sexta-feira, 15 de maio de 2015

SÁBADO EM VIGÍLIA PASCAL

Sempre aconselhei sobre a necessidade de exercitar os sentidos e sentimentos em procurar experienciar o momento celebrativo. De que outra forma a fé poderia ser ajudada pela mente que tanto reluta em crê buscando sensações e materialidade no sobrenatural? Eis a oportunidade: sentir e vivenciar os atos litúrgicos. A razão encontrará a resposta de que precisa até mesmo para a morte.
Num certeiro sentido hoje sim é o dia dos finados, o dia de todos os santos. O dia em que os mortos antes de Jesus o conheceram. Hoje é o dia em que Cristo desceu à mansão dos mortos, segundo a tradição católica. Rezam os antigos que todos o esperavam ainda e que depois de descer aos infernos e libertar os pecadores Ele subiria aos céus e abriria definitivamente suas portas.
Este Sábado é Santo. Ele revive a busca incansável do Redentor à procura dos pecadores e dos que não o conhecem. O Filho do Amor confia e vai ao encontro de todo tipo de desprezado. É o Apaixonado, aquele que aprendeu a sofrer a dor do outro e sabe colocar-se no seu lugar. Por isso veio, entrou no mundo, e depois que saiu dele adentrou o sub mundo para, somente depois, findar a sua saga de amor e retornar ao céu e à dignidade que tinha junto do Pai. Não foi por nada que Dante Alighieri, chama de Comédia uma aventura dessas, pois tem um começo triste e um final feliz. Conta a viagem do poeta Virgílio à procura de sua amada Beatriz, no mesmo itinerário de Jesus. Parte da floresta e seus perigos, desce ao abismo dos infernos e seus vícios, escala o purgatório, onde quanto mais esforço se desprende menos se cansa, e chega ao cume do céu.
O dia de hoje é uma descida profunda do fiel dentro de si mesmo, no percurso de sua vida, no tempo "sofrido" da Paixão que dura até o rolar da pedra, do sepulcro vazio. Tudo vira símbolo para a vida de quem crê. Veja se não é isto que falta, ou a atitude primeira de um rompimento com a morte: rolar a pedra e sair do sepulcro em que foi colocado. Se fizesse um paralelo à própria vida não se encontraria alguma semelhança? Tenho pensado que desde o "no princípio era o verbo" à caverna iluminada da ressurreição há paralelos com os textos da filosofia grega. Embora isto seja assunto para outro dia, não tem como esconder que Jesus quisesse revelar o âmago de cada um, e que se o contemplarmos com paciência enxergaremos e descobriremos o que procuramos sobre ele e sobre si próprio.
Hoje ainda é um dia de luto até ao escurecer. Após o enterro a família fica em choque. O filme da vida se projeta na tela do coração. Não celebramos bem este dia se não nos deixamos envolver desse clima de interioridade em que a vida de Jesus passa diante dos nossos olhos. Muita coisa acontece e sequer nos damos conta. Daí a necessidade de certas paradas e profundas descidas na busca corajosa do sentido deste dia para a vida pessoal.
Escureceu, a luz encadeou; é noite, é dia novo. Treva não há que iniba a luz; o breu não sustem o brilho; resplendor e explosão, há fogo e há cor. Fagulha do amor; tocha oscilante nunca extinta; fogueira de toda madeira; flagelo que queima, acesa e inextinguível. Celebramos o alimento, a morte e o fogo; celebramos a bebida, o enterro e luz. Celebramos a hóstia, a cruz e a vida. É necessário que o sol se ponha, que toda luz natural negue o seu brilho e que a escuridão invada em sombras mesmo os campos mais livres. Só quando as velas queimarem a primeira chama tênue e a lua perder seu brilho, "quando acabar a última medida de farinha"  e a esperança for ameaçada, só quando a certeza estiver nas próprias forças e três mulheres partirem com mãos em perfumes para rolarem pedras, quando o caos repousar e o vazio engolir as almas a aurora se renovará, e a luz se fará, o ar soprará, as escamas cairão, o sangue estancará e feridas abertas não mais serão paixão, corpo nu não será sedução, e o novo Adão desposará sua Eva. Nunca mais te chamarão desamparada ou se dirá envergonhada, mas minha querida, minha bem amada, minha preferida (Is 62,4).
A igreja hoje se prepara para o reencontro com o seu esposo. Por isso é uma longa vigília. Mãe de todas as esperas. Vinde às núpcias do cordeiro! Aleluia irmãos! Hoje termina uma semana de sete dias que resume a paixão de um amante até ao altar. Amanhã é o oitavo dia de uma semana que quis ser maior que a criação. Mas a cada dia cabe a sua experiência. Amanhã continuamos! Desde já feliz Páscoa!
04.04.2015

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