Jo 20,
19-23
“Vinde Espírito Santo!”
Esta frase diz muito. É mais que um evocativo. É um clamor: Espírito Santo,
vem!
Tenho para mim que a tarefa mais difícil para um teólogo é
discursar sobre o Espírito Santo, sobre alguém que só vemos vestígios de sua
presença, quando, na maioria das vezes, Ele só deixou a sua marca, sinal da sua
presença, muito deferente de Jesus que teve uma vida humana.
Se perguntássemos a um fiel quem é o Espírito Santo? O que
ele nos diria? Alguns arriscariam a dizer que é ‘a alma de Jesus’, ou o Divino,
ou a ‘pomba’ do batismo de Jesus, o ‘vento’ e o ‘fogo’ de pentecostes. Uns poucos
acrescentariam que é a Terceira Pessoa da Santíssima Trindade. Esta última
resposta parece tão complexa que raros tentam detalhar. Meu Deus! Anos de
catequese e não sabemos quem és!
Mas o vemos, sentimos, cremos e testemunhamos. Não há pessoa
mais maravilhosa que cada um na Trindade Santa. O Pai e o Filho são puro amor
um pelo outro e o Espírito o próprio amor entre eles. Penso que foi isto que
Jesus quis; deixar-nos o seu amor entre nós. E o seu amor, desde a origem, não
é dele apenas, mas entre eles. Um segredo que ainda descobriremos. O amor se quiser
ser divino precisará ser fruto de amor. Não há amor verdadeiro que não nasça de
amor e não gere amor. Assim é o Espírito Santo: o amor em sua dinâmica. Quem
não se ama ou não é amado terá dificuldades de gerar amor e pode até perder o
pouco que tem.
Jesus chama o Espírito Santo de ‘o outro Consolador’(Jo 14,
15), ou o Paráclito (16, 7) que é o advogado ou “foi chamado para ficar junto”,
literamente do grego. Estas são duas alegorias muito mais próximas de nossa
realidade humana do que aquelas da natureza. Primeiro o consolo todos sabem o
que é, ou por sua presença ou por sua ausência. Mas dizer ‘o outro’ caracteriza
algo diferente do comum, e remete para o de Jesus. Ele é o consolador quando
toma sobre si as nossas dores (Cf. 1Pd 2, 24; Is 53, 4).
Agora sim entendemos de qual outro consolo Jesus fala quando
se refere ao Espírito Santo. Ele também consola. Portanto deve ser procurado. E
quem consola o tem dentro de si. Quem não sabe o que é consolo ainda não o conhece,
logo quem não consola não o tem, não o possui. Não se deu conta e não tomou
posse do dom mais precioso da alma humana.
A segunda alegoria é
o Paráclito como advogado. Na jurisprudência e cortes antigas era aquele
defensor que falava pelo réu. Curioso era que se perdesse a questão poderia cumprir
a pena no lugar de quem ele defendia. Não havia nada mais justo que se não
conseguisse livrar a pessoa representada ficaria em seu lugar na condenação. Isto
parece estranho hoje, mas foi o que Jesus fez. Quem não se expõe em dar a cara
a bater não conhece o Paráclito. Logo, quem se descompromete, mesmo diante de
quem erra, não reconhece que também participa do fracasso de quem diz amar.
O contexto do evangelho da festa deste ano é jurídico. É de
perdão três vezes decretado: “perdoardes, perdoados, perdoardes”. O sacerdote é
um juiz no confessionário: escuta, julga e sentencia. Mas não pode condenar,
pois Jesus não condenou (Jo 8, 11; Lc 23, 34). Não lhe compete. Os pecados não
perdoados “eles lhe serão retidos” (Jo 20, 23), diz Jesus, pois haverá outro julgamento
em uma instância maior que os confessionários das igrejas. O juízo final sentenciará
a todos, inclusive a morte, salário do pecado (Rm 6, 23) e o inferno que serão
lançados no lago de fogo. Será a morte da morte e o fim do inferno. (Ap 20, 14)
Esta sentença também não está em mãos humanas. É o mesmo Espírito quem faculta
o perdão e lembra o pecado do penitente, mas não esqueçamos que não foram os
pecados que Jesus soprou e sim a faculdade de perdoar.
Celebra-se neste evangelho a Festa de Pentecostes,
originalmente judaica, a festa das tendas, 50 dias depois da páscoa. A páscoa era
também a festa da colheita dos grãos, dos sacos cheios de alimento e do lucro
que sustenta a família, da abundância e da generosidade de Deus. 50 dias para os
grãos secarem e debulhá-los para guardar em sacos, como ainda se faz com o feijão
e outras sementes. Ali se recolhiam as tendas armadas nos campos e desertos
para voltar para casa com os frutos do suor e do trabalho humano.
Havia muita gente em Jerusalém naquele dia. Foram para o livre
comércio e diversão, para o lucro e o prazer. É a estes que o Espírito dirige
uma nova língua. Nova apenas para os discípulos de Jesus que ainda não conheciam
essa nova língua, mas não para partos e medos, elamitas e os que habitam na
Mesopotâmia, Judéia, Capadócia, Ponto e Asia, Frígia e Panfília, Egito e partes
da Líbia, junto a Cirene, e forasteiros romanos, tanto judeus como prosélitos, Cretenses
e árabes, que ouviram os discípulos falarem em sua própria língua (At 2,8-11). De
fato é de se admirar, como o fizeram os estrangeiros (v. 12). Parece que os
seguidores de Jesus ainda precisavam da conversão do ouvido e da língua. Coisa tão
necessária ainda que provoque mais zombarias e incompreensões (v. 13), como naquele
dia “tão bonito em Jerusalém”.
Meu Deus, mas o que veio fazer aqui na terra? Nós tínhamos perdido
mesmo a direção. Tava tudo tão confuso! Que fé era aquela tão hierarquizada que
cada vez mais distanciava os irmãos uns dos outros. É assim mesmo, quando os
irmãos brigam entre si quem os une são os pais. Precisava mesmo que fosse Deus
quem viesse. Deus Filho e Deus Espírito Santo, não vieram apenas sentir conosco,
mas sentir por nós. É por isso que na reconciliação entre os irmãos, enquanto
eles disputam, os pais não atiçam a fogueira, eles a apagam mesmo que seja com
seus pés e suas mãos.
Se amar ‘entre’ já é divino, amar “por” é a divindade sendo
quem é, em sua essência e dinâmica de recriação. Refazer-se, remodelar-se,
rever os próprios conceitos e ideais, eis ação do Espírito não só em cada fiel,
mas em toda a igreja. Quem é igreja precisa agir no Espírito Santo. Precisa deixar
que ele sopre, queime, decole, pouse, mas também console e defenda, em um nível
ainda acima do familiar, muito mais que o de uma mãe, pois a mãe ainda pode
esquecer o seu filho, mas Deus não (Is 49, 15), nem o Espírito Santo, que é de
viva memória (Cf. Jo 14, 26).
Glória ao Pai, e ao Filho, e ao Espírito Santo...
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