem consola o tem dentro de si. Quem não sabe o que é consolo ainda não o conhece, logo quem não consola não o tem, não o possui. Não se deu conta e não tomou posse do dom mais precioso da alma humana.

 A segunda alegoria é o Paráclito como advogado. Na jurisprudência e cortes antigas era aquele defensor que falava pelo réu. Curioso era que se perdesse a questão poderia cumprir a pena no lugar de quem ele defendia. Não havia nada mais justo que se não conseguisse livrar a pessoa representada ficaria em seu lugar na condenação. Isto parece estranho hoje, mas foi o que Jesus fez. Quem não se expõe em dar a cara a bater não conhece o Paráclito. Logo, quem se descompromete, mesmo diante de quem erra, não reconhece que também participa do fracasso de quem diz amar.

O contexto do evangelho da festa deste ano é jurídico. É de perdão três vezes decretado: “perdoardes, perdoados, perdoardes”. O sacerdote é um juiz no confessionário: escuta, julga e sentencia. Mas não pode condenar, pois Jesus não condenou (Jo 8, 11; Lc 23, 34). Não lhe compete. Os pecados não perdoados “eles lhe serão retidos” (Jo 20, 23), diz Jesus, pois haverá outro julgamento em uma instância maior que os confessionários das igrejas. O juízo final sentenciará a todos, inclusive a morte, salário do pecado (Rm 6, 23) e o inferno que serão lançados no lago de fogo. Será a morte da morte e o fim do inferno. (Ap 20, 14) Esta sentença também não está em mãos humanas. É o mesmo Espírito quem faculta o perdão e lembra o pecado do penitente, mas não esqueçamos que não foram os pecados que Jesus soprou e sim a faculdade de perdoar.

Celebra-se neste evangelho a Festa de Pentecostes, originalmente judaica, a festa das tendas, 50 dias depois da páscoa. A páscoa era também a festa da colheita dos grãos, dos sacos cheios de alimento e do lucro que sustenta a família, da abundância e da generosidade de Deus. 50 dias para os grãos secarem e debulhá-los para guardar em sacos, como ainda se faz com o feijão e outras sementes. Ali se recolhiam as tendas armadas nos campos e desertos para voltar para casa com os frutos do suor e do trabalho humano.

Havia muita gente em Jerusalém naquele dia. Foram para o livre comércio e diversão, para o lucro e o prazer. É a estes que o Espírito dirige uma nova língua. Nova apenas para os discípulos de Jesus que ainda não conheciam essa nova língua, mas não para partos e medos, elamitas e os que habitam na Mesopotâmia, Judéia, Capadócia, Ponto e Asia, Frígia e Panfília, Egito e partes da Líbia, junto a Cirene, e forasteiros romanos, tanto judeus como prosélitos, Cretenses e árabes, que ouviram os discípulos falarem em sua própria língua (At 2,8-11). De fato é de se admirar, como o fizeram os estrangeiros (v. 12). Parece que os seguidores de Jesus ainda precisavam da conversão do ouvido e da língua. Coisa tão necessária ainda que provoque mais zombarias e incompreensões (v. 13), como naquele dia “tão bonito em Jerusalém”.

Meu Deus, mas o que veio fazer aqui na terra? Nós tínhamos perdido mesmo a direção. Tava tudo tão confuso! Que fé era aquela tão hierarquizada que cada vez mais distanciava os irmãos uns dos outros. É assim mesmo, quando os irmãos brigam entre si quem os une são os pais. Precisava mesmo que fosse Deus quem viesse. Deus Filho e Deus Espírito Santo, não vieram apenas sentir conosco, mas sentir por nós. É por isso que na reconciliação entre os irmãos, enquanto eles disputam, os pais não atiçam a fogueira, eles a apagam mesmo que seja com seus pés e suas mãos.

Se amar ‘entre’ já é divino, amar “por” é a divindade sendo quem é, em sua essência e dinâmica de recriação. Refazer-se, remodelar-se, rever os próprios conceitos e ideais, eis ação do Espírito não só em cada fiel, mas em toda a igreja. Quem é igreja precisa agir no Espírito Santo. Precisa deixar que ele sopre, queime, decole, pouse, mas também console e defenda, em um nível ainda acima do familiar, muito mais que o de uma mãe, pois a mãe ainda pode esquecer o seu filho, mas Deus não (Is 49, 15), nem o Espírito Santo, que é de viva memória (Cf. Jo 14, 26).

Glória ao Pai, e ao Filho, e ao Espírito Santo...


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